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Como é ‘Murdle’, livro de enigmas best-seller que chega ao Brasil? Afia a mente? É literatura?

‘Estadão’ conversou com especialistas em neurociência e literatura para entender o fenômeno internacional que reúne 100 ‘quebra-cabeças’ que o leitor precisa decifrar para saber o final. Para G. T. Karber, o autor, ‘Murdle’ proporciona ‘alegria, desafio e uma reviravolta inteligente’ e une as pessoas

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Foto do author Julia Queiroz
Atualização:

O dedutivo Logicus é o principal personagem do livro Murdle, best-seller internacional do americano G. T. Karber que acaba de chegar ao Brasil pela editora Intrínseca. Mas, ao contrário de outros sucessos editoriais, ele não é o foco de uma narrativa longa e desenvolvida, e sim o protagonista de uma série de mistérios interativos que o próprio leitor deve resolver.

A obra contém 100 “quebra-cabeças”, cuja dificuldade aumenta conforme a progressão do livro. Em todos eles, Logicus (e o leitor) precisa descobrir o responsável por um assassinato, o local onde o crime ocorreu e qual arma foi usada. Tudo isso a partir de uma lista de pistas, dicas e descrições oferecidas nas páginas. Confira um dos desafios ao final da reportagem.

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“Fiz o primeiro Murdle para um amigo enquanto estava procrastinando outra coisa! Escrevi em um guardanapo e enviei para ele. Quando ele gostou, fiz mais, e as pessoas também gostaram”, conta G. T. Karber em uma entrevista por e-mail ao Estadão. A ideia vingou e foi transformada em um jogo online. Depois, a coisa evoluiu: “Um agente literário sugeriu que tentássemos vendê-lo como um livro, e um editor gostou da ideia.”

A diferença do livro e do jogo está na união de todos os casos. Eles podem ser resolvidos de forma aleatória ou em ordem, mas a segunda opção contém uma narrativa construída a partir das histórias. Ao final, o livro revela uma mensagem, mas ela só consegue ser decifrada por quem solucionou todos os enigmas. “Dar ao livro uma narrativa era algo que eu queria fazer desde o início”, afirma o autor.

Murdle se tornou um sucesso editorial, com destaque especial no Reino Unido: entrou para a lista de mais vendidos do jornal Sunday Times, com mais de 200 mil cópias vendidas entre junho e dezembro de 2023, segundo a publicação. Foi o livro mais vendido no país no último Natal, superando fenômenos como O Clube do Crime das Quintas-Feiras, de Richard Osman, e Heartstopper, de Alice Oseman.

G. T. Karber é autor de 'Murdle', sucesso de vendas internacionais que chegou ao Brasil em maio pela Intrínseca. Foto: Annie Lesser/Divulgação e Intrínseca/Divulgação

No começo de maio, a obra recebeu o prêmio de Livro do Ano no British Book Awards 2024, a principal premiação literária do Reino Unido. Na ocasião, o júri disse que o livro era “uma ideia muito inteligente” e afirmou que ele ajudou a impulsionar o mercado editorial britânico. Nos Estados Unidos, Murdle já ganhou outros dois volumes.

“Eu me esforcei muito para tornar Murdle acessível para o público mais amplo possível”, diz Karber. “Mas, particularmente, espero que os amantes de mistérios gostem deles. Qualquer pessoa que goste de fazer o papel de um detetive. Este é um livro que deve colocá-lo na pele de Sherlock Holmes ou na capa de chuva de Columbo”.

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Livro interativo quebra-cabeça

No Brasil, a obra surfa no sucesso de A Mandíbula de Caim, um livro-enigma lançado originalmente em 1934 por Edward Powys Mathers (1892-1939) sob o pseudônimo de Torquemada. A publicação ganhou uma nova edição brasileira no fim de 2022 pela Intrínseca e virou um fenômeno de vendas, com uma ajuda do TikTok. Diferentemente de Murdle, Caim tem 100 páginas de histórias destacáveis unidas em ordem aleatória. O desafio do leitor é tentar ordená-las entre milhões de combinações possíveis.

Outro lançamento recente entra na onda dos livros interativos: O Porão, de Vitor Soares (do podcast História em Meia Hora) e Giovani Arceno, lançado pela Record. Ambientado na ditadura militar, a obra apresenta opções que o leitor deve escolher ao longa da trama e que o levam para diferentes páginas e possibilidades.

A professora Sonia Maria Dozzi Brucki, do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP, explica que “a leitura de qualquer tipo de livro estimula muitas áreas cerebrais, pois existe o envolvimento de áreas de linguagem, a imaginação, foco atencional e raciocínio lógico”. O que os títulos com enigmas proporcionam, segundo ela, é um reforço neste último tópico, o raciocínio. “São como jogos adicionados à leitura”, diz.

O importante é ler, jogar, conversar, ter interações sociais e ter pensamento crítico sempre estimulado com tipos variados de atividades.

