Editora portuguesa Assírio & Alvim chega ao Brasil com coletânea inédita de Fernando Pessoa

Ao 'Estadão', casa editorial revela que pretende lançar dez livros no País até julho, incluindo 'Sobre a Arte Literária', com textos do autor português

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Foto do author Ubiratan Brasil

Desde 1999, o 21 de março é lembrado como o Dia Mundial da Poesia, após uma decisão da Unesco. Mas, a partir desta segunda, 21, a data vai marcar também o anúncio oficial da chegada ao Brasil da Assírio & Alvim, uma das mais respeitadas editoras portuguesas, que comemora 50 anos em novembro. E, para marcar o nascimento da Assírio & Alvim Brasil, serão lançados dois livros no início de abril.

O primeiro é motivo de muita festa: Sobre a Arte Literária, coletânea de textos de Fernando Pessoa sobre o ato da escrita, inédita no Brasil. Na sequência, será lançado Inferno, de Pedro Eiras, inspirado na obra de Dante Alighieri.

O poeta português Fernando Pessoa Foto: Wikimedia Commons

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“Pessoa era um escritor de fato, transitando por vários gêneros, inclusive o ensaio, como é o caso deste livro que reflete suas ideias sobre o próprio ofício. Há textos inclusive dos seus diferentes heterônimos sobre o mesmo tema, o que torna a obra ainda mais fascinante”, observa o autor e editor brasileiro Thales Guaracy, que acertou com a casa portuguesa sua vinda ao País. “Já Inferno é uma obra primorosa, de um autor jovem, muito respeitado em Portugal. Com esses dois livros, queremos deixar sinalizada a nossa proposta, que é a de lançar obras clássicas e de grandes autores e, ao mesmo tempo, trabalhos contemporâneos, sobretudo poesia, da mais alta qualidade.”

Guaracy teve a ideia de trazer a Assírio & Alvim para o Brasil no final do ano passado, quando esteve na Feira do Livro em Lisboa. Ele finalizava um livro de poesia, gênero no qual a editora portuguesa é referência. Assim, além de cogitar a publicação de sua obra por aquele selo, Guaracy imaginou um passo mais ousado: trazê-lo para o Brasil.

“Conversei com Vasco Teixeira, um dos administradores do Grupo Porto, do qual a Assírio & Alvim faz parte, e meu interesse coincidiu com o deles, ligado a uma série de eventos, como a comemoração dos 50 anos da editora, além da homenagem a Portugal que vai acontecer na Bienal do Livro de São Paulo, em julho.”

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Guaracy foi diretor editorial da Saraiva, passagem em que obteve sucesso, especialmente com a criação do selo Benvirá, que apostou em nomes hoje consagrados, como o escritor Raphael Montes. Agora, à frente da Autores e Ideias Editora, ele vai comandar os lançamentos da Assírio & Alvim Brasil, com distribuição da Círculo. “Temos prevista a edição de dez livros até a Bienal do Livro, em julho. E alguns nacionais já estão contratados ou apalavrados.” 

Leitor brasileiro

Um outro detalhe fundamental na conclusão do acordo foi o interesse do leitor brasileiro. “São Paulo é a segunda cidade de onde chegam mais visitantes ao nosso site, recebemos todos os meses muitas propostas de publicação enviadas por autores brasileiros e todos os dias e-mails a perguntar onde adquirir este ou aquele livro no Brasil”, comenta o editor português Vasco David. “A poesia é o fio condutor e o princípio unificador.”

De fato, apesar de reunir autores e obras de referência, da ficção ao ensaio, da literatura infantil às artes plásticas, a Assírio & Alvim é conhecida como a maior e mais importante publicadora de poesia em Portugal – em especial, a de Fernando Pessoa. Daí a decisão de ser dele a primeira obra a ser lançada no Brasil.

O poeta, crítico, tradutor e gigante do modernismo português Fernando Pessoa. Foto: Acervo José Paulo Cavalcanti Filho/Thiago Lubambo

“Sobre a Arte Literária reúne vários textos que, em conjunto, apresentam ao leitor aquilo que Pessoa pensava acerca da literatura”, observa David. “São fundamentalmente reflexões sobre a essência, a história e o futuro da literatura. Neste livro, surgem publicados pela primeira vez três textos de Pessoa.”

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O poeta

A obra traz desde considerações estéticas (como nos artigos A Poesia É uma Imitação da Natureza e A Arte É a Notação Nítida) até observações sobre James Joyce, Goethe, Edgar Allan Poe e outros. Há também textos assinados por heterônimos como Ricardo Reis (Milton Maior do que Shakespeare), Alberto Caeiro (Sobre a Prosa e o Verso) e Álvaro de Campos (A Incompreensão do Ritmo Paragráfico).

“A teoria, em Pessoa, é um diálogo entre teorias e uma permanente experimentação dos seus limites”, escrevem no prefácio os organizadores do volume, Fernando Cabral Martins e Richard Zenith. “A literatura e a arte são para Pessoa uma matéria de reflexão, para além de um tópico de intervenção pública, e a sua variação é de regra, nunca cristalizando na defesa de qualquer decálogo.”

Segundo eles, ao pensar a arte literária como um conjunto de valores e de práticas, notadamente quando em diálogo com os seus contemporâneos, saudosistas ou não, Pessoa não procura nada parecido com a polêmica ou a persuasão. “Talvez se deva convocar, mais uma vez, a figura da síntese. Como se fosse possível a um escritor reivindicar para si toda a tradição e, ao mesmo tempo, a ruptura com ela.”

O próprio Pessoa expõe sua profissão de fé artística no texto que abre o volume, Um Poeta Animado Pela Filosofia: “Eu era um poeta animado pela filosofia, não um filósofo com faculdades poéticas”, escreve. “Há poesia em tudo – na terra e no mar, nos lagos e margens dos rios. Também na cidade – não o neguem – como é evidente para mim, aqui onde me sento: há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; há poesia na trepidação dos carros nas ruas, em cada movimento ínfimo, trivial, ridículo de um operário que, do outro lado da rua, pinta a tabuleta de um talho.”

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Imagem do acervo exposição Fernando Pessoa, plural como o universo. Foto: Acervo José Paulo Cavalcanti Filho /Thiago Lubambo
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