Escritor Abdulrazak Gurnah achou que ligação do Nobel era trote

Abdulrazak Gurnah fala pela primeira vez depois de ganhar o Nobel de Literatura 2021 e diz que avareza da Europa atrapalha na crise dos refugiados

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues

Abdulrazak Gurnah recebeu uma ligação cerca de 15 minutos antes de a Academia Sueca anunciar publicamente que ele era o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, nesta quinta-feira, 7, e achou que era trote. Nascido na Tanzânia, em 1948, e refugiado no Reino Unido desde 1968, onde fez carreira como professor de literatura de inglês e literatura pós-colonial, o autor de 10 romances, inéditos no Brasil, deu sua primeira entrevista enquanto assistia ao anúncio oficial.

Abdulrazak Gurnah foi premiado com o Nobel de Literatura em 2021 Foto: AP Photo/Frank Augstein

Ele falou ao repórter Adam Smith, do site da premiação, ainda sob o impacto da notícia.

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Confira trechos da conversa.

Como o senhor recebeu a notícia?

Eu achei que estavam pregando uma peça. Eu realmente pensei. Sabe, essas coisas geralmente ficam rondando por semanas antes, ou às vezes meses antes: quem são os concorrentes. Então, não estava no meu radar. Eu só pensava: quem será que vai ganhar dessa vez? Pedi para a pessoa me contar mais, e ele falava calmamente. Creio que no fim eu ainda estava pensando ‘vou esperar até que eu veja ou ouça’.

O anúncio mencionava a maneira como o senhor lida com o ‘destino dos refugiados’ e o ‘abismo entre culturas e continentes’. Obviamente, é um momento particular agora - estamos no meio de uma crise de refugiados. O senhor pode dizer como vê as divisões entre as culturas? Existem muitas maneiras de caracterizar as coisas.

Eu não vejo que essas divisões sejam permanentes ou de alguma forma intransponíveis, ou algo assim. As pessoas, é claro, estão se movendo em todo o mundo. Eu acho que esse fenômeno particular de pessoas da África vindo para a Europa é relativamente novo, mas é claro que o outro, de europeus fluindo para o mundo, não é nada novo. Vemos isso há séculos. Acho que a razão pela qual é tão difícil para a Europa, para muitas pessoas na Europa e para os estados europeus chegarem a um acordo sobre isso é, para encurtar a história, talvez uma espécie de avareza, como se não houvesse o suficiente para todos. Muitas dessas pessoas vêm por primeira necessidade, e, francamente, elas têm algo a dar. Não chegam de mãos vazias. Muitos são pessoas talentosas e com energia, e que têm algo a oferecer. Então, essa pode ser outra maneira de pensar sobre isso. Não estamos apenas recebendo as pessoas como se elas fossem pobres e insignificantes. Pense nisso como se estivéssemos socorrendo pessoas que estão precisando de ajuda, mas que também são pessoas que podem contribuir com algo.

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Os cientistas tendem a descrever o trabalho deles como uma brincadeira, apenas como a alegria de explorar. É assim que você se sente quando escreve?

Bem, sinto alegria quando eu termino! (risos). Mas, sim, muito disso é, obviamente, compulsivo, atraente e algo que os escritores continuam a fazer por décadas - e você não pode fazer isso se você odeia. É o prazer de fazer coisas, criar, acertar, mas também o prazer de transmitir, de dar prazer, apresentar um caso, persuadir, todos esses tipos de coisas.

Ouça a íntegra da entrevista de Abdulrazak Gurnah

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