Disfarce ilustrado: por que livros com conteúdo erótico estão sendo vendidos com capas ‘fofas’?

Ilustrações coloridas são a nova tendência e fazem contraste aos modelos seminus que antes estampavam histórias de romance com trechos explícitos; ‘Estadão’ conversou com editoras e autora best-seller para entender fenômeno

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Foto do author Julia Queiroz
Atualização:

Uma onda de livros que parecem seguir a mesma regra tem feito sucesso entre os fãs de romance: obras com capas ilustradas, que frequentemente nos remetem às sensações de fofura ou diversão. O que talvez seja inesperado para um leitor desavisado é que, no texto, muitos deles possuem cenas com descrição de sexo explícito.

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É o caso, por exemplo, de A Hipótese do Amor (2022), título que é fenômeno absoluto no TikTok e vendeu mais de 100 mil exemplares no Brasil em pouco mais de seis meses, segundo a editora Arqueiro, selo do grupo Sextante.

Na capa, vemos o desenho de um homem e uma mulher se beijando. Ele aparenta estar espantado pela situação, enquanto ela fecha os olhos e apoia os braços em seu pescoço. Os dois vestem jalecos e, ao fundo, materiais de laboratório aparecem apoiados em uma bancada.

Capa do livro 'A Hipótese do Amor', da escritora Ali Hazelwood. Foto: Arqueiro/Divulgação

A imagem promete o que o livro entrega: um romance divertido entre dois cientistas. Mas lá pelo capítulo 17, quando os protagonistas finalmente se entregam à atração, o que poderia ficar para a imaginação dos leitores é prontamente descrito pela autora Ali Hazelwood.

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A italiana é um dos maiores sucessos da Arqueiro, assim como a escritora espanhola Elena Armas, que publicou romances como Uma Farsa de Amor na Espanha (2022) e Um Experimento de Amor em Nova York (2023), também populares no TikTok.

Os títulos seguem a mesma ideia: um homem e uma mulher ilustrados na capa, ao lado de elementos que revelam um pouco das histórias, como um avião, taças de champanhe, malas de viagem ou notas musicais.

Neste texto, você vai entender os principais motivos para o sucesso dessas capas, incluindo:

  • Fadiga das capas fotográficas mais explícitas
  • Demanda dos leitores para ler em público sem se sentirem expostos
  • Estética que faz sentido com público alvo e nas redes sociais
  • Maior destaque para o romance, e menos para o erótico
  • Diálogo com outros gêneros literários

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'Uma Farsa de Amor na Espanha' e 'Um Experimento de Amor em Nova York' são os primeiros livros publicados pela autora espanhola Elena Armas. Foto: Arqueiro/Divulgação

As ilustrações são um contraste às capas fotográficas com modelos “sarados” que estampavam os livros de romance há alguns anos. Em certos casos, os exemplares exibiam algemas, cordas ou outros elementos que remetessem a um conteúdo erótico.

Capas dos livros 'Amor Intenso' (2016) e 'Cinquenta Tons de Liberdade' (2012). Foto: Editora Planeta/Divulgação e Intrínseca/Divulgação

“As capas ilustradas têm aparecido nas comédias românticas”, explica Frini Georgakopoulos, editora de aquisições da Arqueiro. “Elas começaram com essas capas um pouco mais divertidas, mas nunca levando para um lado infantil, que engane o leitor”, ela alega.

Segundo Frini, as ilustrações “dão uma dica” do que vai acontecer na história, conquistando o público pela imagem antes do que pelo conteúdo. O “spoiler” pode incomodar um leitor de fantasia ou mistério, mas não o de romance. Ele já sabe que o final da história será feliz, então quer descobrir mais sobre o caminho que o fará chegar até lá.

A nova moda

Rebeca Bolite, editora-executiva da Intrínseca, aponta que as capas “fofas e lúdicas” são uma tendência que o mercado editorial abraçou, sobretudo nos romances destinados a jovens adultos.

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“As capas com fotos sensuais, mais explícitas, acabaram muito estigmatizadas depois do boom dos novos romances eróticos da década de 2010. Além disso, as capas que fogem a essa estética ajudam a passar a mensagem de que o romance erótico não é um gênero menor e que pode dialogar com outros gêneros para jovens adultos”, diz.

