Escrever um réquiem é tarefa para quem tem a exata noção do significado da finitude, da tragédia épica do silêncio que cerca a espécie humana. No ano passado, a jornalista e escritora Svetlana Aleksiévitch, nascida na Bielo-Rússia, foi premiada com o Nobel de Literatura justamente por seu talento polifônico, capaz de ecoar o horror que foi o dia 26 de abril de 1986, quando uma série de explosões destruiu o reator e o prédio do quarto bloco da Central Elétrica Atômica de Chernobyl, anunciando o apocalipse há 30 anos.
Seu livro Vozes de Tchernóbil, primeiro da autora a ser lançado pela Companhia das Letras, é um marco do jornalismo literário, uma história do horror que a explosão de Chernobyl, seguida de um incêndio, provocou não só na extinta União Soviética, mas em todo o mundo. Três dias depois, foram registrados altos níveis de radiação em toda a Europa. Uma semana depois, substâncias gasosas e voláteis se dispersaram pelo Japão, China e Índia, chegando até o Canadá.
Antes de Chernobyl, revela Svetlana, havia 82 casos de câncer para cada 100 mil habitantes. Hoje são 6 mil casos. Estatísticas, porém, não dão conta de dimensionar a catástrofe. Quando perguntam a Svetlana, convidada da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que começa dia 29 de junho, qual a razão de escrever sempre sobre temas trágicos, ela responde: “Porque é assim que vivemos”. Ela resistiu a escrever sobre Chernobyl, mas, em nome dos bielo-russos, que ficaram para sempre associados à catástrofe atômica, ela decidiu dedicar dez anos de sua vida em busca dos depoimentos que recolheu para o livro.
A jornalista cobriu guerras como a do Afeganistão e investigou casos de suicídio – dois livros seus sobre esses temas estão programados pela mesma editora. Mas foi com Vozes de Chernobyl que ela abdicou da primeira pessoa para compor um oratório sobre seres destinados à aniquilação, como uma menina que nasce com aplasia do ânus, da vagina e do rim esquerdo, vítima das radiações ionizantes, cuja mãe, desesperada, bate em todas as portas, oferecendo a filha para experiências científicas. Apenas para que sobreviva.
Svetlana diz que se dedicou a contar o que chama de “história omitida”. Escreve sobre essas “vidas minúsculas” e sobre o cotidiano ordinário dos que sobreviveram ao desastre nuclear. Menos sobre os bombeiros que apagaram o incêndio do reator. Eles não resistiram ao ato suicida.
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