Aigo: Nova livraria no Bom Retiro terá literatura coreana e de outras comunidades imigrantes de SP

Conheça a Aigo Livros, projeto de três jovens mulheres que cresceram no bairro e voltam agora no boom da cultura coreana para dar voz a escritores de diferentes origens

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues

Agatha Kim, 38, Yara Hwang, 37, e Paulina Cho, 32, são três jovens de origem coreana que cresceram no Bom Retiro nos anos 1980 e 1990, foram embora do bairro e voltam agora para ressignificar essa origem, realizar um sonho e empreender. No final do mês, elas inauguram a Aigo Livros.

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O local escolhido para a nova livraria de rua de São Paulo foi o Centro Comercial do Bom Retiro, um projeto arquitetônico da década de 1960, do imigrante polonês Lucjan Korngold, que ocupa uma área de 7 mil m2 e conta com blocos de prédios e uma ampla galeria ao ar livre com três entradas - uma pela rua Ribeiro de Lima e outras duas pela José Paulino.

Ali, estão lojas de roupas, salões de beleza, uma loja de produtos personalizados ligados ao universo do k-pop e dos doramas, um brechó descolado e um restaurante da moda: o Prato Grego.

A inauguração só será no dia 27 de julho, mas a organização está a pleno vapor. A reportagem visitou o local na manhã desta quarta-feira, 5, quando duas das sócias, Agatha, publicitária, e Yara, formada em administração pública, estavam no local organizando e recebendo livros. Paulina, advogada que atua na área de ESG, estava na China; foi buscar o diploma do mestrado que ela fez em Relações Globais.

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Agatha (E.) e Yara, na Aigo Livros; nova livraria do Bom Retiro será focada em literatura do país de origem dos imigrantes do bairro Foto: Werther Santana/Estadão

A movimentação está despertando a curiosidade de quem trabalha ou transita por ali. Um senhor coloca a cabeça para dentro da loja, fala em coreano, sorri. Agatha traduz, diz que ele queria saber se lá vai ser uma biblioteca, se ele vai poder pegar livro emprestado. Uma senhora de origem judaica entra com sua netinha. Pergunta que tipo de livros vão vender.

Como será a Aigo Livros

O foco da livraria será nas comunidades imigrantes do bairro do Bom Retiro (bolivianos, chineses, coreanos, equatorianos, pessoas do leste europeus, paraguaios, peruanos, sírios), expandindo um pouco para outros povos que não se estabeleceram ali exatamente, mas que ajudaram, e ainda ajudam, a formar São Paulo. Um pouco para incluir todos, mas, também, porque algumas comunidades, como a de bolivianos, por exemplo, são pouco representadas na literatura.

A escolha do acervo está sendo feita, então, com base na produção de autores dessas nacionalidades e origens, seja de ficção, não ficção, literatura infantil ou gastronomia, e partindo também da temática da imigração dessas comunidades, com livros que abordam temas importantes para entender melhor os diferentes movimentos migratórios.

Haverá alguns títulos de autores brasileiros também - em especial aqueles que dialogam com questões de origem, como Milton Hatoum. E uma seção para livros que fogem à proposta das sócias, mas que certamente serão buscados, como os best-sellers nacionais Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, e Tudo é Rio, de Carla Madeira.

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Ah, claro, e vai ter livros sobre o BTS e sobre k-pop. A expectativa, porém, é de fisgar os fãs da música coreana e apresentar outros títulos, como Amêndoas, uma ficção para jovens adultos, escrita por Sohn Won-pyung e... recomendada pelo BTS.

Pequena e independente

A Aigo não será uma grande livraria, mas será a única de uma região que tem atraído muitos paulistanos interessados especialmente na cultura pop coreana (mas também nas comidas judaica e grega). São 60 m2, divididos em dois andares, com duas amplas vitrines que dão para a rua. O piso de madeira do mezanino foi redescoberto embaixo de plástico e cerâmica, e restaurado. O forro, original, também foi restaurado, e as colunas, também da construção, foram valorizadas. As prateleiras são todas de madeira.

