Análise: Antonio Candido e os caminhos de um grande homem das letras e da justiça

Ele nunca fugiu à militância política, começando já ao tempo da ditadura Vargas

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Por Walnice Nogueira Galvão

Antonio Candido estreou como crítico literário na legendária revista Clima, em 1941, aos 23 anos, quando era aluno da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (USP). Ele e seus colegas de revista definiram as vocações a partir daí, tornando-se vozes influentes no panorama cultural do País. Também se tornariam amigos de vida inteira: basta mencionar os nomes de Paulo Emílio Salles Gomes no cinema, Décio de Almeida Prado no teatro, Lourival Gomes Machado nas artes visuais, Ruy Coelho na antropologia, Gilda de Moraes Rocha, com quem viria a se casar, na estética.

Depois, Antonio Candido assinaria um rodapé semanal na Folha da Manhã, a que se seguiram outros periódicos. Paralelamente, desenvolveria sua carreira de professor e de autor de alguns dos livros fundamentais para se conhecer o Brasil e sua literatura. Entre eles, e em primeiro lugar, Formação da Literatura Brasileira, de 1959. É nesse livro que Antonio Candido desenvolve o argumento de que tal formação pode ser vista como se fosse comandada pelo desejo dos brasileiros de construir uma literatura que expressasse o País. Ao mesmo tempo, essa literatura deveria marcar a sua diferença em relação à matriz: o que se faria mediante adaptação de modelos. O argumento será depois estendido por outros estudiosos a diferentes ramos da cultura.

Antonio Candido Foto: Wilton Junior/Estadão

Dentre seus livros sobressaem ainda Brigada Ligeira, O Observador Literário, Literatura e Sociedade, Vários Escritos, Teresina Etc., A Educação pela Noite, Na Sala de Aula, O Discurso e a Cidade, Recortes. Difícil é escolher entre eles, tal o alcance do pensamento e a finura da erudição. Uma de suas grandes conquistas é a clareza da escrita, isenta de posições dogmáticas e de jargão profissional. A esses seria acrescentado um clássico, Os Parceiros do Rio Bonito, seu doutoramento em sociologia, um estudo sobre o modo de vida caipira.

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Mas, afora tudo isso, ainda há sua folha de serviços prestados, que é interminável. Foi presidente da Cinemateca Brasileira em mais de um mandato (1962 e 1977). Foi autor do planejamento do celebrado Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, em 1956. Coordenou o Instituto de Estudos da Linguagem, na Unicamp, no período 1976-1978. E isso, afora diversos outros cargos, conselhos de fundações e participação em comissões, desde a do 4.º Centenário de São Paulo em 1954. 

Nunca fugiu à militância política, começando já ao tempo da ditadura Vargas, quando era ainda estudante, quando fez parte de grupos de resistência. 

Ao término da ditadura em 1945, integrou a Esquerda Democrática, parte da qual dois anos depois se tornaria o Partido Socialista Brasileiro. Neste, militou por longos anos, ocupando duas vezes cargos na direção, bem como no jornal Folha Socialista. Foi até candidato a deputado estadual em 1950, um sacrifício para preenchimento da cota de cargos legislativos que, aliás, acataram vários de seus companheiros intelectuais.

Com o advento da nova ditadura, instaurada pelo golpe de 1964, Antonio Candido não mais cessaria de participar de inúmeras atividades. Dentre elas ressaltam seu desempenho na Comissão Paritária Central, de que foi membro eleito na Maria Antonia ocupada pelos estudantes, e em várias outras ações que assinalaram o ano de 1968. Colaborou com o jornal Opinião e foi um dos diretores da revista Argumento (1973-1974), proibida pelo regime militar no quarto número. Continuou militando nas oposições, inclusive na luta pela anistia, pela reintegração dos cassados e pela redemocratização. Por essa época, ajudou a criar a Associação dos Docentes da USP, de que foi o primeiro vice-presidente, bem a tempo para atuar na grande greve do ensino em 1979.   Foi a essa altura, também, que Antonio Candido se tornou membro da Comissão de Justiça e Paz, criada por d. Paulo Evaristo Arns. Foi signatário da Carta aos Brasileiros, redigida por Goffredo Telles Jr., e membro da comissão que a apresentou ao público, em 1977, na Faculdade de Direito. Finalmente, foi em 1980 um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, no qual passou a ser presidente do conselho editorial de sua Fundação Perseu Abramo. Essas foram algumas das causas a que Antonio Candido emprestou seus talentos e sua alta compreensão da solidariedade.

* WALNICE NOGUEIRA GALVÃO É PROFESSORA EMÉRITA DA FFLCH-USP

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