RICHMOND, Califórnia | Vista da rua, a casa de Adam e Ashley Nelson Levy nas colinas da Baía de São Francisco parece só uma casa. Quando a visitei, no dia 6 de outubro, uma equipe de trabalhadores aplicava ruidosamente uma nova camada de reboco nas paredes externas, mas a entrada da garagem era apenas uma entrada de garagem. A porta era apenas uma porta. Será que era mesmo a sede da Transit Books, a editora americana de Jon Fosse, o romancista e dramaturgo norueguês que tinha ganhado o Prêmio Nobel da Literatura no dia anterior?
Mesmo nesta era de fusões e consolidações na indústria editorial, às vezes ainda falamos de “casas” editoriais, mas o termo é obviamente um resquício de tempos passados. A Transit Books – que agora lança cerca de uma dúzia de títulos por ano, depois de vir crescendo devagar desde sua fundação em 2015 – talvez seja a única “casa” editorial americana com Nobel que é igual a qualquer outra casa na rua.
Em 5 de outubro, os Levy, casal que é fundador e coeditor da Transit, acordou às 4 da manhã, como faziam numa manhã de início de outubro de cada ano desde 2020, pouco depois de lançarem sua primeira tradução da obra de Fosse, The Other Name. Com dois filhos pequenos e aquele físico esguio de ciclista recreativo de tantas outras pessoas na região, o casal parece acostumado a acordar cedo – mas não assim tão cedo. Por três anos, eles só deram uma olhada no celular e voltaram a dormir: Louise Glück, Abdulrazak Gurnah, Annie Ernaux.
- VEJA TAMBÉM: Conheça os livros do vencedor do Nobel Jon Fosse publicados no Brasil e veja os lançamentos futuros
- Como o ‘texto inovador’ de Jon Fosse chegou ao Nobel? Brasileiros que montaram peças dele explicam
- ‘Para um escritor, escrever mal é um pecado’, disse Jon Fosse, ganhador do Nobel, ao Estadão; leia
E, então, em 2023: Jon Fosse, “por sua prosa e peças inovadoras, que dão voz ao indizível”. As mensagens de texto e os parabéns começaram a inundar seus celulares. O que veio depois, Adam me disse, foi “o dia mais louco da minha vida editorial, com certeza” – mas eles sabiam que esse dia iria chegar. “Tínhamos um pressentimento”, disse Adam. (Alguns críticos notáveis também tinham: Fosse era um candidato ao Nobel cada vez mais popular entre os especialistas, mesmo que tenha continuado quase desconhecido do público leitor).
Preparados para o Nobel em meio aos brinquedos dos filhos
As paredes brancas da sala dos Levy estavam nuas (tinham acabado de ser repintadas), mas ainda se viam sinais de presença humana: brinquedos infantis, fotografias de família. Já a evidência de vida profissional era mais clara: só na sala de estar, 32 exemplares (pelas minhas contas) da nova e grossa edição de bolso do romance Septology, de Fosse.
Em outra prateleira, 40 exemplares de sua novela recém-traduzida, A Shining, que chega às lojas no final deste mês. É um livro mais magrinho (dá para ler no café da manhã), narrado por um homem que inexplicavelmente entra numa floresta e tem uma série de encontros assustadores – e possivelmente assombrados. Adam propõe A Shining como a porta de entrada para a obra de Fosse, algo de que Ashley discorda. “Por que não começar com a obra-prima?” ela rebate. Ou seja: Septology.
“Vinha dizendo ao nosso distribuidor em todas as conferências de vendas: é este ano que ele vai ganhar o Nobel”, Adam me disse. A perspectiva parecia tão concreta que eles planejaram seus cronogramas de publicação em torno dela: lançaram a versão em capa dura de Septology para coincidir com a premiação de 2022 e programaram o lançamento da edição de bolso, bem como de A Shining, para anúncio deste ano.
“A gente sempre ouve coisas do tipo: ‘Pequena editora é pega de surpresa com aumento da demanda’, mas temos tiragens grandes de ambos, os livros de bolso e o livro novo”.
Adam Levy
Ou pelo menos tinham tiragens grandes. Em 6 de outubro, a Transit já tinha vendido todas as cópias de Septology e A Shining impressas até então. Eles recorreram até às cópias que estavam em casa: todas foram compradas por meio do site da Transit, e Adam as enviaria pessoalmente nos dias seguintes, como sempre fazia.
Mas a cada hora chegavam muito mais pedidos do que eles conseguiriam despachar de imediato. “Algumas pessoas vão ter que esperar”, disse Adam. “Temos um relacionamento muito bom com nosso carteiro”, acrescentou Ashley.
Ainda assim, a quantidade de livros que saía da casa era, disse Adam, “insignificante” em comparação com o volume que passava por seu distribuidor, a Consortium Books. Somente a Barnes & Noble havia encomendado cerca de 1.500 exemplares – número gigantesco para um livro de 600 páginas de um escritor do qual a maioria dos leitores americanos nunca tinha ouvido falar uma semana antes – e os pedidos de muitas outras lojas teriam de ser processados rapidamente.
Produção doméstica de escala industrial
A Transit é tão pequena que não tem acesso ao BookScan, serviço que fornece dados granulares sobre as vendas de livros, por isso depende dos números fornecidos pela Consortium. Adam sempre teve suas próprias intuições sobre o assunto, mesmo antes do Nobel.
