Biógrafo ilumina as ‘trevas’ de Edgar Allan Poe: amor por prima de 13 anos, vícios e morte suspeita

‘Mestre do Terror’, morto há 175 anos, ganha nova biografia; autor de ‘O Mistério dos Mistérios’ fala ao ‘Estadão’: ‘Se você o leu, sabe que nada fica enterrado em suas histórias. Ele também não ficou enterrado e teve a melhor vida após a morte que qualquer escritor já teve’

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Poucas tarefas podem ser mais desafiadoras do que investigar a vida de um dos mais influentes escritores da história, cuja morte completou 175 anos em 7 de outubro. Não só pelas dificuldades em encontrar documentos apropriados do século 19, fontes confiáveis ou acrescentar algo novo ao tema, mas porque a breve – e intensa – trajetória de Edgar Allan Poe foi cercada de mitos em torno de sua genialidade.

Nascido em Boston (EUA) em 1809, Poe foi considerado o ‘Mestre do Macabro’, pioneiro no gênero de ficção de terror e reconhecido pelos poemas e contos que exploravam os cantos mais sombrios da psique humana. Dono de uma capacidade única para reter a atenção do leitor diante de tramas complexas e atemporais, ele se destacou com O Corvo, A Queda da Casa Usher e Os Assassinatos da Rua Morgue, entre outras obras.

Edgar Allan Poe lutou contra o alcoolismo e acumula cerca de 27 teorias sobre sua morte Foto: Divulgação/Editora Cultrix

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Isso, porém, não intimidou o autor nova-iorquino Mark Dawidziak, incumbido de biografar o emblemático homem de cabelos negros e semblante melancólico, sob o prisma de sua ‘abstrusa’ (pegando emprestado o termo que abre o conto O Gato Preto) morte aos 40 anos de idade, no livro Mistério dos Mistérios (Cultrix), já disponível no Brasil. Seu método investigativo se baseou em entrevistas com estudiosos e biógrafos, patologistas forenses, antropólogos forenses, historiadores médicos e um agente do FBI.

“A editora queria um livro que resolvesse definitivamente o mistério da morte dele. E eu disse que esse livro não poderia ser escrito. Primeiro, porque os médicos não sabiam como fazer autópsias naquela época. E não há testemunhas confiáveis, todas se contradiziam. Além disso, queremos que esse mistério seja resolvido? Porque, por mais tentador que seja, acredito que existem alguns mistérios que não são para ser resolvidos. Acho que em algum lugar Poe está provavelmente dando uma boa risada enquanto todos nós tentamos descobrir isso”, diz Dawidziak, que também é sumidade em assuntos relacionados a Mark Twain, outro nome célebre da literatura americana – além de ser xará, ele ostenta um felpudo bigode branco idêntico ao do romancista de As Aventuras de Huckleberry Finn.

Mark Dawidziak, autor da nova biografia 'Mistério dos Mistérios', sobre Edgar Allan Poe Foto: Divulgação/Editora Cultrix

O Enterro Prematuro

A morte misteriosa de Poe levantou cerca de 27 teorias sobre o ocorrido, que vão desde o suicídio ao assassinato. O que se sabe é que o escritor foi encontrado em estado de delírio nas ruas de Baltimore e levado ao hospital, onde morreu dias depois. Em muitas das descrições de suas horas finais ele está chamando alguém de nome Reynolds (figura procurada por historiadores ao longo de décadas, mas sem sucesso). Suas últimas palavras teriam sido ‘Senhor, ajudai minha pobre alma!’. Dawidziak evita bater o martelo, mas indica que a causa mais provável do óbito teria sido meningite tuberculosa, doença que ataca o sistema nervoso central.

A tuberculose assombrou o poeta gótico por toda a vida. Sua mãe fora vítima fatal da infeção quando ele tinha quatro anos e sua esposa também foi derrotada pela enfermidade aos 24 anos, deixando-o viúvo. “As chances de Poe ter sido infectado com tuberculose são de 100%. Mas você pode ter tuberculose e não saber. É uma infecção transmitida pelo ar, se instala em seus pulmões e seu corpo pode criar nódulos ao redor e basicamente selar a tuberculose. Esta é a minha teoria sobre o que o matou. Acho que é um argumento convincente e persuasivo? Sim. Eu insisto nisso? Não, porque não posso provar. Seria irresponsável dizer que posso provar”, afirma.