Sonia Maria Dozzi Brucki, professora do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina

E qual é o segredo de um bom enigma? “Às vezes, os criadores de quebra-cabeças esquecem que o público ainda não sabe a resposta. Quando você conhece a solução, ela parece óbvia para você. Mas, na verdade, é muito difícil torná-la acessível para os outros”, opina Karber.

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Para o autor, “as pessoas gostam de ser desafiadas, mas não gostam de ser desafiadas de forma impossível”. “Você quer que elas resolvam o quebra-cabeça. Você quer dar às pessoas um caminho que elas possam seguir para chegar à solução”, completa.

Livros de enigmas são literatura?

Para Roberto Amado, professor de literatura e doutorando em literatura americana na Universidade de Indiana, Murdle não pode ser considerado literatura. “É um livro de enigmas, de puzzles, ou seja, jogos que podem ser encontrados em publicações de palavras cruzadas, por exemplo”, diz. Ele afirma, por outro lado, que o sucesso da obra demonstra que o livro, enquanto objeto, ainda é valorizado.

“O livro, o objeto, o velho e bom conjunto de páginas de papel e uma capa divertida, continua muito prestigiado. Afinal, não é difícil encontrar puzzles ‘por aí', nas bancas, as que ainda restam, e principalmente na internet. O fato desses enigmas serem embrulhados num formato de livro eleva o interesse pela ‘obra’ e por sua nobreza”, explica.

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O professor diz que, “por mais que seja desconfortável aceitar essa realidade”, a literatura está perdendo espaço dentro do mercado de livros. “Aqui, definimos literatura como poesia, ficção, romance, da maneira mais tradicional. Aquela praticada por Thomas Mann, Guimarães Rosa e Gabriel Garcia Márquez. Essa não está num bom momento”, afirma.

Para o professor Roberto Amado, a literatura está em baixa, mas o livro ainda é um produto valorizado. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Segundo ele, isso abre espaço para outros tipos de manifestações, como os livros quebra-cabeça, “os ‘instant books’ (aqueles que esgotam algum tema datado no calor dos acontecimentos) e as biografias de celebridades”. “O importante, para o público, o leitorado, é que sejam livros que possam ser dignamente carregados sob o braço e capazes de enfeitar com elegância a mais modesta estante da sala”, diz.

Para o autor de Murdle, contudo, isso não importa muito: “Muitos escritores escrevem apenas para outros escritores, mas Murdle é para todos. Não importa se você está resolvendo os mistérios para preencher alguns minutos entre o trabalho, se está fazendo isso para manter sua mente afiada ou para aprimorar sua experiência em resolver mistérios, Murdle está lá para lhe dar um pouco de alegria, um pouco de desafio e uma reviravolta inteligente.”

“Acho que as pessoas estão procurando distrações divertidas que sejam boas para elas. Murdle é algo que você pode fazer com sua avó ou com seu melhor amigo. É algo que une as pessoas”, completa Karber.

Resolva um enigma de ‘Murdle’

Os enigmas de Murdle apresentam os suspeitos, os possíveis locais e armas do crime junto com uma lista de pistas e indícios. O trabalho do leitor é associar as informações fornecidas e descobrir como o homicídio aconteceu.

O livro oferece um “quadro de dedução” que pode ajudar a organizar as informações. Caso o leitor ainda tenha dificuldade, mais uma dica pode ser conferida no final do livro, onde, algumas páginas depois, estão as soluções.

Confira Assassinato em Hollywood, o primeiro quebra-cabeça da obra - a dica extra está logo baixo, seguida pela solução do enigma.

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Enigma do livro 'Murdle', de G. T. Karber, publicado pela editora Intrínseca.  Foto: Intrínseca
Enigma do livro 'Murdle', de G. T. Karber, publicado pela editora Intrínseca.  Foto: Intrínseca

Dica

Enquanto o dedutivo Logicus investigava o caso, o telefone na mansão tocou. Quando ele atendeu, uma voz confiante disse: “Acabo de jogar alguns búzios, Logicus, e eles disseram que a dama Obsidian comia com um garfo.” Antes que Logicus pudesse perguntar quem era ao telefone, a pessoa desligou.

Resultado

“Foi a incrível Aureolin com uma vela pesada no banheiro enorme!”

A incrível Aureolin continuava a declarar inocência, mas não conseguiu refutar os argumentos do dedutivo Logicus. Ficou demonstrado que ele estava certo. Ela praticamente confessou quando disse:

- Nenhuma cela poderá me aprisionar!

  • A incrível Aureolin - uma vela pesada - o banheiro enorme
  • Midnight III - um cano de alumínio - o quarto
  • Dama Obsidian - um garfo - a sala de projeção

Murdle: Volume 1

  • Autor : G.T. Karber
  • Editora: Intrínseca (400 págs.; R$ 59,90)
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