O escritor americano Jonathan Safran Foer tem uma mensagem muito simples para a humanidade: se quisermos salvar o planeta, precisamos parar de comer carne – ou, como ele coloca em Nós Somos o Clima, que acaba de ser lançado, diminuir drasticamente seu consumo e não comer alimento de origem animal até o jantar.
Autor dos romances Tudo se Ilumina e Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, adaptados para o cinema, e de Aqui Estou, ele volta à não ficção 10 anos depois de Comer Animais, que virou documentário, para tentar nos convencer de que o tempo está acabando, que não podemos só esperar pelo governo e que, se todos fizermos algum esforço, o futuro do planeta será menos catastrófico.
No livro, Foer, de 44 anos, que fala sobre a Amazônia e Bolsonaro, nos bombardeia com fatos, estatísticas e cenários trágicos enquanto investiga nossa incapacidade de nos colocarmos como responsáveis ou vítimas. A crise ambiental, aparentemente, não nos diz respeito. Ela vai acontecer lá longe, quando não estivermos mais aqui. Foer também costura fatos de sua vida com acontecimentos históricos em uma narrativa bem construída para nos engajar na luta.
Ele falou por Zoom com o Estadão na sexta, 21, quando nevou no Brasil.
O que precisa acontecer para que as pessoas acreditem que a mudança climática é uma realidade e que, quanto antes fizermos algo, individualmente, melhores serão as chances do planeta?
Não sei se um dia vamos acreditar. A boa notícia é que temos informações agora. Outra é que quase todo mundo acredita em informação. Porém, não se trata apenas de saber. O problema é a distância que este saber tem de percorrer até se tornar uma crença – o caminho da cabeça para o coração. Isso é realmente difícil, e não porque as pessoas são ignorantes ou más. É difícil porque é difícil. Descobri isso por experiência própria. Sei sobre a mudança climática há anos. Por anos, participei de passeatas, fiz apresentações, doei dinheiro, disse a coisa certa em jantares e não fiz muito além disso. Não sei se vamos mudar como nos sentimos, mas podemos mudar como nos comportamos.
Sua conclusão é muito simples e não parece difícil ser colocada em prática. E por que as pessoas não se convencem?
Pela mesma razão que eu acho difícil. É difícil porque estamos indo contra nosso histórico de alimentação, contra nossa cultura – e o Brasil é uma cultura baseada na carne. Para quase todo mundo, a carne tem cheiro e gosto muito bons. Fazemos muitas associações positivas com a carne. É um grande erro subestimar quanto é difícil mudar.
A literatura tem sido capaz de antecipar um futuro trágico para a humanidade e o planeta, algo distópico. Escritores, artistas e personalidades podem ajudar?
Precisamos de diferentes vozes e de diferentes narrativas. Há formas diferentes de contar essa história. Ciência é uma dessas formas. Jornalismo, outra. Conversas em família durante o jantar, outra. Arte visual. Quando você vai à livraria, eles não estão tentando vender apenas um romance, mas 5 mil romances porque cada um deles funciona de uma forma diferente para cada pessoa. Somos tocados de forma diferente por diferentes tipos de mensagens. A crise ambiental não vai ser resolvida por um pequeno grupo de ambientalistas, mas por todo mundo. E, para isso, todo mundo, ou pelo menos um grande número de pessoas, deverá ser tocado e inspirado a mudar e a participar. Para isso, precisaremos de diferentes narrativas.
Quais podem ser as consequências para a questão ambiental de um mundo cada vez mais conservador e negacionista?
Talvez esse cenário com Donald Trump seja o mais fundo que precisamos ir antes de começar a avançar. E, possivelmente, precisávamos disso para ativar algo em nós. Se acho que o meio ambiente está melhor ou pior por causa de Trump? Talvez esteja melhor. Se Hillary tivesse ganhado, e eu queria e fiz campanha para isso, ainda não estaríamos no caminho de salvar o planeta e não teríamos jovens protestando nas ruas. Pelo menos agora temos os jovens nas ruas e talvez a ignorância de Trump ative a nossa inteligência e sua apatia ative a nossa energia. Temos de ter esperança disso.
Você dedica um breve capítulo ao Brasil. Como vê o País?
O Brasil e os Estados Unidos têm muito em comum, exceto pelo fato de que o Brasil é o futuro. Mas estamos emperrados com líderes ignorantes e conspiratórios que não respeitam a verdade e a ciência.
