Jonathan Franzen, 56, “o grande romancista americano” para a Forbes e para uma legião de fãs, e um escritor supervalorizado para tantos outros leitores, está lançando no País seu quinto romance, Pureza. O título remete ao nome da protagonista, uma garota de 20 e poucos anos, quebrada e determinada a descobrir qualquer coisa sobre o pai cujo nome ela desconhece. Mas diz respeito, também, às noções muito rígidas de pureza que vemos em diferentes lugares – do Vale do Silício ao centro do Estado Islâmico, conta o autor ao Estado nesta entrevista por telefone.
São histórias que se cruzam nos Estados Unidos, Alemanha e Bolívia, no passado e no presente. Com personagens tão diferentes quanto uma mulher aparentemente simples, como Anabel, e Andreas Wolf, uma espécie de Julian Assange carismático. E que tocam em assuntos contemporâneos, como vigilância e segurança nacional, submissão às regras, privacidade na internet, abuso sexual e pedofilia, movimento Occupy, Julian Assange e Edward Snowden, injustiça social, “segredos tóxicos”. Mas era uma história de amor que Jonathan Franzen quis escrever – a história do casamento dos pais de Pureza, ou Pip.
O livro aborda muitas questões. O que você quis explorar inicialmente?
Eu quis escrever sobre o casamento de Tom e Anabel, dois jovens idealistas, e sobre como tudo pode dar errado. E também sobre a Alemanha. Além disso, como o título diz, eu estava interessado na noção que as pessoas têm de pureza quando elas estão amedrontadas, quando as coisas ficam complicadas. Em 2013, quando pensava no livro, eu acompanhava o Estado Islâmico, o Partido Republicano e o Vale do Silício. Em todos os lugares as pessoas estavam, e estão, obcecadas com noções muito rígidas de pureza. Eu quis explorar isso. E quando eu percebi que havia segredos no livro, toda a ansiedade e as sensações eram sobre nossos próprios segredos. Sobre o que é identidade numa era em que tudo está sendo gravado e compartilhado. É o que Andreas fala sobre essa sensação de ter sua identidade retirada de seu corpo e colocada na internet. Isso tudo está no ar e deixa as pessoas ansiosas. Um dos meus trabalhos como escritor é estar atento ao que causa essa ansiedade.
Parte do romance é situada na Alemanha Oriental, e depois lemos sobre internet e espionagem. Como conectar esses dois tempos de vigilância? Eu não queria apresentar nenhum argumento político ou convencer ninguém sobre nada, mas criar uma narrativa significativa. E uma narrativa assim tem a ver com personagens fortes. Eu me diverti mais criando o Andreas que os demais porque ele é muito extremo, e eu nunca tinha feito um assim. Já escrevi quatro longos romances e a única forma de ir adiante é criando mais situações extremas, mais radicalismo psicológico e emocional. E Andreas Wolf faz a conexão da pergunta. Quando comecei a imaginar como ele via o mundo, pensei nele comparando sua vida agora – estando no centro da internet – com o que era quando jovem na Alemanha, no centro de um regime que vigiava e oprimia. Passar um tempo na Alemanha e conhecer pessoas que cresceram ali me ajudou a escrever esse livro. O que eu imaginava sobre 1984 não batia com o que meus amigos contavam. Não era como se andassem pelas ruas aterrorizadas como imaginávamos, e como algumas pessoas ainda imaginam. Para mim, a falta de privacidade que aceitamos ao nos relacionarmos com o Google e Facebook, porque é conveniente, não é muito diferente da experiência na Alemanha Oriental. A vida como ela é. Não havia como escapar do socialismo, como não dá como escapar da internet.
