BOLONHA - No espaço com o sugestivo nome de Illustrators Survival Corner, ilustradores de diferentes partes do mundo concediam dicas de como proteger as próprias produções da apropriação por Inteligência Artificial (IA) generativa, que utiliza bancos de dados de obras existentes para gerar novas. Situações como essa, discussões sobre regulação e defesas de como essas tecnologias podem otimizar o meio editorial marcaram os quatro dias da 61ª Feira do Livro Infantil de Bolonha, a maior do setor, que terminou nesta quinta-feira, 11, na Itália.
Embora tenha aparecido na programação da edição passada, o tema se tornou um dos protagonistas do evento deste ano em meio ao avanço e popularização dessas ferramentas no meio cultural, gerando controvérsias, escândalos e maior mobilização por uma regulamentação. Tradutores e ilustradores estavam entre os mais mobilizados no tema, mas a discussão tem envolvido todos os campos do meio literário e editorial, com casos já conhecidos de utilização de IA para a “escrita” de livros, por exemplo.
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O protagonismo na feira deste ano já estava evidente na programação, que tinha até um filtro para selecionar exclusivamente os painéis, os workshops, as mesas e afins sobre esse tema, lideradas por advogados, especialistas em tecnologia, editores, ilustradores, tradutores e profissionais de diferentes setores. Essas atividades se espalharam pelos diversos braços da feira, inclusive os mais ligados ao mercado, como o voltado para a área de licenciamento.
Uma das principais preocupações são as regulamentações consideradas insuficientes, ainda mais porque esse tipo de tecnologia se alimenta com dados de todo o mundo. Esse aspecto foi não apenas tratado em atividades específicas sobre IA, mas também sobre assuntos variados, tanto que foi mencionado diversas vezes ao longo da cerimônia de abertura do evento, na segunda, 8.
O cerne continua a ser a regulação. Uma advogada presente chegou a dizer diz a todos os clientes que não autorizem a cessão de qualquer conteúdo para bancos de dados que possam alimentar IA.
Já uma ilustradora indicou o uso de programas que “enganam” esse tipo de tecnologia e convidou os colegas a fazerem frequentes varreduras nas próprias redes sociais para apagar conteúdo antigo, assim como para refletir sempre que forem postar algo novo (inclusive de outros autores). O entendimento é que não há controle sobre o que será feito deste conteúdo após a postagem e, até o momento, não há estofo jurídico que tenha acatado reclamações de plágio ou violação de direitos autorais por uso de IA.
Quem é o autor de uma produção gerada por IA e como respeitar os direitos autorais daqueles cujas obras alimentaram a tecnologia são questões-chave. Uma “nova fronteira dos direitos autorais” tem sido tratada, inclusive com a defesa da criação de uma organização mundial para regular esse tema.
Outro ponto é o impacto a longo prazo nos tipos de produção, visto que essas tecnologias são “alimentadas de passado” e não teria o potencial criativo de inovar ou criar novos movimentos artísticos, por exemplo.
“É um modelo de negócios predatório”, resumiu Paolo Rui, do European Illustrators Forum and Autori d’Immagini. “Por que não a criação de uma Organização Mundial de Propriedade Intelectual?”, sugeriu a advogada Francesca Perri, da Tonucci & Partners, durante outra atividade do evento.
O lado bom da inteligência artificial
Por outro lado, fundadores de startups e empresas do setor de tecnologia em geral defenderam que a inteligência artificial pode revolucionar a divulgação e venda de livros. Falou-se especialmente na criação de bancos de dados e programas para facilitar a identificação de potenciais leitores e os cenários mais positivos para o lançamento (onde, quando, como e para quem).
Uso de IA no mercado editorial brasileiro
No Brasil, o tema também tem chamado a atenção. Um dos episódios de maior repercussão foi a desclassificação de um livro semifinalista do Prêmio Jabuti, pelas ilustrações geradas por inteligência artificial. À época, a curadoria da premiação disse que iria rever o regulamento e discutir a possibilidade de criação de uma categoria exclusiva para obras com IA.
Também no ano passado, uma editora nacional recebeu críticas ao lançar uma edição de Alice no País das Maravilhas com ilustrações provenientes do uso dessa tecnologia. Outro caso de repercussão foi no exterior: uma escritora japonesa admitiu ter utilizado o ChatGPT ao longo do processo de criação do próprio livro.
*A repórter viajou a convite da Feira do Livro Infantil de Bolonha
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