Livros do chão até o teto, em todas as paredes, cantos e degraus da escada. O preço anotado a lápis na folha de rosto. Páginas mais ou menos folheadas. Encadernação amassada, ou não. Obras raras, esgotadas ou lançamentos. Às vezes, um cheirinho de poeira. Às vezes, não. Livro usado, com umas histórias por trás de sua história. Os sebos sempre ganharam das livrarias nos quesitos economia e variedade. E para um leitor voraz ou um estudante equilibrando suas economias, isso bastava.
Os novos sebos de São Paulo, como o Pura Poesia, no Ipiranga, inaugurado em novembro em novo espaço, e o Sebinho da Helô, que abre as portas oficialmente neste sábado, 11, em Mirandópolis, porém, prometem algo mais. Um sorvete, um drinque, um almoço preparado pelo vizinho que é chef, uma parede instagramável, uma poltrona que guarda a memória de sua dona e dos encontros com os amigos escritores em sua casa.
Essa poltrona e o tapete, as estantes, os quadros e, claro, os livros que povoam o Sebinho da Helô, na Rua das Camélias, num bairro residencial fora do mapa dos paulistanos e que não contava com nenhuma livraria, vieram da casa de uma das mais renomadas tradutoras brasileiras – Heloisa Jahn, que morreu em junho de 2022, aos 74 anos, vítima de um AVC.
Ela queria abrir um sebo, um lugar em que pudesse ter uma mesa de trabalho – que interromperia para conversar com quem chegasse ali. E ela vinha pensando em trocar a Avenida Paulista por uma casinha na região para ficar mais perto dos netos, cuidar de um jardim.
Maria Guimarães, de 50 anos, e o irmão Antonio de Macedo, de 45, levaram a ideia adiante e são os responsáveis pelo sebo que vai vender, neste primeiro momento, a biblioteca da mãe, incluindo os livros que ela traduziu (de Jorge Luis Borges e Julio Cortázar a Louise Glück) ou editou (na Brasiliense, Companhia das Letras ou Cosac Naify). Estão previstos eventos culturais no local, que terá um café e almoços (com reserva prévia).
Quem passou por ali nos últimos dias pôde entrar e conhecer o espaço – e, neste soft opening em que os irmãos estavam testando o horário e avançando na catalogação do acervo, 70 livros foram vendidos.
Uma vizinha pediu um clube de leitura. Vai ter. Outra perguntou se poderia dar aula de bordados lá. Vai dar. Mais embaixo na rua, um morador faz cerveja artesanal, que poderá ser comprada ali. Na inauguração, outros vizinhos estarão lá com seus queijos e quitutes. Passado o agito da abertura, os proprietários vão procurar as escolas vizinhas para ver como podem colaborar. Parece uma notícia de outros tempos, mas reflete um “novo” jeito de viver – local, comunitário e sustentável.
“Queremos que este seja um espaço afetivo em torno do livro, como sempre foi a casa da minha mãe, e o livro usado exala isso”, comenta Maria. “E que seja um ponto de encontro, onde as pessoas se sintam à vontade para folhear, sentar, tirar o sapato, ficar”, diz Antonio, que vai estar ali no dia a dia e, nas horas vagas, seguindo os passos da mãe, vai traduzir livros.
Ah, o nome sebinho não vem do tamanho do sebo – são 30 m², pé-direito alto e 5 mil volumes –, mas do passarinho amarelo. Era um desejo da Helô.
Pura Poesia, no Ipiranga
Durante quatro anos, o sebo Pura Poesia foi uma portinha na Rua dos Patriotas que só era aberta aos domingos. Uma espécie de extensão da casa de Alexandre Ribeiro, engenheiro de 44 anos, e Gisele de Oliveira Paiva, secretária executiva de 43, mas o casal precisou devolver o ponto e o hobby virou um negócio de sucesso, com faturamento mensal de cerca de R$ 100 mil, a poucos passos dali, na Costa Aguiar.
Pertinho do Museu do Ipiranga, ele tem ficado lotado e a movimentação assustou Gisele, que precisou limitar a entrada e apressou a reforma de uma sala no quintal, com mesas para consumo, para dar mais espaço de circulação para quem vai garimpar livros. Um detalhe: eles não são catalogados – é para garimpar mesmo.
“O lugar ficou muito instagramável. Essa não era a nossa vibe. Sempre valorizamos mais o livro”, comenta Gisele sobre seu doce problema.
O sebo também vende vinil, CD e DVD e objetos literários, como minibustos de escritores feitos por um artista do bairro.
Aliás, a busca ali também é pela valorização de artistas e produtos locais. O sorvete, por exemplo, é da Damp, fundada em 1970, no Ipiranga. O sebo serve ainda sanduíches e drinques, todos com nome de escritores, vinho, café, etc. Para as crianças há um cantinho especial embaixo da escada.
Tucambira, em Pinheiros
O Tucambira, do escritor Bernardo Ajzenberg, aberto em plena pandemia numa charmosa casinha roxa de janela amarela numa região cheia de novos empreendimentos, vai na contramão do Sebinho da Helô e do Pura Poesia. Ali não tem espaço nem para uma máquina portátil de café. É livro para todos os lados, nos dois andares. Um paraíso para os leitores, meio como a lendária Shakespeare & Co. de Paris, que vale o passeio.
“Faço questão de ocupar todos os espaços com livros. Dá uma sensação boa ver tanta coisa. Estar ali é uma forma de você se sentir perdido, mas sempre esperançoso de descobrir alguma surpresa. Sebo tem de proporcionar esse tipo de surpresa. A pessoa entra e não consegue sair”, diz o livreiro.
Sebos de São Paulo
- Sebinho da Helô
Rua das Camélias, 571 – Mirandópolis. 4.ª a sáb., 11h/19h
- Sebo Pura Poesia
Rua Costa Aguiar, 1.112 – Ipiranga. 4.ª a dom., 11h/19h
Sebo Tucambira
Rua Tucambira, 53 – Pinheiros. 2.ª a sáb., 10h30/19h
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