Uma das descobertas infantis é a percepção de que há pessoas boas e ruins no mundo. É um conhecimento doloroso e marca o cruzamento de uma fronteira. A próxima revelação, dentro de todos nós, indica que há forças muito maléficas, para serem analisadas e contidas. Esse é o momento de uma segunda consciência. Sintetizando: descubro primeiro que há o mal no mundo e, depois, percebo que ele dialoga com minha mente e pode morar em mim. Antes da primeira descoberta, sou ingênuo; antes da segunda, sou um hipócrita.
O mal existe em graus variados entre colegas, familiares, desconhecidos e nas diversas facetas da minha alma. Nunca me espantou demais nossa potência para destruir, agredir, ter prazer na dor alheia, ser indiferente ao que não me interessa. Temos o egoísmo no nosso DNA, o amor depende muito de estímulos culturais e sociais. Terei lido Hobbes em excesso?
Onde houver pessoas, há atritos, maldades, choques variados. Não tenho nenhuma nostalgia de um paraíso ou utopias no futuro. Mas...
Em que momento a política passou a concentrar tanta gente ruim? Minha querida leitora e meu estimado leitor: não parece que, de umas décadas para cá, com exceções, só o pior do humano começou a fazer carreira partidária? Veja: eu sei que há uma tia ou um cunhado de maus bofes em todas as famílias. Imagino que seja impossível pertencer a uma associação piedosa sem conviver com alguém do mal. É quase uma cota em festas, escritórios, famílias e condomínios: uma pessoa, ao menos, muito ruim. No entanto, na grande política profissional, com exceções, parece o contrário.
Começo lá fora. Os EUA possuem mais de 330 milhões de habitantes em um enorme território. Nas universidades estadunidenses, iniciaram-se várias revoluções administrativas e tecnológicas extraordinárias. É um país de ideias, de ação, de empreendedores e administradores de primeira linha. De repente, para a presidência, concorrem duas hipóteses com problemas estruturais. Entre milhões, são as melhores? O que houve? Para onde foram os bons, os hábeis, os mais jovens, os com empatia, os com sanidade e com equilíbrio mínimo?
Volto ao meu Brasil com céu de anil. Terra vasta e generosa, com homens e mulheres de enorme talento. Da pessoa que administra um lar mais humilde e faz peripécias de orçamento até quem cuida de uma grande empresa: há talentos peculiares por aqui. Os desastres das cheias no Rio Grande do Sul revelaram heróis e, claro, canalhas. Crises sempre têm sua cota de velhacos. Posso afirmar: também houve muita gente corajosa, com generosidade sem fim! Nossa habilidade no convívio social é louvada no mundo todo. A alegria brasileira é alvo de debates acadêmicos. Com tantas tragédias e desníveis sociais, somos um povo que ainda sorri, ajuda, trabalha e... canta! Chegamos à hora da eleição, mas as opções são, quase sempre, entre Lúcifer e Satanás! De novo! Por vezes, ainda existe a aliança de Belzebu com Mefistófeles para vencer o “Coisa Ruim” do outro espectro político. Briga de demônios, com projetos velhos, desequilíbrios pessoais, contestações estruturais de ética e falta de quase tudo que os qualificaria para o cargo. Não aguento mais votar contra alguém, escolher um candidato que eu acho ruim, porque o outro é pior. Neste século, não vi debate de ideias e de projetos. Vejo acusações biográficas sobre quem seria o esgoto mais podre e qual aliado é o mais defeituoso.
Estamos em campanha municipal. Percorro o Brasil e reconheço que já topei com bons projetos locais, especialmente em educação. Posso dizer com conhecimento do território brasílico: são exceções e quase sempre em lugares menores.
Sou historiador profissional. Não crio a fantasia de que, no passado, os políticos eram honestos e produtivos e, de repente, ficaram ruins. Estudei corrupção na Colônia, no Império e na República. Sempre houve ladravazes, palavra que meu pai (político e advogado) adorava usar. Ladravaz (todos podem incorporar a palavra ao seu vocabulário) é um grande ladrão, um aumentativo de gatuno (outro termo bom é ladroaço). Havia e há larápios.
Tenho anseio por ética política. No momento, penso na competência mesmo, na capacidade administrativa, que inclui e excede o básico campo da honestidade. Aplicando a determinação constitucional do Artigo 37, contida no acróstico LIMPE (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), pense comigo: qual é o governante recente que cumpre tais itens constitucionais de forma razoável? Ser honesto tornou-se tema forte pela escassez, porém esse é atributo jurídico para fazer alguém não terminar mandato na cadeia. Eu enfatizo a eficiência, fruto da experiência e da inteligência. Parece que a política tem atraído pouca gente adepta do E do LIMPE. Para onde foram as pessoas que acreditam na distinção entre bens públicos e privados? Onde se escondem os hábeis administradores? O que houve para que fôssemos invadidos por um exército uniforme de gente tosca, com baixa visão estratégica e moralidade duvidosa?
Alguém me disse uma vez: não se iluda, você está cadastrado em uma zona eleitoral, mas isso nunca será uma palavra neutra. Há espaço para esperança de algo realmente bom? Com a palavra – nós, as pessoas que elegem. Teremos escolhas de verdade?
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