Como um livro de 1933 sobre judeus na mágica, escrito por uma vítima do Holocausto, foi redescoberto

Obra de Guenther Dammann tinha 100 páginas e foi a primeira tentativa de inventariar os grandes mágicos judeus, vivos e mortos. Décadas depois, ela foi encontrada por Richard Hatch, um então estudante de física; conheça a história

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Por David Segal (The New York Times)
Atualização:

Richard Hatch estava pesquisando no catálogo de fichas da Sterling Memorial Library da Universidade de Yale, em busca de títulos intrigantes sob a palavra-chave “Mágica”. Corria o ano de 1979 e Hatch era um jovem estudante de pós-graduação em física, mas desde muito cedo nutria uma paixão amadora pelas artes mágicas e, naquele dia, preferia ler sobre truques de mágica do que sobre mecânica quântica.

Sua busca parou quando ele viu a ficha de um livro chamado Die Juden in der Zauberkunst. Hatch tinha passado quatro anos da juventude na Alemanha e, por isso, traduziu o título de imediato: “Judeus na Mágica”. A ficha dizia que o livro tinha sido escrito por alguém chamado Guenther Dammann e publicado em Berlim no ano de 1933.

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Hatch se deteve por um instante: um livro alemão sobre judeus na mágica, publicado no mesmo ano em que os nazistas assumiram o poder e começaram a queimar livros “não alemães” em fogueiras por todo o país. Parecia óbvio. Devia ser um tratado antissemita, identificando os judeus para facilitar a perseguição do governo e para que as pessoas os evitassem.

Que horrível, pensou Hatch. Então ele decidiu procurar um livro de mágica que realmente quisesse ler.

Hatch chegou a obter dois diplomas de pós-graduação em física, mas deixou a área em 1983, depois de perceber que seu ardor pela mágica tinha superado completamente seu interesse pela ciência. Ele se tornou “desilusionista” em tempo integral, como ele mesmo diz. Enquanto aprimorava sua arte e procurava lugares onde se apresentar, traduziu um livro alemão de 1942 sobre o famoso mágico austríaco J.N. Hofzinser. Isso chamou a atenção de um colecionador de livros judaicos e de mágica, que o encorajou a traduzir uma fascinante raridade que havia adquirido: Die Juden in der Zauberkunst.

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Richard Hatch segura uma cópia de 'Judeus na Mágica' (Die Juden in der Zauberkunst) em Logan, Utah, em 27 de março de 2024.  Foto: Russel Daniels/The New York Times

“Foi aí que percebi que o livro era sobre as grandes contribuições que os judeus fizeram à mágica”, disse Hatch em entrevista.

Dammann, ao que parece, era um judeu e mágico amador, filho de um banqueiro abastado, que morava com a família em Berlim quando publicou seu livro por conta própria, aos 23 anos. O livro tinha 100 páginas e, segundo os historiadores, foi a primeira tentativa de inventariar os grandes mágicos judeus, vivos e mortos.

O livro foi um exercício de orgulho étnico em um momento delicado – e é um artefato singular de uma vida interrompida. Em 1942, Dammann e cerca de 800 outros judeus foram transportados em vagões de trem para Riga, na Letônia, onde, segundo registros nazistas, foram fuzilados logo na chegada.

Hatch, que vive em regime de semi-aposentadoria em uma cidadezinha no norte de Utah, terminou sua tradução para Jews in Magic quatro anos atrás e está planejando como publicá-la, com notas e fotografias. Aos 68 anos, é uma espécie de sociedade de preservação histórica dedicada a Dammann.

Judeus na mágica

Desde a morte de Dammann, o número de mágicos judeus só tem aumentado. Entre os notáveis: David Copperfield, David Blaine, Ricky Jay, Teller – que é a metade silenciosa da dupla Penn & Teller – e Uri Geller, que, vale registrar, há muito tempo nega que seu truque de entortar colheres seja um truque. Gloria Dea, nascida Gloria Metzner, foi a primeira mágica a se apresentar em Las Vegas. Max Maven, nascido Philip Goldstein, foi um dos mentalistas mais admirados do mundo.