E qual papel um país como o Brasil, onde fica a Amazônia, deveria desempenhar nessa luta?
O Brasil deve proteger a Amazônia, mas é injusto colocar isso de um jeito tão simples porque estão vendendo o que estamos comprando. Mais de 90% do desmatamento da Amazônia é para a agropecuária. Eu posso dizer para vocês: parem de fazer isso. Mas vocês podem nos dizer: parem de comer isso, parem de comprar aquilo. É bom pensar num sistema político que proteja recursos naturais, mas vocês não têm isso nem nós temos. Então, o assunto deve ser levado ao consumidor. Se fizermos um boicote mundial de carne, ou se dissermos que só vamos comer uma vez por semana, o resultado disso é que as pessoas vão comer o mínimo que elas puderem, e eles vão ver o que isso significa. Esse é o jeito mais eficaz que temos no momento de salvar a Amazônia. Claro que seria muito, muito mais fácil se houvesse leis protegendo a Amazônia, mas este não parece ser o caso.
Com o coronavírus, parte das pessoas isoladas passou a cuidar mais da alimentação e a refletir sobre o que é essencial. Essa mudança veio para ficar e isso pode ajudar de alguma forma na proteção do meio ambiente?
É interessante como respondemos com tanta força, globalmente e muito rápido, ao coronavírus – algo sobre o qual sabemos muito menos do que sabemos sobre o aquecimento global. Acho que foi por egoísmo. Não, na verdade, por preocupação. Eu não vou morrer por causa do aquecimento global. Você também não. Nós dois temos um pouco de medo de morrer em decorrência do coronavírus, embora isso seja improvável, ou de que pessoas que a gente conhece morram. Imagine se Bolsonaro dissesse: vamos parar a economia para que as pessoas em Bangladesh não morram de coronavírus. Isso nunca aconteceria. Imagine se ele apenas dissesse: vamos lavar melhor as nossas mãos para que as pessoas em Bangladesh não peguem o coronavírus. Ninguém ia fazer isso. Nós não faríamos nos Estados Unidos. Isso requer uma imaginação ativa e um salto de empatia para nos importarmos com os outros a ponto de mudar a nossa vida pelo bem da vida do outro. Isso é uma coisa difícil de se fazer não porque somos maus ou egoístas, mas por causa da natureza humana. A mudança climática requer imaginação e empatia. Poderíamos dizer que esse momento provou que somos capazes de uma mudança radical e rápida. Mas não sei se isso quer dizer alguma coisa sobre nossa vontade de fazer isso.
Você fala na vergonha que passaremos diante das próximas gerações pelos nossos hábitos. Você se arrepende de alguma coisa? E do que tem mais medo?
Tenho medo de perder, por falta de atenção, coisas que não podemos perder. Eu me arrependo das tantas vezes que estive em um avião, da frequência com que dirijo, do tamanho da minha casa, das minhas escolhas de alimentação e consumo. Também de não ter escrito mais editoriais, de não ter tido mais conversas sobre isso e não ter tentado contribuir mais. E por ter tratado essa questão como um problema entre os outros problemas, e não como o problema acima de todos.
NÓS SOMOS O CLIMA
Autor: Jonathan Safran Foer Tradução: Maíra Mendes Galvão Editora: Rocco (288 págs.; R$ 49,90; R$ 29,90 o e-book)
Leia o trecho incial de 'Nós Somos o Clima'
O livro dos finais
A carta de suicídio mais antiga foi escrita no Egito1 cerca de 4 mil anos atrás. Seu tradutor original a intitulou “Contenda com a alma de alguém que se cansou da vida”. Na primeira linha lê-se:2 “Abri a boca à minha alma para que pudesse responder o que ela diz.” Ziguezagueando entre prosa, diálogo e poesia, o que se segue é o esforço de um indivíduo para persuadir a própria alma a consentir com o suicídio.
Tomei conhecimento dessa carta em O livro dos finais, uma compilação de fatos e anedotas que inclui os últimos desejos de Virgílio e Houdini; elegias para o pássaro dodô e para o eunuco; e explicações sobre registros fósseis, a cadeira elétrica e a obsolescência das coisas feitas por humanos. Eu não era uma criança particularmente mórbida, mas, por anos, carreguei aquele mórbido livro de bolso por aí.
