Está desanimado? Eu também, mas aí me lembrei de que os livros podem ajudar

Seja qual for sua escolha, o importante é que os livros sejam envolventes e capazes de criar um mundo próprio, no qual você possa viver por algumas horas quando o mundo real for estressante demais

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Por Michael Dirda (The Washington Post)

Este outono [no hemisfério norte] vem apresentando o melhor clima de D.C.: temperaturas na casa dos 20 graus, dias e dias de céu azul e ar fresco, tardes agradáveis para passear nos parques ou fazer caminhadas ao longo do Potomac e no Rock Creek Park. De modo geral, Deus não poderia ter feito uma preparação melhor para meu aniversário em 6 de novembro. Mas passei a maior parte do dia num desânimo silencioso, pensando no futuro deste país e do mundo.

Em termos mais pessoais – afinal, era meu aniversário – também pensei em como viver numa nação governada e controlada por pessoas que até mesmo Ayn Rand – sem falar em Edmund Burke – desprezaria. Será que devo seguir o conselho de Cândido, de Voltaire, e simplesmente cultivar meu jardim, ou seja, dar as costas ao mundo lá fora? Afinal de contas, há muitos livros que nunca li e eu poderia passar os próximos quatro anos – ou até mesmo o resto da vida – lendo-os, trabalhando em casa, desfrutando da companhia de amigos e familiares. Já passei da idade de me aposentar, então, por que não?

O melhor caminho para descansar e se renovar é a imersão em algumas obras grandiosas do passado Foto: Lev Dolgachov/ Adobe Stock

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E, no entanto, nunca fui capaz de esquecer esses versos de Ulisses, o poema de Tennyson sobre o envelhecimento: “Que tolice o parar, o dar um fim, Enferrujar assim, sem uso e brilho!” Todos os viciados em trabalho, não apenas os jornalistas, vão se identificar com esses sentimentos. E como disse Jean-Paul Sartre em O que é literatura?, os escritores, em particular, precisam estar engajados com seu tempo. Certamente haverá muito para engajar escritores sérios – sejam romancistas, jornalistas, dramaturgos ou poetas – nos próximos anos.

Digo “escritores sérios” porque nosso país e seus cidadãos se tornaram perigosamente pouco sérios. Em vez disso, vivemos numa época que, com muita frequência, honra e recompensa o histrionismo, a encenação vistosa e a desfaçatez em detrimento da substância. Já se disse que a virtude do herói é o autocontrole firme, uma qualidade nunca associada ao presidente eleito, que é, em todos os sentidos, uma petulante criatura de impulso, vaidade, mendacidade e autoengrandecimento. Elegê-lo uma vez foi equivocado, mas perdoável; fazê-lo novamente desafia a compreensão. Como já ficou claro há muito tempo, os últimos doze anos podem prontamente oferecer vários capítulos adicionais ao clássico de Charles Mackay, Memorando de Extraordinários Engodos Populares e a Loucura das Multidões.

Mas, deixando de lado todo o choque e a pura e triste perplexidade com os resultados das eleições, a questão geral permanece: como lidar com este momento? D.H. Lawrence ofereceu o melhor conselho: “O melhor é o trabalho, além de um certo entorpecimento, um entorpecimento misericordioso”. Permita-me também sugerir que você procure livros para descansar e se renovar.

O melhor caminho é a imersão em algumas obras grandiosas do passado. Algumas pessoas podem se voltar para as Escrituras em busca de esperança e consolo; outras, para a filosofia ou a poesia. Mas há outras opções menos óbvias para o autocuidado quando a alma está agitada e o mundo parece sombrio.

O sol está sempre brilhando no Blandings Castle, e a ficção cômica de P.G. Wodehouse consegue aliviar até mesmo os humores mais soturnos. Os mistérios clássicos, com detetives como Sherlock Holmes, Jane Marple e Nero Wolfe, proporcionam quebra-cabeças perspicazes para acalmar o espírito mais perturbado. Há uma razão para as histórias de detetive serem chamadas de “recreação das mentes nobres”. Durante a Blitz, os britânicos mantiveram a calma e seguiram em frente, em parte escapando para longos romances vitorianos, como as Crônicas de Barsetshire, de Anthony Trollope. Hoje, pode-se recorrer a séries de vários volumes, como as aventuras náuticas de Jack Aubrey/Stephen Maturin, de Patrick O’Brian, as Crônicas de Lymond, de Dorothy Dunnett, ou a saga Sharpe, de Bernard Cornwell.

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Seja qual for sua escolha, o importante é que os livros sejam tão envolventes quanto um jogo de xadrez. Eles devem criar um mundo próprio, no qual você possa viver por algumas horas quando o estressante mundo real for demais para você Foto: Adobe Stock

No meu caso, para descansar durante os anos barulhentos que virão, vou finalmente ler os cinco volumes de A História da Pedra, de Cao Xueqin, como esse clássico chinês é chamado por seus melhores tradutores. Também espero remediar o constrangimento de toda uma vida por nunca ter lido A Dance to the Music of Time, de Anthony Powell, em 12 volumes.