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Por que os judeus tiveram tanto destaque na mágica? Em seu livro, Dammann não faz especulações. Então, em janeiro, visitei a MagiFest, uma das maiores convenções de mágicos do país, realizada anualmente em Columbus, Ohio. Fui ouvir uma palestra de Hatch sobre Dammann.

Richard Hatch foi criado como mórmon, mas deixou a igreja muitos anos atrás. Quando lhe perguntaram por que ele passou tanto tempo estudando um judeu vítima do Holocausto, ele fez uma piadinha.

“Meu avô era polígamo e sua primeira esposa era judia”, disse ele. “Mas minha avó era a segunda esposa. Por isso, gosto de dizer que quase fui judeu”.

Richard Hatch em Logan, Utah, em 27 de março de 2024. Hatch desistiu de uma carreira como físico para se tornar mágico e começar uma sociedade de preservação histórica dedicada a um autor alemão morto no Holocausto. Foto: Russel Daniels/The New York Times

Mais seriamente, ele disse que ficou fascinado com a reação ao nazismo dentro da comunidade mágica da Alemanha, que rapidamente se dividiu entre simpatizantes nazistas e judeus. E achou a história da vida de Dammann um mistério irresistível: quem era esse cara? E por que ele escreveu um livro sobre judeus e mágica em um dos momentos mais sombrios da história?

Hatch respondeu a estas e outras perguntas durante uma tarde de sexta-feira em sua apresentação sobre Dammann no MagiFest.

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Ele explicou que o interesse de Dammann pela mágica começara quando ele tinha 12 ou 13 anos e que um ilusionista aposentado e amigo da família chamado Ernest Thorn – que mais tarde apareceria em Jews in Magic – virou seu mentor. Aos 21 anos, Dammann entrou para o Círculo Mágico da Alemanha, um híbrido de sociedade profissional e organização fraternal, embora também houvesse integrantes mulheres. Inspirado pelos livros biográficos que lia, Dammann decidiu escrever Jews in Magic.

Ele entendia claramente os perigos do projeto. Como Hatch disse à plateia de cerca de 700 pessoas, Dammann pediu permissão a profissionais vivos para incluí-los no livro, geralmente pelo correio. Ao que parece, alguns disseram não.

Hatch calcula que Dammann imprimiu 500 cópias de seu livro e que vendeu pouco. As raras publicações sobre mágica que mencionaram Jews in Magic – as cópias eram enviadas por Dammann, que também cuidava da publicidade – ficaram surpresas com sua mera existência. Em 1933, a Alemanha estava se tornando uma ditadura. Em setembro daquele ano, os judeus foram proibidos de se apresentar no palco para públicos não judeus e o número de judeus nas universidades alemãs já havia se reduzido drasticamente. As famosas Leis de Nuremberg, que privavam os judeus dos direitos civis e da cidadania, viriam dois anos depois.

Richard Hatch realiza um truque com o ovo nas costas em Logan, Utah, em 27 de março de 2024. Foto: Russel Daniels/The New York Times

Os pais de Dammann morreram antes de 1937 – não se sabe em que circunstâncias – e a casa da família foi esvaziada e confiscada no ano seguinte. Gunther e seus dois irmãos tentaram fugir para a Palestina.

“Eles tentaram vender seus bens, que obviamente eram menos consideráveis do que antes”, disse Hatch ao público da palestra do MagiFest, que ele apresentou com uma série de slides projetados em uma tela enorme. “Foram pegos nessa tentativa. Esta é a foto do registro policial do irmão mais novo dele”.

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Gunther fez trabalhos forçados em uma fábrica da Siemens em Berlim, onde colocava revestimento de borracha em cabos. Nenhum dos irmãos Dammann sobreviveu à guerra. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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