Filosofia: palavra que assusta! O afresco A Escola de Atenas, de Rafael, mostra os pensadores gregos em um ambiente formal ao redor de Platão e de Aristóteles. Aquele para o céu; este indica o caminho concreto da terra. Na galeria do Vaticano onde está a obra, sábios parecem participar de uma conversa inacessível a nós, mortais.
Como começar uma jornada para entender algo complexo? Como lidar com conceitos como Razão, Ética, Estética, Método, Política, Ciência, que parecem fluir do grande rio filosófico para os muitos igarapés das outras áreas? Como chegar à fonte em si da reflexão, a Filosofia?
Ensinar é criar pontes, jamais muros. Não cabe a um professor mostrar como o aluno sabe pouco. Todos nós sabemos quase nada. Um mestre que está na estrada há mais tempo possui mais domínio dos temas. A ignorância assumida é o que torna um professor sábio. A consciência socrática sobre meu próprio limite é a atividade que prepara quem orienta sobre o caminho do saber. Recusar ideias preconcebidas e submeter tudo à dúvida metódica, em tempos de internet e de fake news, parece ter dado ao pensamento filosófico um poder renovado.
Eu recebo muitos pedidos sobre bibliografia para quem quer começar a aventura. São pessoas com viva curiosidade, pouca experiência em textos formais e um forte desejo de saber. Para ajudar, decidi pedir indicações a colegas filósofos. Esta crônica serve para quem vai começar a jornada (irreversível) de crescimento. Não é para profissionais da área. É para filósofos no sentido etimológico, os amigos da sabedoria, gente que deseja aprender e é ciente de que nada sabe. A pergunta que enviei foi: “Quais são os dois livros que você indicaria para quem deseja começar uma trilha de conhecimento em Filosofia?”
Um grande amigo da Unicamp, Oswaldo Giacoia, respondeu: “Para o começo em Filosofia, eu indicaria a Apologia de Sócrates, de Platão, e as Meditações sobre Filosofia Primeira, de Descartes (Meditações Metafísicas)”.
O jovem filósofo Marcus Bruzzo foi para um debate mais contemporâneo. Aconselhou O Mundo Assombrado pelos Demônios, de Carl Sagan, e O Verdadeiro Criador de Tudo, de Miguel Nicolelis.
Clóvis de Barros Filho assinala como obra introdutória o Convite à Filosofia,de Enrico Berti, e o texto Filosofía en Once Frases, de Darío Sztajnszrajber (o livro do autor argentino está em espanhol).
Mario Sergio Cortella tornou-se sinônimo de divulgação filosófica no Brasil. Ele propôs a Ética a Nicômaco, de Aristóteles, e, seguindo Giacoia (sem terem se comunicado), recomendou as Meditações sobre Filosofia Primeira, de Descartes.
Luiz Felipe Pondé também considera a Ética a Nicômaco um bom começo. Indica, igualmente, o diálogo Teeteto, de Platão, e suas reflexões sobre a natureza do conhecimento.
Scarlett Marton, no momento pesquisando na Europa, indicou Genealogia da Moral, de Nietzsche, e História da Loucura, de Foucault. Para completar, a professora apontou mais dois: “Se quisermos começar pelo século 17 francês, um belo contraponto traria Discurso do Método, de Descartes, e Pensamentos, de Pascal”.
A filósofa Djamila Ribeiro indicou dois livros de Marilena Chauí: Convite à Filosofia e O que é Ideologia (da Coleção Primeiros Passos). São obras estimulantes para os que desejam carimbar o passaporte para o novo reino do pensamento.
Livros iniciais, mas nem todos completamente fáceis. São textos para ler com atenção e dar um passo decisivo adiante. Obras que devem ser encaradas como um desafio estratégico. Não se trata de passatempo: os filósofos possuem outras relações com a ideia do tempo. Ele não deve ser “passado”, mas fruído com consciência. Diferentemente de alguma coisa que se faz para vencer o tédio, são exercícios mentais para sair da zona de conforto, quebrar a inércia do cotidiano, fazer ver além das mídias sociais.
Pessoas, em geral, ignorarão as recomendações. Cérebros mais conscientes vão imaginar: os nomes são importantes, vou buscar aquilo com que eu mais me identifico e lerei as duas obras. Por fim, um em cem mil dirá: “Lerei todas as obras aconselhadas. Por quê? Para eu me desafiar a não ser raso. Quero pensar acima do senso comum, desenvolver um vocabulário mais sólido e dar um passo a caminho do ‘esclarecimento’ que Kant determinava separar algumas pessoas de todo o mundo”. Filosofia destrói mitos e, inclusive, ajuda a entender como construímos novos mitos.
Decidir ler é algo transformador. Analisar bons livros é uma guinada estratégica. Quem se aventurar aceitará o compromisso tácito da revolução interna. “Sapere aude” – gritava o mesmo Kant. Ouse saber! Ouse! Desafie-se e descubra um novo mundo, com muita esperança, à sua frente. Está em dúvida ou tem a resposta?
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