Um convite de casamento é um ato de alegria e um anúncio de sacrifícios. Quem oferece a festa gasta o que tem e o que nunca possuiu de verdade. Os convidados estarão empenhados em presentes, roupas, arrumação de cabelos e unhas, cerimônia longa... O amor do casal tem um custo alto para todos os envolvidos. Até as memórias (fotos e filmes) serão acompanhadas de cifrões.
Tânia e Rodrigo sabiam disso. Foram a muitos casamentos. Sempre compartilharam a “intoxicação de esperança” diante das cerimônias. Igrejas, sinagogas, festas na praia, fazendas alugadas: cenários lindos e muito custosos. Tramas de orquídeas e rios de champanha: os sorrisos nunca foram gratuitos.
Tendo um histórico longo de amigos estressados com os árduos preparativos, decidiram que fariam um casamento inesquecível. A palavra foi pronunciada em família e aumentou a ansiedade: “Inesquecível? Quanto vai custar?” – indagou o pai de Tânia. O casal explicou que seria o contrário. “Aguardem e verão!”
A data? Um sábado, para não incomodar as pessoas com cerimônias no meio da semana, mania de certo grupo social. O convite? Feito por calígrafos maravilhosos, em envelopes com lacre luxuoso? Não! Foi pelo Zap mesmo. Algumas pessoas ligaram, achando que seria um trote.
O breve texto informava a data: 16 de setembro. A noiva iria com um vestido branco usado, algo de quatro réveillons atrás. Era bonito, leve. O noivo? Tinha decidido por uma camisa também usada, igualmente branca, que lhe caía bem. Usaria uma calça jeans e um tênis confortável. Pedia-se aos convidados evitar trajes de festa. Indicaram uma roupa comum. Maquiagem? A cotidiana para quem usava. Cabelos sem armações. Nada de salto alto.
Buffet maravilhoso com camarões e cascatas de gelo? Nada! Negociaram alguém que faria pizzas de vários sabores. Sem orquestras: uma playlist feita pelos noivos a partir da história deles. O sítio gratuito de um tio seria o lugar. Chamaram um padre amigo.
No dia marcado, evitaram uma entrada triunfal dos noivos. Ninguém ouviu os acordes de Mendelssohn. Ambos estavam conversando com todo mundo e, à hora determinada, sentaram-se ao redor de uma mesa onde ocorreria a cerimônia. Sem pompa. Sem circunstância. O celebrante fez uma reflexão linda sobre a vida a dois. Alguns casais amigos falaram das dificuldades que tinham enfrentado nos casamentos e como tinham superado. No fim do ano, os avós de Rodrigo celebrariam 60 anos de casados. Comentaram o que tinham mudado ao longo das décadas. Houve choro. Os casais presentes apertavam mais as mãos entrelaçadas. Os solteiros aumentavam a vontade para seus futuros matrimônios. Respirava-se otimismo sobre o triunfo do amor. Era um metacasamento a emergir naquele sítio. Todos concordaram: a cerimônia mais bonita que já tinham visto.
O momento ápice foi planejado assim. Um primo de Tânia, com apenas 12 anos, tocou na flauta uma música de Glück (A Dança dos Espíritos Bem-Aventurados). O autor alemão tinha imaginado como os seres dos Campos Elíseos viveriam em harmonia. A cena hipnotizou o grupo. Passaram a dançar como se também fossem almas abençoadas, e os ventos do Paraíso soprassem naquele fim de tarde.
Foi uma festa sem fotógrafos profissionais. Cada convidado faria as imagens. Alguém reuniria todas depois. Sem luzes fortes sobre as pessoas. Sem poses. Houve muitas selfies, necessário registrar, porém uma ou outra chegaram a ficar curiosas.
Fez parte da novidade da celebração que cada pessoa presente trouxesse aquilo que desejaria beber. Apesar disso, viu-se uma festa de comunhão. Enólogos tomaram cerveja trazida por outros. Alguns experimentaram um bom vinho; outros se decidiram pelas caipirinhas. Uma minoria tomou um pouco de cada. Com delicadeza, após goles fraternais, foram sendo colocados em redes, assim que chegavam ao estado de inconsciência.
Eu falei da playlist dos noivos? Sim, ela brilhou por uma hora. Depois disso, imperou a democracia absoluta. Uma senhora de 64 anos foi ao som e pediu Dancing Queen, do Abba. Era uma música da sua juventude. Aparentemente, mais gente tinha isso no inconsciente... Foi um sucesso extremo! Prosseguia o álcool; foi tocada Como Nossos Pais, na voz de Elis. Houve tempo para Roberto Carlos, Rihanna, Anitta e Beyoncé. Surpresa: um pedido de Jane e Herondy, para reproduzir a comunhão inicial que a música de Glück havia inaugurado. Cento e dezesseis pessoas sabiam a letra de Não se Vá, com uma exatidão notável. Estaria Jung correto – o inconsciente coletivo poderia ser acessado por elementos simbólicos em comum?
Enfim, ao amanhecer, com pessoas felizes, começava a se desfazer o melhor casamento que todos já tinham frequentado. Fora mais, porque se desejara menos. Brilhara, pela falta de máscaras e de fantasias. Em roupas simples, sem reboco no rosto, livres de saltos destruidores da coluna, abertos para todas as músicas, os convidados tinham aprendido a celebrar o amor. O sol nasceu feliz sobre os últimos convidados.
Não acho que esse casamento inventado seja possível. As máscaras são necessárias cada vez mais. Casamos com as redes sociais. E... se um dia casássemos com o amor? Que linda esperança!
* LEANDRO KARNAL É HISTORIADOR, ESCRITOR, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS E AUTOR DE ‘A CORAGEM DA ESPERANÇA’, ENTRE OUTROS
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