A turnê Chão, do cantor e compositor pernambucano Lenine, volta a São Paulo nesta segunda, dia 25, e terça, dia 26, no Theatro NET, com jeito de despedida. Após dois anos na estrada com um show - que, segundo o próprio, está sempre "burlando a repetição" -, Lenine prepara um novo disco, que deve ser lançado no ano que vem. Seria esse novo trabalho um capítulo diferente de seu álbum anterior, Chão, de 2011, em que ele abriu mão de bateria e percussão e investiu em sons orgânicos? O músico, que completou 30 anos de carreira em 2013, fala sobre esse e outros assuntos em entrevista ao Estado.
Nesses dois anos de turnê, houve espaço para readaptações, mudanças no show?
Tanto o disco quanto o show nos proporcionaram um caminho, e esse caminho é uma atmosfera que a gente cria. São três pessoas que tocam cordas, mas ora um está fazendo looping, ora um está programando, ora um tocando baixo. Tem essa multifuncionalidade. É muito mais livre, o que faz com que o tempo todo esteja mudando, tem essa maravilhosa sensação de estar burlando a repetição.
O que é bom, ainda mais para uma turnê que você gostaria que fosse longa, não?
Na verdade, sempre foi (essa ideia). A distância entre discos, para mim, é de 2 anos e meio, 3 anos. Faço disco para poder viajar, para poder ir a todos os cantos, e 2 anos é até pouco. Ainda mais agora. A gente está vivendo no Brasil essa mudança de pirâmide para um balão econômico, isso fez com que surgissem outros mercados.
E a que você atribui essa expansão no mercado?
Uma estabilidade econômica durante muitos anos e hoje tem essa coisa do veículo digital. As coisas estão sendo pulverizadas de uma outra maneira. A gente não está nem sabendo mensurar como isso se dá. No início, eu fiz a pergunta de quantas cidades têm mais de 80 mil pessoas. Porque, se tem 80 mil, tem no mínimo 500 para me ouvir (risos). Agora mesmo, acabei de chegar de uma turnê que abrangeu parte do Leste Europeu, fui aos EUA também, gosto dessa coisa de estar viajando e a música ser o fio condutor dessa viagem.
Mas, com o tempo, para alguns músicos, essa rotina de estrada passa a ser cansativa...
Sim, já passei por isso, mas tive a sorte de ter um prazer paralelo que são as orquídeas, a possibilidade de, nas viagens, expandir o conhecimento botânico, sacou? A música tem sido uma grande incentivadora dessa minha paixão, porque ela acaba me levando para os lugares mais inusitados. E as orquídeas têm essa peculiaridade, porque algumas plantas só ocorrem naquele quilômetro quadrado.
Mas houve um período que, para você, isso foi cansativo, ficar na estrada, longe da família?
Sim, entre final de 1990 e início de 2000. No ano de 2000, acho que, no total, fiquei 6 meses e meio fora do País, mas é muito tempo. Hoje, quando vou me ausentar de casa, em viagens, mais de 20 dias já fica difícil, não ter sua cama, seus travesseiros, sua companheira junto.
Nesses dois anos de 'Chão', fez mudanças no repertório do show?
O tempo todo a gente vai botando música, tirando música. Desde o ano passado, quando comemorei 30 anos de carreira, fiz diversos formatos de espetáculos, desde com a banda mesmo, que é bateria, baixo, guitarra, às vezes naipes; o formato do Chão, que é o trio; o formato sinfônico; tem os projetos paralelos. São varias coisas que acontecem meio que simultaneamente. Nos projetos de 30 anos, no ano passado, revi alguns momentos importantes da minha vida. Tenho essa coisa meio camaleônica de lidar de várias maneiras com várias formações diferentes. Isso é muito bacana, porque dá um frescor, tenho de trocar o chip o tempo todo.
E para os shows em São Paulo, alguma mudança?