Há também o fato de que o erotismo e as situações mais picantes são apenas uma faceta desses livros, e acho que as ilustrações são uma forma de os autores e a editora mostrarem isso.

Rebeca Bolite, editora-executiva da editora Intrínseca

Publicada no Brasil pela Intrínseca, Tessa Bailey é um exemplo de escritora cujas obras passaram por um processo de repaginação. Ela tem três títulos disponíveis no Brasil: Aconteceu Naquele Verão (2022) - o primeiro sucesso que ela emplacou aqui -, Fisgados pelo Amor (2022) e Secretamente Sua (2023). Todos com capas ilustradas.

Capas dos livros de Tessa Bailey mostram ilustrações dos protagonistas. Foto: Intrínseca/Divulgação

Os livros mais antigos da autora, contudo, exibiam homens e mulheres seminus e deixavam claro o teor sensual da obra. Há alguns anos, a sua estética começou a mudar e seguir a nova tendência do mercado.

“No meu caso, a minha editora sugeriu a mudança para mim, mas ela já estava começando a ter efeito na indústria de romances. Haviam muitos leitores que nós não estávamos alcançando porque eles não gostavam das capas mais sugestivas”, explica Tessa à reportagem.

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Too Hot To Handle (2016) (“Muito quente para aguentar”, em tradução livre), um dos títulos da autora que, até o momento, não foi publicado no Brasil, chegou a ser relançado com uma capa nova. Segundo Tessa, a decisão foi da editora responsável pela obra, e não dela. Veja a comparação:

O livro 'Too Hot To Handle', de Tessa Bailey, foi relançado nos Estados Unidos com uma capa nova. Foto: Hachette Book Group/Divulgação

Para a escritora, a tendência vem com pontos positivos e negativos. “Por um lado, temos uma nova geração de leitores que querem capas discretas e isso é muito compreensível. Eles querem postar sobre os livros nas redes sociais e ler no metrô sem que as pessoas questionem se eles estão lendo certo título só pelo conteúdo adulto”.

“Por outro, acho que às vezes as pessoas compram esses livros esperando um romance leve e fofo e, em alguns casos, os temas são mais pesados ou as cenas são mais gráficas do que eles estavam esperando. Como as minhas são”, explica.

Ilustrações não expõem o leitor

Para as fontes consultadas pela reportagem, a tendência das capas ilustradas é fruto de uma estratégia que foi abraçada pelo mercado dos livros de romance combinada com uma demanda que já existia do público consumidor dessas obras.

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Muitos leitores não se sentiam confortáveis em ler títulos com pessoas seminuas ou com objetos eróticos na capa pelo medo do julgamento de quem estaria observando, mesmo que estivessem adorando o conteúdo. Para Frini Georgakopoulos, as ilustrações não expõem o leitor e o protegem de uma preconceito literário que ainda existe.

“Apesar de alguns desses livros terem cenas de sexo, são, acima de tudo, histórias de amor para uma leitora romântica”, aponta Rafaella Machado, editora executiva da Galera Record e da Verus, selos do Grupo Editorial Record.

“As capas fotográficas com homens sem camisa acabavam desvalorizando o fio condutor da história, que era o romance, e não o sexo. Não há nada de errado em homens sem camisa nas capas, mas hoje em dia vemos mais esse tipo de estética para livros eróticos lançados em ebook”, diz.

O leitor de romance gosta muito de sonhar, de viver aquela história de amor junto com os personagens, e muitas vezes o realismo na capa acaba quebrando essa magia para ele. Especialmente os leitores dessa geração.

Rafaella Machado, editora executiva da Galera Record e da Verus, selos do Grupo Editorial Record

Esse movimento teve influência no relançamento do livro Vergonha (2019), de Brittainy Cherry. A versão que chegou ao Brasil em 2019 exibia um modelo sem camisa na capa. Neste ano, a Record relançou o título com a ilustração de uma flor.

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“As pessoas tinham vergonha de ler Vergonha no transporte público, comentavam isso conosco, e resolvemos reposicionar o livro, focando no romance e deixando o físico do protagonista para a imaginação de cada leitora”, explica Rafaella. “As leitoras amaram, a recepção foi muito positiva e as vendas estão aumentando, chegando em outro público”.