O livro dos finais também me ensinou que, a cada vez que eu inspiro ar, inspiro também moléculas do último sopro de vida de Júlio César. Esse fato me deixou maravilhado — a compressão mágica do tempo e do espaço, a ponte entre o que parecia mito e a minha vidinha de varrer folhas no outono e jogar videogames primitivos em Washington, D.C.
As implicações disso eram quase inacreditáveis. Se eu tinha acabado de inspirar o último suspiro de César (Et tu, Brute?), então também, com certeza, tinha de ter inspirado o de Beethoven (I will hear in heaven), e o de Darwin (I am not the least afraid to die). E o de Franklin Delano Roosevelt, e de Rosa Parks, e de Elvis, e dos peregrinos e indígenas da América do Norte que fizeram parte da primeira ceia de Ação de Graças, e do autor da primeira carta de suicídio, e até do avô que eu nunca conheci. Como não podia deixar de ser, enquanto descendente de sobreviventes, imaginei o último sopro de Hitler subindo pelos 3 metros do telhado de concreto do Führerbunker, em seguida por 9 metros de solo germânico, passando depois pelas rosas pisoteadas da Chancelaria do Reich, e então cortando o Fronte Ocidental, cruzando o Oceano Atlântico e viajando quarenta anos rumo à janela do segundo andar do meu quarto de infância, onde me inflaria como um balão de mortiversário.
E se eu havia engolido os últimos suspiros, também com certeza haveria engolido o primeiro, e todas as respirações entre os dois. E todas as respirações de todas as pessoas. E não só dos humanos, mas de todos os animais também: o esquilo da Mongólia que era da minha escola e morreu sob os cuidados da minha família, as galinhas ainda mornas que a minha avó havia depenado na Polônia, o último suspiro do último pombo-correio. A cada inspiração de ar, eu absorvia a história da vida e da morte na Terra. Essa ideia me ofereceu uma visão aérea da história: uma enorme teia tecida a partir de um fio. Quando a bota de Neil Armstrong tocou a superfície lunar e ele disse “Um pequeno passo para a humanidade...”, ele lançou, através do policarbonato de seu visor, para um mundo sem som, moléculas de Arquimedes berrando “Eureka!”, enquanto este corria nu pelas ruas da antiga Siracusa logo após descobrir que a água da banheira que transbordou enquanto tomava banho tinha o mesmo peso de seu corpo (Armstrong deixaria aquela bota na Lua como compensação pelo peso das rochas lunares que traria de volta). Quando Alex, o papagaio cinza africano que fora treinado para conversar no mesmo nível que um humano de cinco anos, proferiu suas últimas palavras — “Comporte-se bem e até amanhã. Eu te amo.” —, ele também expirou o arfar dos cães de trenó que puxaram Roald Amundsen pelas camadas de gelo que desde então já derreteram, libertando os gritos das bestas exóticas levadas ao Coliseu para serem abatidas por gladiadores. Que eu tinha um lugar nisso tudo — e que não havia escapatória a não ser ter lugar nisso tudo — foi o que eu achei mais impressionante.
O fim de César também foi um início: a autópsia dele foi uma das primeiras a serem documentadas, e é assim que sabemos que foi esfaqueado 23 vezes. Aquelas adagas de ferro já eram. A toga suja de sangue já era. A Cúria de Pompeia, onde ele foi assassinado, já era, e a metrópole onde se localizava existe somente em forma de ruínas. O Império Romano, que chegou a cobrir 5 milhões de quilômetros quadrados e abrigar mais de 20% da população do mundo, e cujo desaparecimento era tão inimaginável quanto o do próprio planeta, já era.
É difícil pensar em um artefato da civilização mais efêmero do que a respiração. Mas é impossível pensar em algo que dure mais.
Apesar de eu ter tantas lembranças dele, O livro dos finais nunca existiu. Quando tentei confirmar sua existência, descobri, em vez dele, o Panati’s Extraordinary Endings of Practically Everything and Everybody, publicado quando eu tinha 12 anos. Nele consta o Houdini, o registro fóssil e muitas outras coisas de que me lembrava, mas não o último sopro de César nem a “Contenda com a alma de alguém que se cansou da vida”, que devo ter visto em algum outro lugar. Achei essas pequenas correções perturbadoras — não porque fossem importantes em si, mas porque minhas lembranças eram muito claras.
