A escritora Clarice Lispector nasceu em 1920, na Ucrânia, mas chegou com quase dois anos ao Recife, depois de uma breve passagem por Maceió - a família judaica perdeu suas rendas com a Guerra Civil Russa e foi obrigada a emigrar também por causa da perseguição a judeus. Na capital pernambucana, Clarice viveu até os 14 anos, quando se transferiu com o pai e a duas irmãs para o Rio de Janeiro, cidade onde morreu em 1977.
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O Recife que ela conheceu nas décadas de 1920 e 30 deixou marcas profundas em sua vida pessoal e também na literatura que escreveu e que a tornou uma das principais autoras do mundo. Pois é justamente essa Recife de Clarice que inspirou a HQ Pedra D’Água, lançada agora pela Companhia Editora de Pernambuco, a Cepe.
O livro é fruto do trabalho de Clarice Hoffmann, que assina argumento, roteiro e pesquisa, e de Greg Vieira, responsável pelas ilustrações. O ponto de partida é um passeio pelos locais do Recife que marcaram Clarice, mostrando como estão agora. Para isso, foi criada a personagem Esther, uma pesquisadora que se hospeda no Hotel Central e de onde parte para diversos pontos da capital em busca de rastros claricianos.
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O nome Esther não foi aleatório: significando “estrela, o que está oculto”, remete ao título do último livro escrito por Clarice, A Hora da Estrela (1977). Assim, Pedra D’Água acompanha a trajetória de Esther pela Praça Maciel Pinheiro, Rua da Imperatriz e Avenida Conde da Boa Vista, em busca dos sobrados onde viveu a escritora, além das escolas e das ruas por onde frequentou.
Em 100 anos, muita coisa mudou. “Os palacetes com jardins de rosas aveludadas e acácias amarelas descritos em textos de Clarice já não existem mais”, observa Hoffmann, no material de divulgação da HQ. “E isso abre uma discussão sobre o patrimônio material e imaterial, a cidade que a gente não mais vê, existe nessa memória que o escritor gerou do lugar.”
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Ao criar o roteiro, a jornalista não apenas traçou um trajeto geográfico, mas também sentimental, revelado nas citações pinçadas da obra de Lispector que tratam justamente daquele espaço. Isso serviu também para escolher o tempo verbal. “Assim como Clarice faz em A Hora da Estrela, iniciamos a HQ com um narrador e, quando a personagem se forma, ela passa a falar na primeira pessoa. Isso acontece quando Esther se transforma em centauro”, observa Hoffmann, ainda no material de divulgação, fazendo alusão ao signo da escritora, Sagitário. “O cavalo é um animal recorrente nos livros dela - em Perto do Coração Selvagem, seu romance de estreia, lançado em 1943, ela escreve que queria morrer e renascer como cavalo.”
Quase sem diálogos, apenas com referências de textos de Clarice, a HQ traz quadrinhos eloquentes, capazes de estimular tanto o olfato como a audição do leitor com os desenhos vibrantes de Greg Vieira. A sensação combina com uma frase escrita certa vez pela escritora, “Vivo ‘de ouvido’, vivo de ter ouvido falar”.”Suas experiências auditivas a mergulham desde a infância em um estado de desestabilização de uma língua única pura”, disse ao Estadão a canadense Claire Varin que, em 2002, lançou Línguas de Fogo (Editora Limiar), um mergulho nos escritos e na vida de Clarice Lispector, escritora cuja obra ardente, enigmática e responsável por um movimento ficcional absolutamente novo despertou paixões.
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Em seu roteiro para a novela gráfica, Clarice Hoffmann destaca o olhar que Lispector tinha para as pessoas oprimidas. “Ela dizia que carregava, em decorrência do tempo em que morou em Pernambuco, um fome de justiça social. Essa fome de justiça e a influência das origens judaicas, embora não falasse abertamente sobre isso, são marcantes na obra dela”, comenta. “Clarice não era panfletária, mas muito política.”