Do personagem aos ilustradores, livro 'Joca e Dado' busca a inclusão de pessoas com deficiência

Livro do empresário Henri Zylberstajn, ilustrado por deficientes intelectuais do estúdio La Casa de Carlota, será enviado para assinantes do Leiturinha e depois vendido

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues

A história não é incomum. Uma família é surpreendida com um diagnóstico antes ou depois do parto e a experiência de ter um filho que requer cuidados especiais ao longo da vida vira matéria-prima para um livro. Relato, diário, autoajuda. Às vezes um infantil. Mas o que aconteceu com Henri Zylberstajn, de 41 anos, pai de Pedro, o Pepo, de 3 anos, é algo raro. Joca e Dado - Uma Amizade Diferente, o livro que o empresário escreveu depois que já havia se recuperado do baque que foi a descoberta de que seu terceiro filho tinha síndrome de Down, está sendo lançado com uma tiragem inicial de nada menos do que 45 mil exemplares (e em audiolivro). Para se ter uma ideia, uma tiragem-padrão de um livro infantil chega, com sorte, a 5 mil cópias.

Henri Zylberstajn, autor de Joca e Dado, com o filhoPedro, de 3 anos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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A obra foi selecionada pelo edital de originais do Leiturinha e agora o debate sobre respeito e sobre inclusão de pessoas com deficiência física ou intelectual entra na casa dos assinantes do maior clube de livros infantis do País e, em breve, poderá ser comprado também por não assinantes na livraria virtual do clube. 

Na história, Joca é um menino reservado que não tem muitos amigos. Dado é cheio de energia e gosta de interagir com todas as pessoas. Eles se tornam amigos e Joca, que fica feliz em ajudar Dado a aprender a falar o nome das frutas e das cores e que aprende muitas outras coisas com ele, começa a questionar os pais por que o amigo tem os olhos puxados ou fica às vezes com a língua para fora. Ouve que Dado, que tem síndrome de Down, é diferente e que ele não deve se preocupar com isso.

“Eu queria trazer duas mensagens: mostrar a importância do convívio com a diversidade desde cedo e como todos se beneficiam disso e a importância de os pais, principalmente de crianças sem deficiência, se envolverem e darem a devida atenção quando ele surge em casa”, comenta Henri Zylberstajn, empresário, empreendedor social e fundador do Instituto Serendipidade. E ele cita essa passagem em que Joca procura os pais para explicar que o modo como vamos lidar com as diferenças começa aí. 

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“As crianças não nascem com preconceito. Quando elas começam com 4, 5, 6 anos a perceber a diferença, elas vão para o porto seguro delas, para casa, e fazem suas perguntas. Dependendo de como a explicação é dada, isso pode dar margem à aceitação ou ao preconceito”, diz.

Isso tudo ele foi aprendendo aos poucos. Depois que Pedro nasceu, Henri tirou um sabático, foi ler e estudar. Perdeu o medo, parou de questionar por que aquilo tinha acontecido com ele e reviu suas opiniões. “Entendi que tê-lo conosco era uma oportunidade de enxergar o mundo de outra forma.” 

A partir desse entendimento e elaboração, uma outra história começou. “Jurei para mim mesmo que ninguém nunca ia olhar para o meu filho ou para outras crianças com síndrome de Down da mesma forma que eu olhava para essas pessoas antes de ter o Pedro. Eu não tinha preconceito discriminatório. Cresci numa família que sempre me ensinou a respeitar o que era diferente, mas que infelizmente não me deu de fato a oportunidade de viver o que era diferente. E me refiro também a raça, religião e condição social diferentes da minha.”

Ilustração do livro Joca e Dado, que fala sobre inclusão e convivência Foto: La Casa de Carlota

Sobre a escolha de Joca e Dado para o catálogo do Leiturinha, a curadora Cynthia Spaggiari explica que a publicação colabora para o fortalecimento de uma situação social que possa ser cada vez mais respeitosa em relação a tudo o que a princípio possa nos parecer diferente. “Entendo que a literatura infantojuvenil, a educação, os núcleos familiares e todas as manifestações artísticas são ambientes perfeitos para expandir as discussões e ações em favor da inclusão e da diversidade. Isso é fundamental não apenas para o mercado editorial, mas também para a formação das próximas gerações.” 