No segundo andar da Aigo, vão ficar os livros infantis e juvenis e as obras de gastronomia Foto: Werther Santana/Estadão

Os livros não estarão agrupados por gênero, como nas livrarias tradicionais. Tudo começa com obras de ‘origem’, passa pelos ‘deslocados’, haverá uma seção chamada travessia para livros de viagem. No andar de cima ficarão os livros infantis e juvenis e os de gastronomia, e algumas almofadas espalhadas para que as pessoas possam passar um tempo ali lendo.

Eventualmente, eles poderão ser organizados por temas, em “categorias pocket”, aproveitando alguma tendência ou discussão do momento.

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A ideia era inaugurar com alguns livros em suas línguas originais, mas os altos custos de um livro importado são um entrave agora e podem encalhar.

Sem experiência e com coragem

Nenhuma das sócias tem experiência com o mercado editorial. São leitoras, empreendedoras. Agatha e Yara se conheceram na infância, frequentaram a mesma igreja, se perderam de vista e se reencontraram algumas vezes. Paulina tinha quatro anos quando começou a fazer aula de dança com a mãe de Yara. Adultas, elas se uniram neste novo projeto. As duas primeiras estão se dedicando integralmente a ele, que deve ganhar desdobramentos.

“Estamos num momento de repensar nossa vida. Viemos de família de imigrantes, de pessoas que se arriscaram muito, que se jogaram e deram a cara a bater. Eu trabalhei 20 anos com carteira assinada em agência de publicidade, a vida até que era fácil, e então você pensa: minha avó, minha mãe chegaram aqui com um endereço escrito num pedaço de papel, sem falar a língua, e fizeram uma vida aqui. Como é que não podemos ir atrás do nosso sonho, daquilo que queremos construir?”, questiona Agatha.

Elas reconhecem o privilégio que têm como segunda geração de asiáticos no Brasil, mas ainda assim comemoram o feito de, sendo mulheres, e jovens, terem conseguido abrir um negócio com recursos próprios.

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“A expectativa de retorno é de dois anos, mas entendemos que o projeto de uma livraria é de longo prazo. Temos a questão do retorno financeiro em mente, mas queremos que a livraria seja um pontapé inicial para muitos projetos que queremos fazer”, comenta Yara.

O trio contou com uma assessoria especializada no processo de idealização e construção da livraria. E está encontrando apoio sobretudo de pequenas e médias editoras, embora livros das maiores casas editoriais já sejam vistos nas prateleiras.

Quando pensam no futuro cliente da Aigo, elas dizem que em primeiro lugar vêm à mente suas mães e avós. “Esse processo de buscarmos livros sobre a nossa ancestralidade veio da nossa tentativa de entender a relação com elas”, comenta Yara. Para a nova livreira, os livros possibilitam acessar assuntos e conversar de uma maneira mais ampla sobre histórias passadas.

A Aigo fica no Centro Comercial do Bom Retiro, com três entradas diferentes Foto: Werther Santana/Estadão

Ao buscar suas próprias identidades e se reconciliar com o lugar de onde guardam, sim, lembranças felizes, mas também traumas, já que cresceram em uma comunidade que “coloca as mulheres em uma caixa”, que espera que todas se casem e tenham filhos em determinada fase da vida, as sócias imaginam que a Aigo possa ser um lugar de diálogo. “Queremos juntar diferentes gerações e quebrar um pouco desses traumas. Um grande sonho é, em algum momento, conseguir fazer um grupo de leitura com avós, mães e filhas”, explica Yara.

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O pessoal do bairro seria um segundo público-alvo. “Mas, no fim, a livraria é para qualquer pessoa. O Brasil tem tantos imigrantes, e a imigração tem crescido muito, bem como a xenofobia e o racismo. Não podemos nos fechar para o outro, e acho que esta livraria pode ajudar nisso”, finaliza Agatha.

O significado de aigo

“Aigo” é uma expressão meio intraduzível de surpresa, susto ou frustração. Algo como “eita”.

Aigo Livros

  • Endereço: Rua Ribeiro de Lima, 453 - loja 73 - Bom Retiro
  • Funcionamento: 2ª a 6ª, 10h/18h; sábado, 9h/15h
  • Inauguração: 27/7
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