Fiquei ainda mais transtornado quando pesquisei sobre a primeira carta de suicídio e refleti sobre seu título — sobre o fato de que havia um título, para começo de conversa. O fato de termos lembranças erradas já incomoda, mas a possibilidade de que outras pessoas guardem lembranças erradas de nós é profundamente perturbadora. Continua sendo uma incógnita se o autor da primeira carta de suicídio de fato se matou. “Abri a boca à minha alma”, diz ele no início. Mas a alma tem a última palavra, e suplica ao homem que “se agarre à vida”. Não sabemos como ele reagiu. É totalmente possível que a contenda com a alma tenha terminado em favor da vida, adiando o último suspiro do autor. Talvez o confronto com a morte tenha gerado a mais sedutora defesa da sobrevivência. A coisa mais parecida com uma carta de suicídio é o seu contrário.
Sacrifício algum
Durante a Segunda Guerra Mundial, os cidadãos das cidades da Costa Leste americana apagavam as luzes ao cair da tarde. Eles mesmos não corriam qualquer perigo iminente; o motivo do blecaute era impedir que submarinos alemães usassem a iluminação urbana para identificar e destruir navios saindo do porto.
Na medida em que a guerra se desenrolava, outras cidades pelo país aderiram aos blecautes, até mesmo aquelas distantes da costa. A ideia era que a população ficasse imersa em um conflito cujos horrores estavam longe dos olhos, mas com a perspectiva de uma vitória que dependia da ação coletiva.
Em suas bases domésticas, os cidadãos precisavam ser lembrados de que a vida como conheciam poderia ser aniquilada e que a escuridão era uma maneira de iluminar a ameaça. Pilotos da Patrulha Civil eram incentivados a varrer o céu do Centro-Oeste americano em busca de aeronaves inimigas apesar do fato de que nenhum avião de guerra alemão na época tinha a capacidade de voar tal distância. A solidariedade era um bem importante, mesmo levando em conta que essas ações teriam sido insensatas — ou mesmo suicidas — se fossem os únicos esforços despendidos.
A Segunda Guerra Mundial não teria sido ganha sem as ações domésticas que tinham impacto tanto psicológico quanto tangível: pessoas comuns unidas para apoiar uma causa maior. Durante a guerra, a produtividade industrial cresceu em 96%. Construía-se em questão de semanas um cargueiro Classe Liberty que, no início da guerra, levava oito meses para ficar pronto. O SS Robert E. Peary — um navio categoria Liberty composto de 250 mil partes pesando mais de 6 mil toneladas — foi montado em quatro dias e meio. Em 1942, empresas que antes produziam carros, refrigeradores, móveis de metal para escritório e máquinas de lavar agora fabricavam produtos militares. Fábricas de lingerie começaram a fazer redes de camuflagem, calculadoras mecânicas renasceram como armas de fogo e os sacos de aspirador de pó, parecidos com pulmões, eram transplantados para máscaras de gás. Aposentados, mulheres e estudantes entraram para a força de trabalho — muitos estados modificaram suas leis trabalhistas para permitir que adolescentes trabalhassem. Matérias-primas do dia a dia, como borracha, latas, folhas de alumínio e madeira, eram coletadas para reutilização nos esforços de guerra. Os estúdios de Hollywood contribuíam produzindo noticiários, filmes antifascistas e desenhos animados patrióticos. As celebridades incentivavam as pessoas a investir em títulos bancários de guerra, e algumas, como Julia Child, se tornaram espiãs.
O Congresso expandiu a base tributária, diminuindo a renda mínima tributável e reduzindo isenções pessoais e deduções. Em 1940, 10% dos trabalhadores americanos pagaram o imposto de renda federal. Em 1944, o número se aproximava de 100%. As taxas marginais máximas foram a 94%, enquanto o salário que se encaixava nessa faixa foi reduzido em 25 vezes.
O governo decretou — e os americanos aceitaram — controles de preço em produtos como náilon, bicicletas, sapatos, lenha, seda e carvão. A gasolina passou a ser altamente regulada,13 e o limite de velocidade de 56 km/h foi imposto nacionalmente para reduzir o consumo de gás e látex. Cartazes do governo americano14 incentivando caronas declaravam: “Quando você dirige sozinho, está dirigindo com Hitler!”