Andreas diz que devemos nos preocupar mais com o Google que com o Governo. Fico intrigado com todas as pessoas que se indignaram com a coleta de dados pela Agência Nacional de Segurança. Não é bom ter um poder desses concentrado nas mãos de um Governo que vigia, mas o que eu queria perguntar era: ‘Vocês não se lembram do que as grandes corporações fazem?’ O que estamos testemunhando é uma batalha pelo controle. Uma batalha entre o Vale do Silício e o Governo americano. Que vão todos para o inferno. Não gosto de nenhum deles. Não sei dizer quem é pior, mas me preocupa mais o que o Google pode fazer contra mim.
Ainda sobre Andreas, ele defende a verdade acima de tudo e esconde um segredo. Podemos ver isso como uma contradição ou apenas como a vida é. Um exemplo. Olhamos aqueles pastores evangélicos, imaginamos que eles têm esqueletos no armário, e eles ali nos dizendo como devemos viver nossa vida. Eis que ficamos sabendo de suas amantes. Isso não é uma contradição. É a pessoa que conhece o pecado que se tornará um bom pastor. E é a pessoa que conhece o poder do segredo que se tornará uma boa reveladora desse segredo. Não é contradição, mas é uma ironia.
Por que envolver Assange e Snowden na história? Para mostrar que Andreas não é Assange. Mas eles não são interessantes. A pergunta que me interessa é: ‘O que faz de um livro um bom romance?’
E qual é a resposta? É aquele em que o autor está vivo em cada página. E tenho uma teoria sobre o que mantém a escrita viva. Acontece quando o escritor está pessoalmente envolvido, quando ela não é apenas um exercício ou um distração. Quando algo vital ao escritor está sendo trabalhado no livro. Isso somado a talento fazem páginas vivas.
Do que não gosta na literatura? Eu ficaria mais feliz se eu pudesse escrever algo vivo sempre. Mas ninguém tem tanta vida em si. Só lhe é dado um certo número de anos, espalhados por sua vida, quando há algo realmente importante com o que você tenha que lidar escrevendo. Então há esses intervalos, quando você não escreve nada. E é horrível. Fico achando que não tenho nenhum propósito de vida, que nunca mais vou escrever. Mas não escrever é uma parte muito grande do processo de escrita.
Você é um crítico da internet e das redes sociais. Não participar nos deixa mais protegidos? Dou entrevistas, jornalistas vêm à minha casa. Eu me exponho mais do que fazem nas redes sociais porque mostro o que me deixa envergonhado. Digo verdades terríveis sobre mim, sobretudo na minha não ficção. Mas fico muito feliz de não perder tempo vendo fotos de bebês ou lendo tweets estúpidos. Prefiro ver televisão, jogar tênis, observar passarinhos.
Vivemos tempos estranhos. A conjuntura política brasileira mudou radicalmente em pouco tempo e, nos EUA, a popularidade de Donald Trump só cresce. As redes sociais foram usadas para fortalecer essas ideias e espalhar o ódio. Mas ao mesmo tempo podem ser um antídoto, uma resposta a arbitrariedades. Acha que pode ter algo de bom ali? É como diz a epígrafe de Fausto do meu romance. Não está claro o que é bom e o que é ruim. Estou acompanhando a situação brasileira, mas, analisando a questão das eleições americanas, acredito que a popularidade de Bernie e de Donald Trump, a forma com que suas campanhas incendiaram, mostra que os partidos não estavam prestando atenção ao que as pessoas queriam. E as redes sociais fizeram um excelente trabalho expondo o que era importante para elas. Isso é bom. Mas é seguido por coisas ruins. Há radicalismo e irresponsabilidade.
Quando veio à Flip em 2012, disse que já tinha lido Bernardo Carvalho, Milton Hatoum e Chico Buarque e pediu dicas de escritoras. Leu alguma autora? Fiquei constrangido de citar só homens. Mas ainda não encontrei o livro que estou procurando. Admiro Clarice Lispector, por exemplo, mas não tenho vontade de sentar e ler seus livros. Gosto mais de realismo. Deem-me mais Elena Ferrante que Clarice.
PUREZA Autor: Jonathan Franzen Tradução: Jorio Dauster Editora: Companhia das Letras (616 págs.; R$ 69,90)
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