Mais que um escritor, o argentino Alberto Manguel é um leitor fervoroso. Diretor da Biblioteca Nacional da Argentina, cargo já ocupado por Jorge Luis Borges, ele é dono de uma coleção de livros que beira os 30 mil volumes. Mais que a quantidade, interessa a qualidade que Manguel extrai dali para escrever seus livros, seja de ficção como Todos os Homens São Mentirosos (Companhia das Letras), inspirado em fatos reais, seja em ensaios como O Leitor Como Metáfora, agora lançado pela Edições Sesc São Paulo.
Trata-se de um convite à reflexão sobre o ato da leitura que, desde a origem da escrita, há cerca de cinco mil anos, vem carregado de inúmeros significados práticos e simbólicos, dependendo da história de cada povo que habita o planeta.
“Analisando sua presença na própria literatura e em documentos de época (o que inclui representações plásticas como gravuras, pintura, escultura e monumentos), Manguel enfeixa em três metáforas principais as várias encarnações do sujeito que lê: o leitor como viajante, o leitor refugiado na torre de marfim e o leitor como ‘traça de livros’, o que no Brasil chamaríamos de ‘rato de biblioteca’”, observa o jornalista e tradutor da obra José Geraldo Couto.
De fato, estão ali as três metáforas delineadas por Manguel em sua estrutura narrativa e que inspiram também o subtítulo do livro: o viajante, a torre e a traça. Basicamente, traduzem a descoberta do mundo por meio da exploração da leitura, o afastamento do mundo motivado pelo ato de ler, e a voracidade com que muitos se entregam à leitura, o que os deixa “inflados de palavras”.
A partir daí, Manguel apresenta um instigante panorama da leitura e também dos leitores – até mesmo os ficcionais. “Para entender o mundo, ou para tentar compreendê-lo, a tradução da experiência em linguagem não basta”, escreve o autor argentino no prefácio do livro. “Para incrementar as possibilidades de entendimento mútuo e criar um espaço mais amplo de sentido, a linguagem recorre a metáforas que são, em última instância, uma confissão do insucesso da linguagem em comunicar diretamente.”
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Manguel é um homem que já coleciona múltiplas vivências – nascido em Buenos Aires em 1948, viveu em Israel e no Taiti até se mudar, nos anos 1980, para Toronto, onde se tornou cidadão canadense. Aprendeu a ler por volta dos 3 anos e, desde então, descobriu-se um leitor voraz. Quando adolescente, leu em voz alta, durante anos, para Jorge Luis Borges, que ficara cego. Também morou em um presbitério construído no século 16, que comprou para instalar sua volumosa biblioteca. Tal intimidade com as palavras se revela na seguinte entrevista, realizada por e-mail.
Que diria o senhor da seguinte frase de Hermann Hesse: “Os inimigos dos bons livros, e do bom gosto em geral, não são os que os desprezam, mas os que os devoram”? Não concordo. Leitores geniais – Oscar Wilde, Ralph Waldo Emerson – liam velozmente, “devorando” o texto. O mau leitor não sabe entrar no texto, o que é muito diferente.
É melhor ler qualquer coisa que não ler nada? Que significa esse “qualquer coisa”? O que é banal para um leitor pode ser essencial para outro. Tolstoi considerava Rei Lear (de Shakespeare) má literatura. Nem todos são leitores. Há quem não sinta prazer na leitura, em procurar o livro que foi escrito para ele, como há quem não goste de mar e quem não tenha ouvido para música.
O público leitor está aumentando com o livro digital? Não graças ao livro digital, mas está aumentando. Hoje, são vendidos mais livros que nunca, e são lidos no formato impresso e no digital. Mas talvez tenhamos chegado ao pico dessa tendência. As estatísticas mostram que a comunicação digital e audiovisual está substituindo, por exemplo, a leitura de jornais e revistas. Talvez voltemos a nos comunicar pela palavra oral e por imagens, como na Idade Média.
Como leitor assíduo, o senhor se reconhece em certos personagens? Quais seriam? E já se apropriou de frases de certos livros? Certamente. Eu me reconheço em Chapeuzinho Vermelho, em Alice, em Judas, o Obscuro, de Hardy, em Brás Cubas... E todos os meus livros não passam de citações de outros: retocadas, traduzidas, reescritas.
O que é mais importante passar para seus leitores? Um prazer compartilhado.
Qual seria a importância da linguagem na obtenção de conhecimento e na satisfação da curiosidade? Ela é absolutamente essencial. Todo conhecimento nos chega através dos sentidos (aí incluída a intuição) e não podemos incorporá-lo realmente se não o transformarmos em palavras. Somos a língua que falamos.
O LEITOR COMO METÁFORAAutor: Alberto ManguelTradução: José Geraldo CoutoEditora: Edições Sesc São Paulo (148 págs., R$ 45 impresso, R$ 22 digital)
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