Fazendeiros — em quantidades extremamente reduzidas e com menos equipamento — multiplicaram sua produção e não-fazendeiros plantaram “hortas da vitória”, microplantações em quintais e terrenos baldios. A comida era racionada, especialmente itens essenciais como açúcar, café e manteiga. Em 1942, o governo lançou uma campanha chamada “Compartilhe a Carne”, conclamando todos os cidadãos adultos americanos a limitar seu consumo semanal de carne a pouco mais de 1 quilo. No Reino Unido, as pessoas estavam consumindo cerca de metade dessa quantidade (essa ação coletiva de apertar os cintos levou a uma melhoria geral na saúde). Em julho de 1942, a Disney produziu um curta-metragem animado para o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos chamado A comida vai ganhar a guerra. O filme exaltava a agricultura como uma questão de segurança nacional. Os Estados Unidos tinham duas vezes mais agricultores do que o Eixo tinha soldados. “Suas armas são a Panzer waffe da linha de batalha alimentar, o maquinário agrícola: batalhões de colheitadeiras; regimentos de caminhões; divisões de selecionadores de milho, arrancadeiras de batatas, máquinas plantadeiras; colunas de ordenhadeiras mecânicas.”
Na noite de 28 de abril de 1942, cinco meses depois do bombardeio de Pearl Harbor e em plena campanha americana na Europa, milhões de americanos se reuniram em torno dos aparelhos de rádio para ouvir a Conversa à Lareira do Presidente Roosevelt, na qual ele dava notícias sobre a situação da guerra e falava sobre os próximos desafios, incluindo o papel dos cidadãos: Nem todos entre nós podem ter o privilégio de lutar contra nossos inimigos em terras longínquas.
Nem todos entre nós podem ter o privilégio de trabalhar em fábricas de munição ou estaleiros navais, ou nas fazendas ou em minas ou campos de petróleo, produzindo as armas ou a matéria-prima necessárias para as nossas forças armadas. Mas há um front e uma batalha em que todos nos Estados Unidos — cada homem, mulher e criança — são soldados, e terão o privilégio de permanecer lutando durante esta guerra. Esse front está aqui mesmo em nossa casa, em nossa vida cotidiana e em nossas tarefas diárias. Aqui em nossa casa todos terão o privilégio de fazer as renúncias pessoais que forem necessárias, não somente para abastecer nossos soldados, mas para manter a estrutura econômica de nosso país fortificada e segura durante a guerra e depois da guerra. Isso exige, é claro, que se abandone não somente qualquer luxo, mas muitos outros confortos. Todo americano leal tem consciência dessa responsabilidade individual. [...] Como disse ao Congresso ontem, “sacrifício” não é exatamente a palavra adequada para descrever esse programa de renúncia pessoal. Quando, ao final dessa grande luta, tivermos preservado a liberdade característica de nosso modo de vida, não teremos feito “sacrifício” algum.
É um fardo pesado ser obrigado a dar 94% de sua renda ao governo. É um desafio significativo ter seus alimentos essenciais racionados. É uma inconveniência frustrante não poder dirigir mais rápido do que 56 km/h. É meio irritante ter de apagar as luzes à noite.
Apesar da percepção de muitos americanos da guerra como algo que acontecia lá longe, parece razoável pedir um pouco de escuridão para cidadãos que estavam, afinal de contas, a salvo e seguros aqui. O que diríamos de uma pessoa que, em meio a uma grande batalha não só para salvar milhões de vidas, mas também a liberdade característica de nosso modo de vida, considerasse apagar as luzes um sacrifício grande demais?
É claro, não seria possível vencer a guerra somente por causa dessa ação coletiva — a vitória exigiu 16 milhões de americanos servindo nas Forças Armadas, mais de 4 trilhões de dólares e as Forças Armadas de mais de uma dúzia de outros países. Mas imagine se não fosse possível vencer a guerra sem essa ação. Imagine se, para impedir que bandeiras nazistas fossem hasteadas em Londres, Moscou e Washington, D.C., fosse preciso apagar as luzes toda noite. Imagine se não tivesse sido possível salvar os 10 milhões e meio de judeus do mundo sem essas horas de escuridão. Como, nesse caso, enxergaríamos a renúncia pessoal praticada pelos cidadãos?
Não teremos feito “sacrifício” algum.
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