“Geralmente, pego os números que eles falam e simplesmente multiplico por dois, porque nosso histórico diz que é mais ou menos por aí”, disse ele. “Somos uma casa pequena, mas acho que muitas vezes temos a melhor noção do que vai vender”.
A Transit tem de aproveitar rapidamente o interesse gerado pelo Nobel. A opção mais rápida é a impressão digital, que possibilita atender à demanda com muito mais rapidez do que a tradicional impressão offset. Enquanto a offset leva de quatro a seis semanas para chegar ao depósito, as cópias impressas digitalmente podem chegar em uma única semana.
Mas a impressão digital também é muito mais cara: custa à editora cerca de 7 dólares por cópia da edição em brochura de Septology, 3 dólares a mais do que imprimir uma cópia offset de um livro que a maioria dos varejistas acabará vendendo por 22,95 dólares. Ao todo, a Transit planeja publicar 10 mil cópias adicionais de Septology e A Shining, com tiragens digitais de ambos já em processo, o que deve garantir que não haja lacunas na disponibilidade.
Mas também existem problemas de design: se você comprou um livro de Ernaux no ano passado, sua cópia provavelmente vinha com um selo impresso em algum lugar da capa, dizendo: “Prêmio Nobel de 2022″. Antes de conversarmos, os Levy estavam trabalhando com seu designer para incorporar esse detalhe às novas cópias que estavam publicando. Às vezes, isso significava pequenas correções (digamos, uma ou duas linhas redesenhadas), mas, ainda assim, os detalhes eram importantes.
Para sua surpresa, um elemento desse processo se revelou mais fácil do que esperavam. “O pessoal do Nobel simplesmente nos mandou todos os adesivos, do nada”, disse Adam. “O National Book Awards é muito mais complicado, porque na verdade eles licenciam os adesivos, o que é um grande problema para as editoras pequenas, porque você tem que pagar. Você paga por cada cópia que tem o adesivo”. (O National Book Awards cobra até mesmo pelo uso digital de seu selo em um livro físico, com taxas a partir de US$ 100 por mil livros de bolso).
Em teoria, grande parte desse trabalho acontece no home office dos Levy, que tem duas mesas de madeira abarrotadas, uma com um pequeno purificador de ar e uma montanha de livros, a outra com um laptop e uma impressora Dymo LabelWriter 4XL (que Adam usa para imprimir as etiquetas de envio). Também vi uma lista de tarefas extensa, mas bem organizada, na qual a maioria dos itens classificados como “Nobel” ainda estavam esperando para serem riscados.
“Nos últimos dez anos, organizamos nossa vida para tentar fazer com que um momento como este acontecesse para um dos nossos autores”, Ashley, que também é romancista, me escreveu por e-mail depois da minha visita. “Brincamos sobre esse negócio de trabalhar em casa, trabalhar em várias coisas diferentes para sustentar a editora e a nossa família, mas na verdade é um acúmulo de anos de férias, madrugadas e finais de semana. Não digo tudo isso para romantizar, mas sim para esclarecer que a editora nunca foi só um trabalho para nós. Se fosse só isso, não teria sobrevivido. Na verdade, é o resultado do nosso casamento: a lista reflete como nossos gostos funcionam juntos”.
Há um testemunho claro da evolução do laço entre vida profissional e vida familiar em algumas das coisas que eles publicam, sobretudo se você olhar além do recém-ungido laureado. Recentemente, eles começaram a publicar lindas e charmosas traduções de livros infantis – primeiro do dinamarquês e agora com títulos coreanos e franceses chegando em breve – pelo menos em parte inspirados pelo filho de 4 anos, que é, Ashley brinca, o “editor executivo” dessa linha editorial.
“Nosso filho pediu para ler um livro que mandaram para nós, um livro ilustrado”, disse Adam. “Ele está chegando naquela idade em que aprendeu a palavra ‘chato’. Não acho que ele saiba o que significa, mas, quando ele pede para ler um livro e diz: ‘Ah, pai, este livro é muito chato’, caramba, me quebra as pernas. É realmente muito difícil”.
Da sala de casa para os aeroportos
No dia seguinte ao anúncio do Nobel, chegaram mais comentários bem-vindos na forma de um e-mail do próprio Fosse. Foi, disse Adam, o tempo mais longo que o recém-laureado (que escreve ao casal em um inglês excelente) já demorou para responder. Sua prosa às vezes é bastante mordaz, mas, naquele dia, o mestre norueguês ficou feliz.
“Ele disse: ‘Vejo vocês em Estocolmo’”, Adam me disse, aludindo à cerimônia de entrega do Nobel, em dezembro. “Acho que é o máximo de animação que ele vai demonstrar a respeito”.
Para os Levy, porém, há muitas, muitas outras coisas a fazer até lá: editar livros, despachar encomendas, cuidar de crianças, tocar uma editora inteira – além dos preparativos para a Feira do Livro de Frankfurt, viagem que pode trazer uma rara oportunidade para eles se deleitarem com o sucesso improvável, mas não totalmente inesperado, da Transit.
A esperança é que um dia, quem sabe, eles vejam um de seus livros de passagem enquanto correm de um portão a outro. Talvez não nesta viagem, mas em breve. “Ficamos brincando sobre isso ontem à noite”, Ashley me disse. “O sonho é este. Bombar nas livrarias de aeroporto”.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.