Vale pontuar que, após o relançamento, um aviso de classificação indicativa foi adicionado à sinopse do livro no site da editora. “Apesar de não ser obrigatório, é cada vez mais importante sinalizar para quem é o livro e não deixar que o leitor julgue a classificação indicativa pela ilustração na capa”.

Após relançamento com capa mais discreta, livro 'Vergonha' ganhou aviso de classificação indicativa na sinopse. Foto: Record/Divulgação e Reprodução de tela/record.com.br

Precisamos facilitar o trabalho do livreiro na hora de expor o produto e sermos transparentes com o leitor sobre o que ele vai encontrar naquele livro em particular.

Rafaella Machado, editora executiva da Galera Record e da Editora Verus

Por que as capas fofas fazem sucesso?

São vários os fatores que explicam o sucesso atual das capas ilustradas. Rafaella aponta que a estética faz sentido para o público que mais consome os romances, que são a geração dos millenials, que têm entre 26 e 40 anos.

“São pessoas antenadas em estética, em tudo o que bomba online e mais românticos e mais lúdicos que a geração X, que a antecede. Gostam de ilustração mais estilizada, com um traço mais livre, gostam de imaginar os personagens”, diz.

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Essa linguagem é combinada com o uso de redes sociais como o Instagram e, principalmente, o TikTok, que são muito visuais e acabaram por apresentar esses livros para um novo público nos últimos anos. Não é por acaso que títulos como A Hipótese do Amor e Aconteceu Naquele Verão sejam sucessos nessas plataformas.

Frini Georgakopoulos lembra que muitas pessoas começaram a ler durante a pandemia de covid-19 e que as ilustrações, ou até mesmo vídeos virais que apresentam livros por meio da estética deles, foram essenciais para atrair esses novos leitores.

“É muito simples para quem já é leitor falar que não precisa de ilustração, que já imaginou tudo. Mas para uma geração que não tem essa conexão com o livro ainda, o visual ajuda muito a falar: ler é legal, não é chato, você vai se divertir e sentir um monte de coisas”, argumenta.

Para Marina Castro, editora da Paralela, selo da Companhia das Letras, a estética facilita “a identificação do leitor e comunica bem o conteúdo do livro”. “Pode notar que você bate o olho na capa e sabe imediatamente que se trata de um romance e já associa com outros livros do gênero que conhece”.

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Ela também destaca que as ilustrações costumam comunicar ao público quem serão os protagonistas daquela história, o que é muito importante para romances que abraçam a diversidade.

“Em Acorda pra vida, Chloe Brown, da Talia Hibbert, por exemplo, a protagonista Chloe não tem uma aparência considerada padrão, e a capa deixa isso claro – de um jeito muito positivo”, cita Marina.

Capa do livro 'Acorda pra vida, Chloe Brown', de Talia Hibert, lançado pela Paralela. Foto: Companhia das Letras/Divulgação

Talia, inclusive, é outro exemplo de escritora que teve a estética das capas alterada recentemente. Os seus livros contém conteúdo direcionado para maiores de 18 anos, mas também abordam questões raciais e representatividade de pessoas com deficiência.

Vale pontuar que as capas fofas não estão presentes somente nos livros que retratam romances heteroafetivos, apesar destes ainda serem dominantes na indústria. Se você estiver prestes a ler um romance LGBT+, isso também costuma estar claro nas ilustrações.

É o caso de Vermelho, Branco e Sangue Azul (2019), de Casey Mcquiston, que virou um filme disponível no Amazon Prime Video e possui diversas cenas mais quentes ao longo da trama, ou de Procura-se um namorado (2021), de Alexis Hall, que já vendeu mais de 15 mil exemplares, segundo Marina.

Livros de romance LGBT+ também fazem sucesso com capas fofas: são exemplos 'A estratégia do charme' e 'Procura-se um namorado', publicados pela Paralela, e 'Vermelho, Branco e Sangue Azul' e 'Última Parada', da Seguinte. Foto: Paralela/Seguinte/Divulgação

“O grande trunfo das capas ilustradas é focar nesse aspecto romântico do livro, que pode ficar ofuscado quando se diz que uma obra tem cenas de sexo. As capas fofas deixam isso explícito e acabam atraindo mais leitores. Afinal, quem não gosta de um bom romance?”, diz Marina.


*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

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