Como o ‘texto inovador’ de Jon Fosse chegou ao Nobel? Brasileiros que montaram peças dele explicam

Escrita do norueguês aborda ‘relações afetivas, solidão e desamparo’ de forma fragmentada, ‘como uma grande e belíssima partitura’, dizem Rodolfo Garcia Vazquez e Denise Weinberg, que trouxeram textos do autor ao Brasil

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Foto do author Julia Queiroz

A Academia Sueca decidiu premiar o escritor norueguês Jon Fosse com o Nobel de Literatura de 2023, por “suas peças e prosas inovadoras que dão voz ao indizível”. O anúncio foi feito nesta quinta-feira, 5 de outubro.

Fosse, de 64 anos, tem mais de 40 obras publicas em diversos gêneros, incluindo poesia e romances. Contudo, é mais famoso por suas peças que estão espalhadas pelo teatro europeu. Ele é considerados um dos grandes autores de teatro de sua geração, um “Beckett do século 21″.

Jon Fosse, escritor norueguês vencedor do Prêmio Nobel de Literatura 2023.  Foto: Ole Berg-Rusten / NTB / AFP

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Para o diretor Rodolfo Garcia Vazquez, que trouxe ao Brasil a peça Adormecidos, de autoria de Fosse, a escolha do escritor para o mais prestigiado prêmio da literatura não foi uma surpresa. “Já imaginava. Quando a gente montou Adormecidos, ele já era cotado para o Nobel, desde aquela época. Acho que era meio inevitável que ele acabasse ganhando algum dia pela importância do trabalho dele. Especialmente no teatro, ele é uma referência muito forte”, diz Vazquez.

O diretor destaca a escrita “provocativa” de Fosse. “Ela permite muitas leituras e muitas formas de encenação teatral. É uma escrita que te provoca a reflexão”. Além disso, ele aponta que o escritor discute “relações humanas em um mundo muito fragmentado”.

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A atriz e diretora Denise Weinberg, que montou a peça O Nome com o Núcleo Experimental do Sesi em 2004, também destaca essa variedade de interpretações presente nas obras de Fosse. Para ela, o texto do escritor é como “uma grande e belíssima partitura”.

“Todo o texto dele não tem pontuação. Ele corta a frase no meio, passa para outra linha e dá uma liberdade enorme para a direção e para os atores armarem o texto no sentido de onde pontuar, onde fazer pausar, onde fazer silêncio e onde dar continuidade”, explica.

Fiquei muito feliz dele ganhar o Nobel porque é uma coisa tão diferente ele ser um dramaturgo, apesar de agora ele ter afundado na prosa e no romance.

Denise Weinberg, sobre Jon Fosse ter recebido o Nobel de Literatura

A diretora Monique Gardenberg, que produziu a peça Um dia de Verão em 2008 após ser apresentada ao texto por Renata Sorrah e Silvia Buarque, conta que a “incomunicabilidade” era a marca da obra de Fosse.

“Talvez a peça mais bela plasticamente que já fiz, cenário de Helio Eichbauer, onde o mar, em leve e constante movimento ao fundo, ocupava o papel dos Fiordes”, lembra.

O texto, segundo ela, é “uma conversa pra dentro, sem pontuação final, da personagem com ela mesma, numa elaboração incessante, na insistência para que algo se resolva, ou consiga ser comunicado”.

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Quais são as qualidades de Jon Fosse?

“O Fosse trouxe uma coisa para a dramaturgia completamente diferente de tudo aquilo que eu já conhecia. Como é apaixonado por música, ele considera as palavras como notas musicais. Ele usa poucos vocábulos e esses vocábulos são notas que ele repete incessantemente”, diz Denise.

A diretora afirma que o texto do autor é “muito sofisticado, com palavras muito simples e que têm um resultado monstruosamente belo”, além de destacar a inovação que ele apresenta.

É uma dramaturgia quase que gráfica. Você olhando o texto dele, entende um pouco o que se passa emocionalmente. Isso é raríssimo, nunca tinha visto nada igual

Denise Weinberg

Jon Fosse é um dos grandes autores de peças da atualidade.  Foto: Ole Berg-Rusten / NTB / AFP

Já Vazquez destaca que Fosse aborda “questões existenciais de uma forma bastante contemporânea”. “Na maneira como ele aborda as relações, especialmente as relações afetivas, ele traz o tema dos afetos e dos amores com um olhar bastante temático e profundo”, aponta.

Ele entende as novas experiências afetivas em termos de amor e família, e mesmo a negação dessas coisas: a solidão, o desamparo. Ele aborda tudo de uma forma muito poética e muito sensível

Rodolfo Garcia Vazquez sobre Jon Fosse

Essas características estão presentes em Adormecidos, que narra a história de dois casais em diferentes momentos. O texto, muito poético, não revela os nomes dos personagens e se ocupa em estudar as consequências do tempo nesses relacionamentos.

“O que nos interessou foi esse desafio de uma dramaturgia nada convencional e bastante provocativa, trazendo temas contemporâneos. Ele faz pesquisas formais, em termos de dramaturgia, muito interessantes. Além de ele trazer a questão dos relacionamentos amorosos de uma forma muito bonita”, diz Vazquez.

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Na época, o diretor adaptou a obra a partir de uma tradução portuguesa. Ele acredita, pela importância do autor, mais de suas obras deveriam estar disponíveis no Brasil. É a Ales, um dos romances de Fosse, acaba chegar ao País pela Companhia das Letras. Já no final de outubro, a editora Fósforo publica o livro Brancura.


*Julia é estagiária sob supervisão de Charlise Morais

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