A cantora e escritora Eliete Eça Negreiros é grande admiradora – e conhecedora – da obra de Paulinho da Viola. Os discos do célebre cantor e compositor carioca, Eliete começou a ouvir desde que era criança, por incentivo do pai. Escutou tudo dele, ela conta. Já adulta, o trabalho de Paulinho da Viola se tornou seu objeto de estudo na vida acadêmica. Primeiramente, em sua dissertação de mestrado, Ensaiando a Canção – Paulinho da Viola, pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da USP, em 2002, que virou livro. Depois, em sua tese de doutorado, também pela FFLCH, que defendeu em 2012 e deu origem a outro livro, Paulinho da Viola e o Elogio do Amor, recém-lançado pela Ateliê Editorial.
Nesse ínterim entre a descoberta da música de Paulinho e, mais tarde, estudá-la como mestranda e doutoranda, Eliete lembra que houve um período em que parou de ouvi-lo um pouco. “Quando conheci o Arrigo (Barnabé), ele estava apaixonado pelo disco A Dança da Solidão (de 1972). Depois, vinha Nervos de Aço (de 73), aí voltei a escutar tudo de novo do Paulinho e não parei mais. Então, as músicas dele, eu estou sempre escutando. Não foi algo que fui buscar, fui só lembrando. Como foi na Filosofia: foi um encontro de coisas que, durante a vida, eu fui aprendendo e consegui juntar”, diz Eliete, em entrevista ao Estado.
Aliás, em Paulinho da Viola e o Elogio do Amor, a autora construiu pontes entre a obra de Paulinho e a Filosofia e a Literatura que não existiam no seu primeiro estudo. “No primeiro livro, trabalhei a análise de algumas canções, mas trabalhei mais a estrutura delas, a relação de melodia e letra”, explica a autora. “Peguei o disco Nervos de Aço e fiz uma análise do disco inteiro, tinha um pouco de Filosofia, mas não trabalhei a Filosofia explicitamente. E, no fim, esse era meu desejo secreto, porque fui descobrindo que uma das coisas que me cativam muito no Paulinho é que as músicas dele têm um potencial filosófico muito grande, que fazem você pensar na vida, que revelam coisas. Esse trabalho foi uma coisa direcionada para isso.”
No novo livro, Eliete faz um recorte da obra de Paulinho da Viola, tendo como foco canções que tratam do amor e algumas modalidades de sua representação – e, como a própria autora descreve no livro, “sua inscrição no âmbito da tradição lírica do Ocidente”. “Paulinho da Viola e o Elogio do Amor é uma reflexão sobre a lírica amorosa das composições de Paulinho, cujo eixo é a separação dos amantes. Neste livro, Eliete Negreiros revê o mito fundamental do amor romântico, formulado pela primeira vez no Banquete de Platão”, escreve a filósofa e sua orientadora Olgária Matos, no texto de apresentação. Ao longo da obra, outros grandes pensadores são usados como referência para conexões com as composições de Paulinho, como Sófocles, Michel de Montaigne, Stendhal, Fernando Pessoa, Freud, entre outros.
Eliete analisa três modalidades de amor identificadas na obra de Paulinho da Viola, em capítulos: O Amor Breve, O Amor e a Melancolia e O Amor Feliz. Em O Amor Breve, trata das canções que falam do amor efêmero, que não resiste ao tempo, assim como as incertezas da vida e do futuro. Essa concepção “filia-se à tradição do pensamento ocidental que desde os gregos reflete sobre a fragilidade da condição humana e a brevidade da vida”, analisa a autora. Por exemplo, na música Pressentimento, o amor breve, ela explica, surge como um amor menor porque não dura: “Nosso amor foi condenado a breve amor nada mais/ Eu tive um pressentimento no nosso último beijo, / Por isso faço um poema antes dele se acabar, / E ponho uma melodia, transformo em samba vulgar”.
No capítulo O Amor e a Melancolia, a autora coloca a melancolia como nuclear na lírica de Paulinho. Sem realizar o amor, o mundo perde a alegria. Em Estou Marcado, ele “declara sua impotência para esquecer um amor que acabou”: “Quem sou eu pra viver sem madrugada? / Quem sou pra viver sem violão? / Quem sou eu pra esquecer o que passei? / No tempo em que andei com você no coração?”. Em O Amor Feliz, fala da felicidade que pode mostrar também sua faceta efêmera. “A tal felicidade/sempre tão fugaz/ A gente tem que conquistar”, diz em Ame. Há ainda um capítulo dedicado à Educação Sentimental.
Dentro da obra de Paulinho da Viola, que também é um cronista do seu tempo – e do samba –, o amor tem uma grande importância, destaca Eliete. “Ele fala de outras coisas também, mas tem uma lírica muito poderosa, e de uma qualidade, e foi esse o recorte que eu fiz, foi o recorte que me pegou.”PAULINHO DA VIOLA E O ELOGIO DO AMOR Autor: Eliete Eça NegreirosEditora: Ateliê Editorial (148 págs.,R$ 41)
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.