Ilustração do escritor Edgar Allan Poe, o 'Mestre do Terror', que ganha nova biografia recém-lançada no Brasil Foto: Marcus Müller

O Demônio da Perversidade

Um dos temas mais delicados da trajetória de Poe é o relacionamento com Virginia, sua prima. Ele tinha 27 anos quando se casou com ela, menor de idade, de apenas 13 anos. Segundo registros, o casal era profundamente apaixonado. “Tendemos a usar uma régua moldada pela nossa consciência de hoje. Isso soa horrível para os nossos ouvidos modernos. Mas o fato é que, naquela época, as mulheres morriam muito jovens e eram casadas muito jovens, especialmente com maridos mais velhos. Então, noivas crianças não eram incomuns naquela época. Nem se casar com seu primo de primeiro grau. Mas o que sabemos é que foi um casamento feliz, durou cerca de 10 anos. E quando Virginia morre em 1847, ele fica um pouco louco. Os últimos dois anos de sua vida são meio bobos, porque ele está em desespero procurando por uma substituição. Ele sabia que sem essa estrutura familiar ao seu redor, não iria durar muito tempo”, explica o autor.

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A tragédia afundou Poe ainda mais no alcoolismo, dependência que lhe afligiu por 22 anos. Ele também foi viciado em jogos de azar no período em que estudava na Universidade da Virgínia, contraindo altas dívidas pela prática. “O álcool era um problema maior, mas provavelmente não era o problema que a maioria das pessoas pensa que era. Poe era indiscutivelmente sensível ao álcool. Era necessário muito pouco para deixá-lo completamente bêbado. Ele tomava uma taça de vinho e era como se ele estivesse bebendo por horas. Só porque eu acho que a meningite tuberculosa é nossa principal suspeita [da morte], não significa que não tenha cúmplices – e o álcool seria um dos principais deles”, conta o autor.

O Homem da Multidão

Poe não criou o medo, mas o explorou como ninguém, tendo como base o fato de que as pessoas são e sempre serão atormentadas. Seu legado inestimável influenciou não apenas autores do segmento de horror, como Stephen King, mas também gênios como Arthur Conan Doyle, criador do detetive Sherlock Holmes, e muitos outros. Símbolo da cultura pop, ele tem lugar de honra na capa do álbum Sgt. Pepper’s (1967), dos Beatles, e também foi referência em diversas produções de Hollywood ao longo dos anos, as mais impactantes abrilhantadas por Vincent Price e Bela Lugosi. Recentemente, foi interpretado por Harry Melling no thriller O Pálido Olho Azul (2022), da Netflix.

“Embora Poe tenha sido enterrado no dia seguinte à sua morte em outubro de 1849, depois ele foi ‘enterrado’ novamente porque alguém publicou um obituário horrível que prejudicou sua reputação”, explica Dawidziak. “Mas acho que se ele pudesse ver o que está acontecendo hoje, ficaria encantado ao saber que sua fama, não apenas em seu próprio país, mas ao redor do mundo, brilhou mais do que todas aquelas pessoas que tentaram ofuscá-lo. E se você leu Edgar Allan Poe, sabe que nada fica enterrado em suas histórias. Poe também não ficou enterrado. Ele saiu rugindo daquela cova triunfante e teve a melhor vida após a morte que qualquer escritor já teve”.

Capa da nova biografia de Edgar Allan Poe, 'O Mistério dos Mistérios', disponível no Brasil pela editora Cultrix Foto: Divulgação/Editora Cultrix

O Mistério dos Mistérios: A Morte e a Vida de Edgar Allan Poe

  • Autor: Mark Dawidziak
  • Tradução: Caesar Souza e Val Venturella
  • Editora: Cultrix (344 págs.; R$63,35)

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