Em uma quarta-feira à noite, cerca de 60 leitores se reuniram durante três horas em uma videochamada para discutir os livros italianos Dias de Abandono (2002, lançado aqui pela Biblioteca Azul), da festejada Elena Ferrante, e Laços (2014, editado pela Todavia), o contraponto de Domenico Starnone.
As mulheres pediam mais a palavra do que os sete homens presentes, que preferiam deixar seus comentários por escrito no chat da chamada. Acompanhada por alguns copos de vinho, a conversa coletiva misturava opiniões sobre os livros, histórias pessoais e referências a outras obras - que foram listadas ao final por um participante.
Quem conduzia o encontro mensal do clube de leitura Conversas Críticas era a arquiteta Patrícia Ditolvo. Desde 2016, ela participa de grupos de discussão sobre livros, primeiro enquanto leitora e agora como mediadora.
Além de promoverem o hábito de leitura, para Patrícia, os clubes em que faz mediação são um lugar seguro “como se a gente estivesse conversando na sala da minha casa, sem sapato e com o pé no sofá” para expressar pensamentos e corrigi-los, se necessário. “Partindo da história do outro, da história do livro, os participantes falam de coisas que não falariam, e isso gera transformação”, diz.
Patrícia também é mediadora de um grupo focado em clássicos estrangeiros do século 20, promovido pela plataforma de cursos Escrevedeira. O site ainda oferece turmas para ler obras contemporâneas da língua portuguesa e conversar sobre livros em inglês e espanhol.
Mas o clube de leitura não é um lugar de especialistas, define a sócia-diretora, Luciana Gerbovic, embora a Escrevedeira também ofereça cursos de leitura acompanhada com professores especializados.
Em vez disso, o clube é um local para ouvir outras leituras, todas elas legítimas. “A gente vai para o clube de leitura com um livro lido e sai com tantos quantos forem os participantes, sai de cada encontro muito maior”, explica Luciana, para quem é diferente a experiência de ler um livro somente em diálogo interno com o autor.
O desejo de retomar as reuniões presenciais após o fim do distanciamento social provocado pelo novo coronavírus é grande, no entanto, e tudo indica que o modelo adotado no futuro pelos clubes de leitura será híbrido, com turmas também virtuais. Luciana Gerbovic comenta como cada encontro é recompensador. “Eu já sabia que isso é incrível”, diz ela, mediadora neste tipo de clube há 10 anos, “mas, em todos os lugares, a participação aumentou durante a pandemia”. “A discussão ficou muito mais interessante e com gente de lugares diferentes”, justifica.
A pandemia aumentou em 65% a participação no Clube de Leitura 6.0, projeto voltado para idosos realizado pelo Estado de São Paulo em parceria com a Fundação Observatório do Livro e da Leitura. A iniciativa, coordenada por Galeno Amorim, forma grupos pequenos em que se discutem livros em formato de e-book ou audiolivro, com títulos que variam de clássicos a histórias infantis, a depender do perfil dos membros.
A função terapêutica é inevitável em qualquer clube de leitura, reconhece Amorim. Mas o Clube de Leitura 6.0 tem a biblioterapia como objetivo, que costuma dar certo especialmente com idosos. “Depois de uma determinada faixa etária, existe uma liberdade poética para compartilhar sem os filtros, sem os receios. Pessoas mais velhas se sentem mais autorizadas a lidarem com suas emoções, perdas, medos e inseguranças”, afirma o coordenador-geral.
Angela Grijó, advogada, 71 anos, sente-se em terapia durante as reuniões de seu clube de leitura, formado por 17 mulheres incluindo duas historiadoras, uma psicóloga e uma professora especializada em literatura. “As questões dos livros às vezes batem nas nossas questões pessoais”, conta ela, que tem discutido obras como A Costureira de Khair Khana (2011), de Gayle Lemmon, uma história que aborda discussões atuais como os conflitos no Afeganistão e o feminismo.
