Embora não tenha tido o impacto do diário clássico de Anne Frank, o diário de outro adolescente da Segunda Guerra Mundial há muito tempo fornece uma imagem vívida das misérias da vida em um gueto judeu e das maneiras impressionantes com que seus habitantes condenados resistiram.
Agora, a partir desta quarta, 17 de julho, o YIVO Institute for Jewish Research (Instituto YIVO de Pesquisa Judaica), na cidade de Nova York, concentrará sua atenção no diário do adolescente Yitskhok Rudashevski, tornando-o a segunda parte do que o instituto chama de “museu online” da história judaica. Para acessá-lo (em inglês), clique aqui.
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Em junho de 1941, aos 13 anos, Yitskhok começou a registrar a vida cotidiana em Vilnius, Lituânia (Vilna no idioma iídiche). Ele registrou a tomada da cidade pelo exército alemão de seus ocupantes soviéticos, descrevendo o confinamento dos 55 mil judeus de Vilnius em dois guetos e documentando os primeiros relatos de massacres sistemáticos no subúrbio florestal de Ponar, onde, por fim, 70 mil judeus, 8 mil prisioneiros de guerra soviéticos e 2 mil intelectuais poloneses foram mortos a tiros ou metralhados por esquadrões de extermínio nazistas chamados de “einsatzgruppen” e voluntários lituanos.
Yitskhok foi assassinado em Ponary em outubro de 1943. Seu primo localizou o diário, escrito em iídiche, em um esconderijo em um sótão e o entregou ao poeta Abraham Sutzkever, que havia resgatado dezenas de livros, manuscritos e cartas valiosos da biblioteca original do YIVO em Vilna. O diário já foi exibido antes, em especial em uma tradução hebraica no Yad Vashem, em Israel, mas não em um texto completo em inglês e não com uma nova tradução de Solon Beinfeld.
Alexandra Zapruder, a co-curadora da exposição online, disse que o diário era notável dentre os 85 diários do Holocausto escritos por adolescentes judeus por sua eloquência juvenil. “Ele era um talento literário extraordinário,” disse ela. “Tendo lido dúzias de diários de adolescentes, poucos atingem esse nível de habilidade literária, domínio da linguagem e espírito de observação.”
O diário difere do de Anne Frank, disse Zapruder, porque detalha a ampla narrativa dos judeus de toda uma cidade, enquanto o isolamento de Anne com membros da família e outros em um “anexo secreto”, levou-a a cronizar essa experiência claustrofóbica.
A exposição, A Teenager’s Account of Life and Death in the Vilna Ghetto [”O Relato de um Adolescente Sobre a Vida e a Morte no Gueto de Vilna”, em português], usará uma variedade de materiais para explorar o diário e suas implicações, incluindo animação, HQs, dramatizações em vídeo e outras características interativas, disse o instituto.
O diário de Yitskhok começa com uma exuberante descrição de um encontro de seu grupo juvenil comunista, os Pioneiros. Mas sua camaradagem é subitamente despedaçada pelo uivo de sirenes e o estrondo de bombas. Dentro de semanas, judeus são ordenados a deixar suas casas para dois guetos.
“É uma imagem da Idade Média,” escreve Yitskhok. “Uma grande massa negra de pessoas move-se, segurando seus grandes fardos. Entendemos que logo será a nossa vez. Olho para o quarto desordenado, para os fardos, para as pessoas sobrecarregadas, desesperadas.” A família de Yitskhok foi amontoada em um apartamento que tinha de compartilhar com outras famílias.
“Além de nós quatro, há 11 pessoas na sala”, ele escreveu. “A sala está suja e lamacenta. É apertada. A primeira noite no gueto. Três de nós deitamos em duas portas. Eu não durmo. Meus ouvidos estão cheios com o lamento deste dia. Ouço a respiração inquieta das pessoas com quem fui tão repentinamente jogado junto, pessoas que, como eu, foram abruptamente arrancadas de suas casas.”
Apesar da má nutrição e da péssima sanidade que os habitantes sofreram nos meses seguintes, eles organizaram escolas, e clubes juvenis, publicaram um jornal, organizaram uma exposição sobre um poeta popular e celebraram o empréstimo do 100.000º livro da biblioteca do gueto.
“Às nove horas, nos reunimos na cozinha”, ele escreveu sobre um evento social onde um kugel de batata foi dividido. “Olho ao redor para os presentes. Todos eles nossos mais queridos professores, amigos e camaradas. Parece tão íntimo, tão caloroso, tão agradável. Esta noite mostramos quem somos e o que podemos fazer.”
“Até tarde da noite cantávamos junto com os adultos canções que falam sobre juventude e esperança”, ele escreveu. “Estávamos tão felizes, tão felizes.” “Mostramos que não será uma juventude quebrada que emergirá do gueto.”
Em abril, o destino deles tornou-se claro. Chegaram notícias de que 85 vagões de trem cheios com 5 mil judeus foram levados para Ponary, onde foram mortos a tiros em fossos destinados ao armazenamento de combustível.
“O gueto foi profundamente abalado, como se atingido por um trovão”, escreveu Yitskhok. “O clima de massacre tomou conta da população.”
“As garras do gavião apareceram diante de nós novamente”, ele escreveu. “Pessoas sentam-se confinadas em uma caixa e do outro lado espreita o inimigo, que está se preparando para nos aniquilar de maneira refinada de acordo com um plano, como o massacre de hoje mostrou.”
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