Sim, até porque estou mergulhado fazendo um disco novo. Estou fazendo uma despedida de São Paulo, já estou começando a gravar e tinha prometido voltar em algumas capitais. A gente vai fazer passagem de som e muita coisa vai se definir nela. Até hoje, faço a passagem de som, eu adoro, faz parte do meu ritual. Vou antes, vejo a montagem, junto minha equipe, e isso é um processo, é sempre um estímulo para a gente. O show tem um esqueleto, o 'Chão' terminou sendo como se fosse uma coletânea de contos de determinado autor. De alguma maneira, o roteiro do show segue esses passos, é uma narrativa sonora.
E o trabalho novo é um capítulo diferente do Chão?
Qualquer coisa que eu diga para você pode não ser. Meus discos são assim: primeiro, penso numa atmosfera, nos pontos que são importantes, que tenho desejo de falar. Depois de muitos anos, são alguns estímulos que me dou, mas isso é só um estímulo. O processo todo termina levando para outro caminho. É sempre assim (risos). Não vejo canção por canção. Mas, mais importante que as canções, é um fio condutor para elas, e é nisso que eu fico em torno. Os temas, alguns eu já tenho. Mas, mais do que tudo, é uma roupagem, uma atmosfera, uma fotografia que eu faço. É um disco para lançar no ano que vem.
Pensando em mundo digital, hoje em dia, o artista pode lançar uma faixa aleatória e fazer ela circular. Como vê essa questão da unidade de um disco nesse contexto?
Sou um cara com uma certa idade, eu sempre vejo um produto e imagino que essa coisa do digital é uma maneira de pulverizar o que você faz, aí cabe sim. Mas ainda tenho uma paixão por disco. Tem aquele disco que quero ter, tem aquela obra que quero ter, e penso que disco é uma foto que você tem de determinado tempo. Eu me posiciono para fazer uma coisa fechada, uma obra, e essa obra tem materialidade.
Você gosta do disco físico ainda, de ter?
Gosto, eu já li 'A Guerra do Fim do Mundo', de Vargas Llosa umas 3 vezes, mas não me desfaço do livro, não. 'O Aleph', de Borges, já li umas 20 vezes, mas não me desfaço, não. Quero ter ali junto, para qualquer momento. Tenho isso por livros e discos, essa coisa de ter, não é tudo, mas tem algumas pontuais que gosto de ter. Tenho ipod também e todas as outras ferramentas que estão a reboque dele.
Você tocou 'Leão do Norte' durante um show, em homenagem a Eduardo Campos (candidato a presidente que morreu no dia 13 de agosto, num acidente de avião). Ele era seu amigo de anos?
Eduardo era um daqueles caras que se podia dizer que tinha muitos amigos. Ele tinha uma coisa aglutinadora, ele chamava para junto. Eu não era amigo profundo dele, a gente teve alguns encontros muito bacanas na casa dele, com a Renata. Eu conhecia a família. A gente se conheceu por meio da música. Acho que ironicamente ele ficou conhecido (com a tragédia) e isso mudou tudo. A eleição vai ser outra agora. Seria inconcebível alguém três anos antes dizendo que Eduardo ia ser candidato (à presidência) e o vice, a Marina. Eu votei na Marina, fui perdedor com ela (risos). Ironicamente, a grande questão do Eduardo era se fazer conhecido para o Brasil, porque, no Nordeste, ele já era um grande ícone. Essa tragédia acabou alavancando ele de tal maneira que mudou completamente a eleição brasileira.
E você continua votando na Marina?
Rapaz, lógico. Para mim, a surpresa foi da parte da Marina, porque, de uma maneira ou outra, ela sempre teve uma radicalidade maior e Eduardo, não. Então, acho que foi muito inteligente por parte de ambos (se unirem). E isso por causa de um outro fato, que foi a impossibilidade da Rede, então, é muito ironia na história. Vamos ver o que vem pela frente, mas, com certeza, é uma outra frente do que a gente via há um mês.
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