Foi pelas necessidades de interpretar o mundo de hoje e tornar sua escrita um ato político que a roteirista Ana Victoria Almeida entrou para o Escrevendo o Brasil, no Rio. O clube de leitura seleciona títulos contundentes com a realidade brasileira - como Suíte Tóquio (2020), de Giovana Madalosso - e conta com a participação dos autores dos livros escolhidos para compartilharem o processo de criação. “É quase como se eu quisesse ser uma esponja e absorver toda a riqueza de transformar histórias tão potentes em escrita”, explica a roteirista, que também escreve poesias.
“É sempre um contato muito legal. E obviamente é legal para o escritor, porque vão ter 20, 30 pessoas lendo a obra”, conta o idealizador do projeto, Mateus Baldi. A fundadora da editora Incompleta, Laura Del Rey, concorda. “Os clubes de leitura são um espaço muito potente daquela ideia básica da divulgação, que é a recomendação.” Exemplo disso foi o impacto que teve a adoção em três grupos diferentes do livro Terra Fresca da Sua Tumba (2021), da boliviana Giovanna Rivero, editado pelo selo em parceria com a Jandaíra.
Além do aumento das vendas para os membros, a editora observou uma segunda onda de procura pelo título por pessoas que se interessaram a partir da repercussão dos encontros. “Os clubes ajudam a estender o tempo mais forte de circulação e debate sobre o livro”, completa Laura.
A proprietária da Livraria da Tarde, Monica Carvalho, conhece bem o poder de influência dos clubes de leitura. “Os nossos livros do clube acabam sempre ficando entre os 10 mais vendidos”, conta a empresária, que criou um grupo para formação de novos leitores. Para isso, seleciona livros “para se ler em uma tarde”, como o francês O Lugar (2021), de Annie Ernaux, que tem apenas 72 páginas.
Além do Clube Tarde, a livraria possui parceria com outros grupos, como o Escrevendo o Brasil, de Baldi, em que dá desconto de 10% para os membros. “Isso também impacta fortemente o faturamento”, diz Monica. “Eu tenho parceria com clubes que têm muita gente, então a gente vende 25, 30 livros, o que, para uma livraria pequena de rua, é um volume muito grande.”
Os clubes de leitura já faziam parte do plano de negócios da Livraria da Tarde, uma vez que Monica frequenta grupos como leitora há mais de quatro anos. “Eu via que ali tinha uma oportunidade”, explica ela, referindo-se a leitores que gostavam de ir a livrarias físicas para encontrar os amigos, tomar um café e trocar recomendações. Foi o empurrão de que precisava para abrir sua livraria. “Vi que tinha mais pessoas como eu, e isso me deu coragem.”
Clubes de leitura virtuais para se inscrever
- Clube de Leitura 6.0: Clubes de leitura exclusivos para pessoas com mais de 60 anos de idade. Participação gratuita.
- Escrevedeira: Clubes de leitura de clássicos estrangeiros do século 20, literatura contemporânea em língua portuguesa e livros em inglês e espanhol. Inscrições de R$ 20 a R$ 50.
- Conversas Críticas: Clube de leitura do perfil literário do Instagram Críticas Instantâneas Não Especializadas. Participação gratuita.
- Escrevendo o Brasil: Clube de leitura de obras que refletem a realidade do País com a participação dos autores. Inscrições a R$ 100.
- Clube Tarde: Clube de leitura da Livraria da Tarde com foco em livros curtos para a formação de novos leitores. Participação gratuita.
- Clube de Leitura Ler a América Latina: Clube de leitura do Memorial da América Latina focado em obras latino-americanas sob o tema Zooliteratura no atual ciclo. Participação gratuita.
- Clube de Leitura Japan House São Paulo + Quatro Cinco Um: Clube de leitura que seleciona obras traduzidas diretamente do japonês para o português. Participação gratuita.
- Roda de Leitura: Clube de leitura do Itaú Cultural para textos curtos, alternados entre prosa e poesia. Participação gratuita.
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