As lições de Graciliano Ramos, que já foi prefeito, para os prefeitos e políticos

Autor de ‘Vidas Secas’ administrou Palmeira dos Índios, no interior do Alagoas, entre 1927 e 1930, escreveu sobre gestão pública e abordou ‘os atributos que todo político que se preze deveria ter’

Foto do author Gabriela Caputo

Nascido em 27 de outubro de 1892, em Quebrangulo, Alagoas, Graciliano Ramos entrou para o hall das grandes personalidades brasileiras por suas contribuições literárias – a exemplo do clássico romance de denúncia Vidas Secas (1938) – mas não somente. Antes, o escritor havia deixado sua marca na política, em passagem curta, mas categórica: ele foi prefeito de Palmeira dos Índios, no interior do Alagoas, entre 1927 e 1930.

Durante trajetória, escreveu sobre gestão pública, e os textos já anunciavam sua perspicácia com a linguagem. Relatos de sua administração estão eternizados no livro O Prefeito Escritor, publicado pela editora Record neste ano.

O escritor Graciliano Ramos, que foi prefeito no fim dos anos 1920 Foto: IEB/USP

O volume reúne os dois relatórios anuais que fez ao governador do estado, que revelam “atributos que todo político que se preze deveria ter: a seriedade com suas responsabilidades advindas do cargo, o caráter íntegro e honrado, a sede por combater maus hábitos que assolam nossa política”. A edição conta ainda com um prefácio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Trechos de ‘O Prefeito Escritor’, com lições de Graciliano Ramos

Luta contra a desigualdade

“Cada um dos membros desta respeitável classe [os mais ricos] acha que os impostos devem ser pagos pelos outros. [...] Fiz apenas isto: extingui favores largamente concedidos a pessoas que não precisavam deles e pus termo às extorsões que afligiam os matutos de pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbrugados pelos exatores.”

Apoio aos pequenos produtores

“Dos administradores que me precederam uns dedicaram-se a obras urbanas; outros, inimigos de inovações, não se dedicaram a nada. Nenhum, creio eu, chegou a trabalhar nos subúrbios. Encontrei em decadência regiões outrora prósperas; terras aráveis entregues a animais, que nelas viviam quase em estado selvagem. [...] Favoreci a agricultura livrando-a dos bichos criados à toa; ataquei as patifarias dos pequeninos senhores feudais, exploradores da canalha; suprimi, nas questões rurais, a presença de certos intermediários, que estragavam tudo; facilitei o transporte; estimulei as relações entre o produtor e o consumidor.”

Avesso a favores políticos

“Nada tenho despendido com estradas, obras públicas e instrução, porque tenciono empregar nelas o que sobrar dos gastos ordinários e quero evitar serviços que, por falta de numerário, possam vir a ser interrompidos. Suprimi despesas e descontentei bons amigos e compadres que me fizeram pedidos.”

Obra de Graciliano Ramos entrou em domínio público em 2024 e novas edições de livros dele, além de livros sobre ele, chegaram às livrarias brasileiras Foto: Acervo Graciliano Ramos/Divulgação

Bom humor

“Encontrei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela — dentro, uma resistência mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua, carregada de bílis. Pensavam uns que tudo ia bem nas mãos de Nosso Senhor, que administra melhor do que todos nós; outros me davam três meses para levar um tiro.”

Publicidade

Objetividade e responsabilidade

“Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis. Evitei emaranhar-me em teias de aranha. Certos indivíduos, não sei por que, imaginam que devem ser consultados; outros se julgam com autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem impostos. Não me entendi com esses.”

Limpeza pública

“Cuidei bastante da limpeza pública. As ruas estão varridas; retirei da cidade o lixo acumulado pelas gerações que por aqui passaram; incinerei monturos imensos, que a Prefeitura não tinha suficientes recursos para remover.”

Priorizar

“Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamam.”

Errar, tentando acertar

“Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram erros da inteligência, que é fraca. Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome. Não me fizeram falta. Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade.”

Capa do livro O Prefeito Escritor: Dois Retratos de uma Administração, de Graciliano Ramos, lançado no ano que que a obra do autor entrou em domínio público Foto: Reprodução/Editora Record

O Prefeito Escritor: Dois Retratos de uma Administração

Autor: Graciliano Ramos

Editora: Record (112 págs.; R$ 59,90; R$ 39,90 o e-book)

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.