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Ela continua: “Como mãe – também de uma pessoa com deficiência –, é emocionante saber que a pauta da inclusão chegará a tantas famílias, como exemplo e a esperança de que o lema ‘nada sobre nós, sem nós’ possa ser efetivamente realizado”. E aqui a história ganha contornos ainda mais interessantes. As ilustrações foram feitas por jovens profissionais do estúdio La Casa de Carlota durante a pandemia. Todos com algum tipo de deficiência intelectual.

 “Não acredito em nada do que é construído com o objetivo que temos, que é falar de minorias, quebrar barreiras e diminuir preconceitos, sem representatividade”, comenta Henri Zylberstajn. Criado na Espanha, o estúdio tem em sua equipe criativa, aqui, seis profissionais com diferentes tipos de deficiência intelectual, além de três designers/diretores de arte.

Esta foi a primeira encomenda para um livro comercial que a agência recebeu, e a diretora Luiza Laloni, que escolheu os artistas em um processo seletivo na Apae em meados de 2019, reuniu os jovens online para um workshop criativo. Conversaram sobre a história e sobre as diversas técnicas que seriam usadas – já que esse é um livro sobre o poder das diferenças. 

Eles então fizeram o trabalho em casa, com papel cortado, giz de cera e tinta: criaram os personagens, os cenários, escolheram cores. Periodicamente alguém passava para recolher os desenhos – e os designers gráficos iniciavam a parte deles, pegando um pedaço daqui e outro dali, um olho feito por um e uma boca feita por outro, para criar as ilustrações. 

É difícil, hoje, dizer se foi Tais, Roberto, Lucas, Danyel, Feliphe, Layla, Diego ou Francesca quem desenhou isso ou aquilo. O trabalho foi mesmo coletivo. Mas dá para saber, por exemplo, que Dado está cercado de dadinhos porque Danyel Mendes, 23, ficou encafifado quando na leitura apareceu um ‘Dado disse’. “O Dany é muito literal e ele tem esse olhar para tudo o que ele recebe, o que é interessante criativamente”, diz Luiza. 

Danyel Mendes, um dos ilustradores de 'Joca e Dado', gosta de ler e já ilustrou outros livros em casa Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O desenho surgiu na vida de Danyel antes de ele ser descoberto pela Casa de Carlota. Em conversa com o Estadão, ele lembra que ficava desenhando na diretoria enquanto esperava a perua para voltar para casa. Gosta de livros. Já ilustrou, por vontade própria, João e o Pé de Feijão e O Gato de Botas.

“Gosto de ler e trocava livros com uma professora, mas, por causa do coronavírus, não posso mais. E gosto de fazer livros, mas não é tão fácil. Tem que fazer bem as páginas”, diz.

Tais Araujo, de 25 anos, teve uma experiência profissional antes, trabalhando com arquivo. Com o novo emprego, sua vida ganhou um colorido novo, já não saía mais de casa sem maquiagem e os sonhos ganharam outra dimensão. Agora, ela quer fazer faculdade de fisioterapia (algo que a ajudou a recuperar o movimento de uma das pernas) e ser terapeuta ocupacional e professora de espanhol.

Conversando com a reportagem, Tais conta passagens de uma infância difícil na escola, onde não encontrou ajuda ou amigos e ficava relegada à sala dos alunos especiais, sem fazer nada – num possível diálogo com a história, que, segundo Luiza, não ocorreu entre os artistas antes. “Foi bacana fazer esse trabalho. Desenhei com meus amigos, gostei da professora Maria Vitória, personagem do livro.”

A autoestima de Tais Araujo aumentou depois do trabalho criativo e hoje ela tem novos sonhos Foto: Juliano Palma Gomes

Para Luiza Laloni, não se trata de criar um novo espaço para as pessoas com deficiência trabalharem. “A ideia é que eles ocupem o espaço, o espaço de uma agência de publicidade e design que trabalha para empresas como Facebook e Danone, fazendo o trabalho deles. Isso é incrível.”

Lançamento de 'Joca e Dado' e doação

Após o envio para os assinantes, Joca e Dado será vendido na livraria virtual do Leiturinha e a renda será doada para o Instituto Serendipidade, cujo objetivo é transformar o olhar da sociedade sobre a questão da inclusão.

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