Contar a verdade em tempos de censura é missão ingrata, que exige coragem e muito talento para revelar os fatos sem provocar a ira de generais e censores. Foi essa a tarefa a que se dedicou com maestria o jornalista Carlos Castello Branco, nos seus 50 anos de estrada, 31 deles batucando diariamente, na Tribuna de Imprensa e depois no Jornal do Brasil, a sua Coluna do Castello. E é dessa aventura, de seu autor, do vaivém diário entre pequenas politicagens e grandes ambições que fala o jornalista e escritor Carlos Marchi, em Todo Aquele Imenso Mar de Liberdade, que a Editora Record lança hoje às 19 horas na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.
“Aquele imenso mar” era a miragem, muito lá adiante, da liberdade que sumira subitamente em 1964, com o golpe militar, e que só voltaria em 1985, com a redemocratização. A caminhada de 21 anos para recuperá-la, contada nos passos de Castelinho (assim o chamavam todos), é relatada por Marchi como uma odisseia de sucessos e dificuldades na qual vão se revezando o jornalismo, a boemia, os figurões da política, a literatura. E nesta, sua amizade com os mineiros Fernando Sabino e Otto Lara Rezende, seus poucos livros e por fim sua entrada na Academia Brasileira de Letras.
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De tudo, o que ficou como sua grande marca foi a competência com que ia contando o dia a dia do poder nas entrelinhas. “Ele aprendeu a escrever com meias palavras, escolhidas a dedo para não despertar a ira dos radicais da linha dura nem deixar de informar as pessoas”, avisa o autor. “Ô, Castelo, você está fazendo uma coisa espantosa. Está reinventando a língua portuguesa!”, brincava outro jornalista, Oswaldo Trigueiro.
Mas nem só da famosa coluna vive “Aquele Imenso Mar”. Repórter veterano, de olhar atento e texto elegante, Marchi – autor, também, de A Fera de Macabu, dramática história da primeira condenação à morte de um brasileiro, já no final do império – vale-se de farta pesquisa para mostrar Castello Branco como um piauiense tímido cujo sonho, mesmo, era ser escritor. Um sujeito pequeno, feio, que “ruminava sua própria timidez invencível”, que falava esquisito, para dentro, “de forma que não exibisse muito os dentes”. E que passou a beber, de tristeza, depois que um filho morreu em acidente de carro, deixando a dúvida sobre se a tragédia tinha sido, ou não, uma vingança dos generais.
No banheiro. As quase oito mil colunas de Castelinho – ele as escreveu de 1962 até morrer, de um câncer, em junho de 1993 – foram pretexto para se repassar meio século de história do País. Um dia após o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, lá está o jornalista em um banheiro do Palácio do Catete, trocando figurinhas com o vice-presidente Café Filho. Trinta anos depois, a pedido de Tancredo Neves, foi ele quem marcou jantares do candidato da oposição com os generais, para aliviar o clima da campanha de 1985. Por todo esse tempo, ele penou em um vaivém sempre mal resolvido entre direita e esquerda, no qual a primeira prevaleceu, por seu apego à liberdade de imprensa e a amigos como Milton Campos e Afonso Arinos.
A caminhada tem momentos de glória, como quando Castelinho chamou à sua sala o censor do jornal e decretou: “Ataliba, se quiser ler o jornal compre amanhã na banca. Aqui você não vai ler mais”. Era fevereiro de 1945, e a ditadura Vargas estava se acabando. De 1960, o autor relata o divertido episódio do Manifesto Renovador, em que ele redigiu secretamente o documento de um dos grupos e em seguida foi convidado pelo rival para respondê-lo.
Marchi também traz à luz um intrigante pedido feito em janeiro de 1961 pelo recém-eleito presidente Jânio Quadros. Dirigindo-se a Leão Gondim, diretor de O Cruzeiro, o presidente pediu: “Eu quero que você me empreste o Castello por seis meses, no máximo sete...” Seria a crônica de uma renúncia anunciada? Foi a única vez em que o colunista foi para “o outro lado do balcão”. Não gostou nada. Como resume Marchi, “a rotina de intrigas e rasteiras do palácio lhe dava engulhos”.
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