Adélia Prado: 3 poemas para conhecer a obra da vencedora do Prêmio Machado de Assis

Aos 88 anos, escritora mineira vence premiação tradicional da ABL, no valor de R$ 100 mil

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Foto do author Damy Coelho
Atualização:
Adélia Prado durante lançamento do livro ;A duração do dia', em 2016  Foto: Tiago Queiroz/AE

A escritora Adélia Prado venceu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra. A escolha foi feita na ultima quinta, 20, pelos imortais da Instituição. Ela ganha R$ 100 mil pelo prêmio, e a cerimônia acontece no dia 19 de julho, data de aniversário da ABL.

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O Prêmio, que leva o nome do fundador da Academia Brasileira de Letras, existe desde 1941 e já consagrou autores ilustres como João Guimarães Rosa, Mário Quintana, Dalton Trevisan, Érico Veríssimo e Cecília Meirelles.

Aos 88 anos, Adélia Prado é um dos principais nomes vivos da literatura brasileira. Seus versos, que misturam lirismo cotidiano, influência religiosa e vivência feminina, foram descobertos por Carlos Drummond de Andrade nos anos 1970. O escritor teve acesso ao manuscrito de Bagagem, primeiro livro de Adélia Prado, e incentivou a publicação da obra pela editora Imago, em 1976.

O poema que abre o livro é também o que consagrou sua carreira: Com Licença Poética. Por meio da intertextualidade com a poesia drummondiana, a autora versa sobre as angústias de tornar-se mulher.

A seguir, confira 3 poemas essenciais da obra de Adélia Prado:

Com licença poética 

Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher,

esta espécie ainda envergonhada.

Aceito os subterfúgios que me cabem,

sem precisar mentir.

Não sou feia que não possa casar,

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo reinos

— dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade de alegria,

sua raiz vai ao meu mil avô.

Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.

Bagagem, 1976

Legado: No trabalho em verso e prosa, inspirado pela dualidade sagrado/profano, a escritora reflete as experiências cotidianas de sua cidade natal no interior de Minas Gerais. Sua obra inclui livros de poesia, crônicas, romances — entre eles, Quero minha mãe (2005) — e um livro infantil, Quando eu era pequena (2006). O coração disparado, publicado em 1978, recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia. Foto: Wilton Junior/AE


Momento

Enquanto eu fiquei alegre, permaneceram

um bule azul com um descascado no bico,

uma garrafa de pimenta pelo meio,

um latido e um céu limpidíssimo

com recém-feitas estrelas.

Resistiram nos seus lugares, em seus ofícios,

constituindo o mundo pra mim, anteparo

para o que foi um acometimento:

súbito é bom ter um corpo pra rir

e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo

alegre do que triste. Melhor é ser.

Bagagem, 1976

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Laetitia Cordis

Sossegai um minuto para ver o milagre:

está nublado o tempo, de manhã

um pouco de frio e bruma.

Meu coração, amarelo como um pequi,

bate desta maneira:

Jonathan, Jonathan, Jonathan.

À minha volta dizem:

‘Apesar da névoa, parece que um sol ameaça.’

Penso em Giordano Bruno

e em que amante incrível ele seria.

Quero dançar

e ver um filme eslavo, sem legenda,

adivinhando a hora em que o som estrangeiro

está dizendo eu te amo.

Como o homem é belo,

como Deus é bonito.

Jonathan sou eu apoiada em minha bicicleta,

posando para um retrato.

Quando ficam maduros

os pequis racham e caem,

formam ninhos no chão de pura gema.

Meu coração quer saltar,

bater do lado de fora,

como o coração de Jesus.

Os poemas podem ser encontrados no livro Poesia Reunida, da editora Record.

A Faca no Peito, 1988


Adélia Prado: Poesia Reunida Foto: Divulgação / Editora

Poesia reunida. Editora Record, R$159,90.


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