Em 2017, ao aceitar assinar uma coluna digital no portal da revista Vogue, a atriz e roteirista Suzana Pires dava, sem saber, os primeiros passos para o que viria a ser o Dona de Si, que, de título da coluna sobre empreendedorismo feminino, se transformou em uma grife licenciada em bolsas, maiôs e desfiles da São Paulo Fashion Week, mas, o mais importante, num instituto que tem como principal objetivo a aceleração de empresas idealizadas e geridas por mulheres. O método rendeu frutos à artista que, com mais de 200 bolsistas de seu curso digital, e mil empreendedoras aceleradas diretamente, chega agora ao mercado literário com a edição de Dona de Si, livro no qual Pires costura histórias de sua trajetória artística com ideias e métodos de empreendedorismo para o público feminino.
“O livro como objetivo e alimento para a alma é o que há de mais importante na minha vida”, conceitua. “Por mais que o livro seja sobre o método de aceleração de talentos que usamos no instituto, ele traz uma narrativa de casos próprios e histórias profissionais que vivenciei, e cabem bem para amarrar o método, sem que seja um livro técnico. Eu não conto histórias de como sou maravilhosa, mas do tanto que uma empreendedora precisa se conhecer e ser muito humana para realizar e fazer acontecer seus sonhos.” Entre as histórias, Pires dá um panorama de sua trajetória como roteirista e atriz e do quanto foi desacreditada ao longo de sua carreira na TV e no cinema. “Durante muitos anos, precisei provar três vezes mais meu valor como autora dentro do mercado por ser mulher e ser atriz. Mas depois de tantos trabalhos entregues, liderança de projetos criativos imensos e anos de carreira, quando vejo o preconceito, não deixo barato, eu aponto a existência dele e saio daquele espaço”, garante.
“Certa vez, após comandar um grande sucesso, chamaram a minha atenção por ser ‘uma pessoa muito alegre’. Tem de rir muito de uma coisa dessas. A minha alegria acelera a minha criatividade e dela eu não posso abrir mão. Hoje, tenho a liberdade de criar com as equipes que seleciono e treino na minha produtora, com autoras do Brasil inteiro. São diversas visões de um mesmo assunto, e assim produzimos um material riquíssimo.” Lançado em 8 de março, o livro chegou às prateleiras numa data significativa. Celebrada como o Dia Internacional da Mulher, a data vem encontrando uma série de desconstruções em fóruns de discussão online. A empresária acredita que seja uma data a ser, de fato, ressignificada.
“Não significa mais ganhar batom ou flores, mas respeito. Respeito pela sua existência é só o que uma mulher quer! Mas, no Brasil, nem isso ainda temos. Os números não mentem: quinto país do mundo em feminicídio, diferenças salariais, poucos cargos de liderança, homens de poder que consideram nosso espaço profissional como um favor, e uma violência aterradora em objetificar nossos corpos. Nossa luta vem tendo a visibilidade que cada uma de nós, com seus movimentos de mudança, consegue fazer.” “Hoje, o Brasil tem inúmeras instituições de apoio à mulher construídas por outras mulheres e é essa a visibilidade em que acredito. Nenhum homem branco, hétero, cis, com dinheiro no bolso e misoginia na cabeça vai nos dar espaço de liderança. A construção desse espaço é nossa”, diz.
E continua: “Adoraria celebrar avanços, mas, infelizmente, isso não é possível. O que eu celebro é a resiliência feminina. A pandemia nos fez ser as mais demitidas e as que mais quebraram pequenos negócios, e isso só tem uma razão: a cultura misógina. Quando somos as mais demitidas, o mercado está nos dando o recado de que nós podemos ficar de fora do jogo quando o bicho pega. E isso é escolha misógina cultural”. Com noites de autógrafos lotadas tanto no Rio quanto em São Paulo, Suzana Pires tem como foco o público feminino, mas não apenas. A artista acredita que a batalha por uma melhor colocação da mulher no mercado de trabalho em todos os aspectos parta também do universo masculino. Contudo, a empresária abre mão de um único tipo de leitor. “Os hipócritas. Meu texto não nasce para ser compartilhado por cabeças hipócritas”, finaliza.
SERVIÇO
DONA DE SI: O MANUAL QUE FAZ A MULHER ACONTECER
AUTORA: SUZANA PIRES
DVS EDITORA 192 PÁGINAS
R$ 59
TRECHO DO LIVRO
"Eu não fui uma criança quietinha e concentrada, então coube aos meus pais enxergarem qualidades que “faltavam” em mim e investirem para que eu conquistasse pelo menos um pouco delas. Para que eu tivesse disciplina, eles me colocaram na ginástica rítmica, por ser um esporte competitivo. Para que eu pudesse enxergar o mundo como um território sem fronteiras, fui aprender línguas e, para entender e vivenciar as diferenças, estudei em escola pública, onde construí amizades com colegas de diversas etnias, credos, e diferentes níveis de poder aquisitivo. Era o Colégio Pedro II, onde estudam desde filhos de presidentes de empresas até alunos que precisam de doação do uniforme escolar. Ao terminar de escrever a peça, não pensei duas vezes: peguei um dinheiro que eu tinha na poupança – sabe aquela grana que dá para viajar nas férias com as amigas para uma praia divertida? – e investi numa primeira montagem do texto. Eram R$ 3 mil. Valor irrisório para uma peça profissional, mas a montei assim mesmo: a produção era eu, uma cadeira e umas roupas; não tinha direção nem equipe, era tudo da minha cabeça. Fui fazendo apresentações nas escolas de teatro onde eu dava aula e, em dois meses, já estava no zero a zero com o investimento."
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