Mas, assim como o Dr. Johnson, é “a parte biográfica da literatura que eu mais amo”, além da história intelectual. Por isso, reuni algumas biografias – todas clássicas à moda antiga – que mostram como alguns líderes extraordinários navegaram pelos cardumes da política e da vida em épocas passadas. Assim como nós agora, todos eles viveram o que a suposta maldição chinesa chama de “tempos interessantes”.

Talleyrand, de Duff Cooper, e Melbourne, de David Cecil, prestam uma homenagem crítica a dois políticos consumados da França e da Inglaterra no final do século 18 e início do 19. O astuto Talleyrand há muito me intriga, mesmo que seja apenas por causa de sua observação mais famosa: quando lhe perguntaram sobre a Revolução Francesa, ele respondeu, secamente: “Eu sobrevivi”. A vida de Melbourne, de Cecil, foi um dos dez livros favoritos de John F. Kennedy – alguns dizem que era seu predileto.

Nesse mesmo período da história surgiu o maior herói naval da Inglaterra, Horatio Nelson. Nas gerações passadas, Life of Nelson, de Robert Southey, era amplamente considerado o modelo do que deveria ser uma biografia curta. Além de ser um poeta romântico de segunda linha, Southey também criou uma obra de ficção que, uma vez lida ou, mais provavelmente, ouvida, jamais será esquecida. Apresentando uma garotinha chamada Cachinhos Dourados, ele a chamou de “A história dos três ursos”.

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Embora eu me curve apenas a Max Beerbohm em minha admiração pelo estilo irônico e mordaz de Lytton Strachey em Eminent Victorians, nunca cheguei a ler sua biografia mais ambiciosa, embora não tão conceituada, Queen Victoria. Ainda assim, as antologias de prosa inglesa costumam apresentar o parágrafo cuidadosamente orquestrado – uma única frase longa, lírica e de tirar o fôlego – em que Strachey imagina os pensamentos da monarca moribunda, enquanto “sua mente enfraquecida chamava uma vez mais as sombras do passado para flutuar diante dela e refazia, pela última vez, as visões desaparecidas daquela longa história – passando através da nuvem dos anos para lembranças cada vez mais antigas”.

Estes são apenas alguns dos livros em que estou confiando para proporcionar um oásis de repouso e refresco nos meses superaquecidos que estão por vir. Quais são os seus?

Capas de edições recentes de 'A Divina Comédia', 'Memórias de Adriano' e 'Em Busca do Tempo Perdido' traduzidas em português Foto: Reprodução/Editora 34; Reprodução/Coleção de Outro; Reprodução/Nova Fronteira

Você buscará conforto nos romances da Regência de Georgette Heyer? Ou em algum poeta favorito, como George Herbert ou Emily Dickinson? Ou talvez você queira uma perspectiva mais fria e olímpica do momento atual lendo vários romances, todos bem recebidos, que recriam a vida, os pecadilhos e as intrigas dos imperadores romanos mais conhecidos: The Ides of March, de Thornton Wilder; Augustus, de John Williams; ‘I, Claudius, de Robert Graves; Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar; Juliano, de Gore Vidal.

Com quatro anos pela frente, este pode muito bem ser o momento de finalmente ler a Divina Comédia, de Dante, os Ensaios, de Montaigne, Em Busca do Tempo Perdido, de Proust, toda a saga Yoknapatawpha, de William Faulkner, ou todos os álbuns da Fantagraphics que reúnem os quadrinhos de Carl Barks e Don Rosa sobre Tio Patinhas, o único bilionário de quem muitos de nós realmente gostamos.

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Seja qual for sua escolha, o importante é que os livros sejam tão envolventes quanto um jogo de xadrez. Eles devem criar um mundo próprio, no qual você possa viver por algumas horas quando o estressante mundo real for demais para você. Um passo para trás precede todos os grandes saltos para frente.

Já se passaram alguns dias do meu aniversário e o clima em Washington continua lindo, mas houve pouco alívio para o novembro úmido e chuvoso da minha alma. Meus colegas do Washington Post, como profissionais que são, estão dando continuidade ao trabalho. Tudo parece estar funcionando normalmente. Mas nos meus momentos mais sombrios, eu me lembro da assustadora metáfora do crítico inglês Cyril Connolly sobre a ameaça nazista à civilização e a terrível consequência de tentar permanecer desapaixonado e despreocupado: “Caminhamos pela casa do tigre, especulando sobre o poder e a ferocidade das feras, e quando olhamos para cima vemos as portas da jaula abertas”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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