Olívia, 10 anos, fala todos os dias com a avó por videochamada. Algumas vezes, por quase duas horas. Falta de assunto nunca foi um problema para elas. “Se faço uma receita, eu ligo para a minha avó; se tenho uma novidade, ligo também; se arrumo o quarto ou tenho um projeto na escola, ligo outra vez”, enumerou.
Durante esse ano pandêmico, Olívia e a avó, Izabel Gromik, de 63 anos, não puderam se ver com a regularidade que gostariam. “Eu amo bastante a minha vó. Ela é doidinha. Tem coisas que falo pra ela que não falo nem para a minha mãe. Fico torcendo para ela tomar logo a vacina para a gente poder se ver mais”, afirmou Olívia.
Izabel, com toda razão, derrete-se ao falar da neta. “Olívia é incrível. É supercarinho. Tem um gênio especial e uma personalidade inclusiva, quer sempre que todos participem de tudo”, contou. Izabel acredita que os laços entre avós e netos ficaram cada vez mais estreitos e fortes durante a pandemia. “As videochamadas ajudam bastante. Lamento pelos avós que não têm acesso à tecnologia ou não têm intimidade com ela.”
Ainda assim, Izabel acha que tanto amor reprimido pela distância irá transbordar em muitos “eu te amo”. “Será gostoso. Tem muita coisa represada. Quando for possível, ir para a casa dos avós será um evento especial”, garantiu.
Assim como Olívia e Izabel, muitos netos e avós estão fazendo o melhor possível para manter a conexão entre eles durante a pandemia. Em alguns casos, a distância não tem sido um problema. Ao contrário, é uma exclusiva e restrita convivência familiar que tem feito esse amor crescer.
Veja o caso do João, de 16 anos, e sua avó, Cleide Teresinha da Costa Araújo, de 76. A amizade entre eles cresceu durante o período em que moraram juntos, em uma casa de campo, isolados do resto do mundo. O segredo da união entre eles? O humor.
“Quando ele está jogando videogame, eu bato na porta e pergunto se ele quer um chazinho. Fico brincando e fazendo piadas enquanto ele está jogando. Me mato de rir”, contou Cleide. “Ela se interessa por tudo dessa geração. Ela quer saber dos jogos do videogame, da minha escola, das coisas que estão acontecendo. Quando o Corinthians perde, ela é a primeira a me provocar”, contou João. Ah, Cleide é são-paulina.
Como todos sabem, a proximidade entre avós e netos é uma oportunidade para o aprendizado. Cleide, por exemplo, ensinou o neto a jogar canastra. “Sempre gostei de baralho. Então, ensinei ele a jogar. Também quero ensiná-lo a dirigir”, comentou.
João tem clareza da importância da relação que construiu com a avó durante a pandemia. “A covid fez com que a gente tivesse consciência do quanto é bom aproveitar a presença dos avós agora. Sei que a covid é um risco para todos, mas os mais idosos sempre estiveram nesse grupo de risco. Felizmente, minha avó está vacinada. Sei que ainda é preciso tomar todos os cuidados, mas foi bom ver o alívio no rosto dela”, disse o neto. João acredita que o tempo que passou com a avó será a faísca para que eles morem, definitivamente, juntos quando a pandemia arrefecer.
No início da pandemia, os avós de Lucas, de 6 anos, ficaram pelo menos 4 meses sem nenhum contato presencial com o neto. Antônio Correia da Silva, de 59 anos, e Arlete Alves Cavalcante da Silva, de 58, só voltaram a ver o neto naquele período de 2020 em que a covid parecia um pouco mais controlada (antes da chamada segunda onda).
A saudade era tão grande que Antônio chegou a se ajoelhar na sala e ficar abraçado ao neto – em uma cena que, até hoje, comove quem a presenciou. “Desde bebê nós sempre estivemos juntos, é muito difícil ficar longe dele”, contou. Durante a pandemia, os aniversários de avó e neto foram comemorados a distância, pelo zoom.
Agora, a avó, que é pedagoga, tem ajudado o neto com as aulas online. “Ele é muito esperto. Vi o boletim recente dele e as notas estão ótimas. Acho que, de alguma forma, minha experiência como professora está ajudando”, comentou Arlete.
Outra relação especial entre gerações tão diferentes produziu mais do que amor e carinho. A relação entre Mário Sérgio de Moraes, de 70 anos, e Mateus, de 10, resultou em um livro. “Foi algo bastante afetivo, produzido durante a pandemia pela carência da distância, mas que nasceu anteriormente”, explicou o avô.
Desde quando Mateus tinha 4 anos, Mário costumava contar histórias para ele. A brincadeira era fazer o neto continuar a narrativa iniciada pelo avô, estimulando assim sua criatividade (e para que os avós também conseguissem dar uma cochilada durante as tardes em que o neto ficava com eles). Nestas histórias compartilhadas foram aparecendo personagens e situações criados pelo Lucas.
Na pandemia, em pleno distanciamento, o hábito de compartilhar histórias continuou, com uma troca de bilhetes. “Eu mandava um texto para o Mateus. Ele, na casa dele, ia completando com uma letrinha de quarta série”, contou Mário.
O exercício entre avô e neto virou o livro Tudo Acaba Em 10 (Editora Capella). A obra reúne as aventuras de personagens como o Garganta – conhecido por inventar umas mentirinhas e contar histórias que sempre acabam em 10. O livro pode se transformar em animação em breve. “Eu e meu avô sempre nos demos bem. Ele é meu melhor amigo. A gente criou uma coisa pra superar a pandemia. Com o livro, a gente ficou mais perto, mesmo estando afastado”, contou Mateus.
Laços fazem bem à saúde
Para o neurocirurgião e neurocientista, professor de Medicina da USP, Fernando Gomes, os laços entre avós e netos fazem bem para a saúde das duas partes. “Essa união, essa relação de amor é um estímulo que libera ocitocina (hormônio), que previne ansiedade, transtornos alimentares e até depressão”, explicou. Segundo ele, o vínculo direto é extremamente benéfico em termos biológicos, e importante para a saúde dos dois lados. “Em um momento ainda de distanciamento, minha recomendação é que avós e netos usem e abusem das chamadas de vídeo. Pode não ser a forma mais adequada, mas com cinco minutinhos por dia, esse laço, essa relação entre avós e netos não se perde e pode ser reforçada”, disse Gomes.
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