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Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião | Homenagem à Letra ‘P’, consoante com a beleza de tiro de canhão

Paulo Pacóvio passava premido pela pressa. Pausado, porém pleno, pensava prudentemente - sim, todas as palavras deste texto começam com a letra ‘P’

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Em meio a leituras, tropecei na palavra pacóvio (simples, ingênuo, parvo). Busquei sons similares em procaz e pascácio. Surgiu uma ideia de história e aliteração. Um homem, Paulo Pacóvio, apesar do seu bom coração, insiste em só falar com a letra pê e causa indignação de outras pessoas. Erra Paulo pela fixação monotemática; erram outros por se arvorarem em vestais do fogo sagrado da língua. Vamos lá.

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Paulo Pacóvio passava premido pela pressa. Pausado, porém pleno, pensava prudentemente. Pelos prados pulsantes parava para pacificar pugnas pueris. Primava pela paz pura para poder pensar. Pai prestimoso, parava perigos pungentes, punia patacoadas, premiava princípios piedosos, purificava pensamentos primitivos.

Pequenos problemas por partes? Primeiro pensava, por paixão, pela pétala primaveril perfumada pela própria pincelada pessoal produzida por Pio Princípio Primeiro. Puras petúnias, perfumadas prímulas, pacificadoras papoulas, perpétuas, peônias pela pradaria. Pacato, parcimonioso, pedante porém, porque pensava primeiro pelo pê. Prolixo? Perhaps... Porém, primoroso prócere pela proteção pronunciada, patética para poucos, prodigiosa para personagens pensantes. “Papalvo! Pascácio! Procaz! Perturbado! Provocador! Problemático!” Palreavam poucos, porém poderosos pensadores. Pulavam polcas pantagruélicas, pegavam (para patrulhar Paulo Pacóvio) perigosos pedaços proeminentes, pesados, pontiagudos, para pressionar por punições. Procissão primitiva! Pouco podiam policiais para preservar Pacóvio. “Petições públicas pela polícia” – pediam prefeito, promotor, padre, pastor, professores! Prosseguiam protestos pela priorização persistente. “Para! Pela proibição! Pê Proscrito! Pelo português patrimônio puro, popular, pavimento preferido pelas poucas pessoas pousadas pelos píncaros poéticos.” Preocupantes princípios primitivos! “Prendam-no! Parem Pê! Pela pureza portuguesa!” Palreavam prístinos puristas pelos parques povoados pela primeira penumbra. Pensavam-se protetores patriarcais. “Protetores? Predadores!” Pensava Paulo, pasmado, possesso, percebendo patíbulo poderoso por perto. Pensamentos punitivos pela patuleia! Preconizavam persuasão. Pediam por punições pungentes. Paradoxos pela pletora pê! Proposições paralelas pressionavam para parar proselitismo! Porque permitiam palavras progressistas, parcas proposições pela paz perene. “Precisamos parar!” Poucos pensadores publicavam pedidos pelo prosaico princípio pacificador. Pusilânimes pulsavam presságios pesarosos. Primordiais, porém precárias, pessoas privilegiadas pregavam peças plácidas. Párias permitiam persistência perdulária? Pelicanos planavam pelas platitudes populistas. Pobres planadores pândegos! Poucas pessoas percebiam perigos.

Prelúdio precursor pulsava pelas pinguelas! Pictórica paisagem, pulcritude pachorrenta percorria populações pensativas. Pudera! Palavras, palavras, palavras... Puras palavras principiadas pelo próprio pê.

Qual foi minha intenção ao escrever um texto de palavras principiadas apenas pela letra pê? Foi um pouco mais do que uma mera brincadeira, foi uma homenagem à língua portuguesa e à força da letra pê: a décima sexta do nosso alfabeto. É uma consoante oclusiva (obstrução no fluxo de ar), bilabial (articulação com dois lábios) e surda (não vibra nas cordas vocais). Tem a beleza de um tiro de canhão.

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Apesar do limite dado pela minha diatribe, desejei mostrar um pouco da língua que nos une. Circunscrito pelo uso de palavras com pê, viajamos por sons e significados pouco usuais. Fazendo uma breve concessão a uma palavra em inglês (perhaps), seguimos tocando o palato de Camões, roçando nossa língua na do Vate, como quereria um baiano famoso. A Última Flor do Lácio foi colocada em um vaso consonantal monótono e, mesmo assim, permaneceu poderosa. Com pê, falo coisas lindas iguais a petricor (o cheiro da terra molhada após a chuva, termo de origem grega inventado por australianos) e panapaná (o raro coletivo de borboletas, vocábulo com raiz tupi). Essa é nossa linda, trincada, dinâmica, desgastada e pulsante Língua Portuguesa, intensamente mestiça.

Soldados do 32.º Grupamento de Artilharia e campanha fazem salva de tiros de canhão em frente ao Congresso Nacional em 2002 Foto: Dida Sampaio/Estadão

Citei Hamlet quando ele respondeu a Polônio e disse que são apenas “palavras, palavras, palavras”. Por elas viaja nossa concepção de mundo. “Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo” – pensou Wittgenstein. A Língua Portuguesa é o meu horizonte de eventos, com pê ou com quaisquer outras letras, em combinações infinitas. A língua vive na explosão criativa das ruas, flui pelas redes sociais e morre em dicionários e gramáticas, ponto final da exumação. Há os que esperam a volta de Dom Napoleão de Almeida, o desejado. Camões nasceu há quinhentos anos e brilhou no Cosme Velho com Machado. A língua europeia, africana e ameríndia que rebola pelas quebradas, sempre jovem, tropeçando com o inglês e lutando nas mãos dos poetas que salvam dos naufrágios suas rimas. Encerro repleto de esperanças! Viva a Língua Portuguesa! Pujante! Perspicaz! Potente! Prazenteira! Primorosa!

Opinião por Leandro Karnal

É historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, colunista do Estadão desde 2016 e autor de 'A Coragem da Esperança', entre outros

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