A dica é do tradutor Caetano W. Galindo: não se deixe iludir pela idade do narrador nem pela aparência de desleixo daquela voz. “O Apanhador no Campo de Centeio é uma preciosidade, extremamente bem construído e muito sofisticado na abordagem dos seus temas, dos seus problemas”, diz o responsável pela nova tradução da obra publicada por J. D. Salinger (1919-2010) em 1951, com 73 milhões de exemplares vendidos, que chega às livrarias pela Todavia com a capa original depois de mais de 50 anos no catálogo da Editora do Autor.
Livro revolucionário pela linguagem coloquial, que influenciaria toda uma geração de escritores (David Eggers, Jonathan Safran Foer, John Kennedy Toole, Rick Moody, Bret Easton Ellis, Jay McInerney) e de cineastas (Nicholas Ray, Wes Anderson, entre outros), ele é narrado por Holden, um garoto de 17 anos às voltas com questões que são de sua geração, e de todas as outras que vieram depois. Por isso sua atualidade. "As angústias, os medos e as dúvidas do Holden continuam aqui. Nós continuamos respondendo a pressões e temores muito parecidos", comenta Galindo.
Acertar a voz de Holden, não fazê-lo soar como um adolescente do século 21, com gírias e construções de hoje, e não produzir um ‘pastiche’ de português dos anos 1950 foram os grandes desafios do trabalho, conta o tradutor.
Esse é o primeiro livro de Salinger, cujo centenário é celebrado este ano, a integrar o catálogo da Todavia. Ela publica, ainda, Nove Histórias (setembro), Franny & Zooey (novembro) e depois Para Cima Com a Viga, Carpinteiros & Seymour – Uma Introdução.
Matt Salinger, filho do escritor que assegura ao Estado estar mergulhado em inéditos do pai, diz que este é o momento de uma nova geração descobrir os livros do escritor para quem a relação com o leitor era a coisa mais sagrada – e, ele acreditava, não devia ser mediada. E também de seus leitores antigos se reencontrarem com os livros.
“O Apanhador no Campo de Centeio toca um núcleo fundamental da alma das pessoas. Ele escreveu de um jeito que fez com que as pessoas achassem que ele estava escrevendo para elas. Tenho viajado bastante por causa do centenário do meu pai e ouvido muitas histórias comoventes da relação de algumas pessoas com esse livro. Há uma fase em que todos nos sentimos desapontados na nossa vida e estamos procurando por uma saída, energia ou fé. Meu pai faz isso, não diretamente, mas como uma piscadela”, diz.
Salinger nasceu em Nova York e lutou na Segunda Guerra (no dia D, inclusive), quando escreveu parte de O Apanhador no Campo de Centeio. Voltou da guerra, sofreu os efeitos disso, continuou escrevendo, ficou famoso. Não gostou da fama e se retirou da vida pública. Histórias e mitos acerca de sua personalidade e desejo de reclusão começaram a se espalhar. E ele continuou escrevendo e escrevendo, até a morte, os 91, em sua casa no interior dos EUA.
O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO Autor: J. D. Salinger Trad.: Caetano W. Galindo Editora: Todavia (256 págs.; R$ 59,90) Lançamento: 3ª (18), às 19h30, na Biblioteca Mário de Andrade, com leitura e debate
Leia a abertura das duas traduções de O Apanhador no Campo de Centeio
“Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam (...), e toda essa lengalenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além disso, meus pais teriam um troço se eu contasse qualquer coisa íntima sobre eles. (...) E, afinal de contas, não vou contar toda a droga da minha autobiografia nem nada. Só vou contar esse negócio de doido que me aconteceu” (Álvaro Alencar, Antônio Rocha e Jorio Dauster, 1965)
“Se você quer mesmo ouvir a história toda, a a primeira coisa que você deve querer saber é onde eu nasci, e como foi a porcaria da minha infância, e o que meus pais faziam (...), e essa merda toda meio David Copperfield, mas eu não estou a fim de entrar nessa, se você quer saber a verdade. Pra começo de conversa, isso tudo me enche o saco, e depois meus pais iam ter duas hemorragias cada um se eu contasse algum negócio mais pessoal lá deles. (...) Além de tudo, eu não vou te contar a droga toda da minha autobiografia nem nada assim. Só vou contar essa coisa demente que me aconteceu” (Caetano Galindo, 2019)
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