Albert Einstein (1879-1955) está mais atual do que nunca. O físico alemão responsável pelo desenvolvimento da Teoria da Relatividade tem sido alvo recorrente de diversas produções culturais nos últimos anos.
No cinema, a breve aparição em Oppenheimer (2023), na pele de Tom Conti, despertou debates a respeito do papel do cientista na criação da bomba nuclear. O tema foi aprofundado no documentário Einstein e a Bomba (2024), da Netflix. Antes disso, a minissérie Genius (2017), da National Geographic, já tinha especulado sobre a vida pessoal de Einstein, interpretado em momentos distintos pelos atores Geoffrey Rush e Johnny Flynn.
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Apenas em 2024, três livros que investigam a trajetória do ganhador do Prêmio Nobel de 1921 foram editados para o mercado editorial brasileiro.
Einstein, de Walter Isaacson, relançado pela Intrínseca (973 págs.; R$ 158,38), e Einstein no espaço-tempo: A vida de um gênio em 99 partículas, escrito por Samuel Graydon, da Sextante (304 págs.; R$ 64,21), assumem proposta de “biografias definitivas” a respeito do gênio.
Outro título importante, Os Diários de Viagem de Albert Einstein: América do Sul, 1925, foi publicado pela Record (288 págs; R$ 66,93). A obra, que detalha a única visita de Einstein ao Brasil, foi organizada pelo historiador Ze’ev Rosenkranz.
O australiano de 63 anos foi curador da Universidade Hebraica de Jerusalém e diretor do projeto Einstein Papers, dedicado a catalogar e arquivar documentos relacionados ao ícone da física moderna.
“Einstein capturou a imaginação do público geral muito cedo”, diz Rosenkranz ao Estadão em bom português, por telefone, direto de sua nova casa em São Paulo, onde mora desde dezembro – ele é casado com uma brasileira.
Após lidar por anos com as correspondências particulares de Einstein entre familiares e amigos, o arquivista foi procurado pela editora da Universidade de Princeton para produzir uma série sobre os diários de viagem do físico.
A primeira coleção, que expõe visitas a Singapura, China, Japão, Palestina e Espanha, em 1922-23, foi lançada no exterior. E a segunda parte, com os registros da América do Sul, se provou um documento histórico fundamental para o nosso continente.
O escritor reconhece, no entanto, que a expedição de três meses por Argentina, Uruguai e Brasil não foi tão satisfatória para o cientista. Algumas anotações reproduzidas na publicação incluem termos fortes que podem espantar o leitor mais desavisado, como estas:
Foi muita agitação, sem nada de realmente interessante (…) Para achar a Europa agradável, é preciso visitar a América. As pessoas lá são mais livres de preconceitos, é verdade, mas, ao mesmo tempo, irracionais e desinteressantes, ainda mais que aqui
Albert Einstein, sobre viagem à América do Sul
Por razões acústicas, a comunicação era impossível. Pouco senso científico. Aqui sou uma espécie de elefante branco para eles, e eles são macacos para mim
Albert Einstein, sobre palestra no Rio de Janeiro
Índios envernizados, ceticamente cínicos, sem qualquer amor pela cultura, degenerados pela banha bovina
Albert Einstein, sobre a população argentina
O europeu precisa de um estímulo metabólico mais intenso do que essa atmosfera eternamente mormacenta tem a oferecer. De que valem a beleza e a riqueza naturais nesse contexto? Acho que a vida de um escravo europeu ainda é mais rica e, acima de tudo, menos idílica e nebulosa
Albert Einstein, sobre a América do Sul
“Ele tinha pensamento racista até um grau”, afirma Rosenkranz. “Quando nós lemos todas as escrituras do Einstein, encontramos vários pensamentos, em vários períodos, sobre várias nações, às vezes mais positivos, às vezes mais negativos. No diário de viagem para Japão e Espanha, ele tem expressões racistas especialmente em relação aos chineses. Sobre os japoneses, tinha impressões muito positivas e, às vezes, também negativas. Mais tarde, na década de 1930, ele apresenta pensamento antirracista, pois apoiou o início do movimento pelos direitos da população negra nos Estados Unidos, por exemplo.”
“Então, havia contradições no pensamento do Einstein. Não tenho dúvida que as pessoas usavam esses termos mais frequentemente naquele período, mas nós precisamos avaliar a contradição entre as expressões públicas do Einstein, que eram mais progressivas, e essas expressões privadas que ele fazia para si mesmo ou para um círculo muito íntimo”, completa.
Inverdades e simpatia pelo socialismo
Rosenkranz, considerado uma das principais autoridades no assunto, ainda comentou sobre as desinformações mais corriqueiras veiculadas a respeito de Einstein.
“Há o mito de que ele era um estudante ruim na escola, mas ele era bom. Outro erro comum é que ele não tinha senso de humor, mas ele tinha”, diz.
Sobre as preferências políticas do cientista (cujo famoso ensaio “Por que o Socialismo?” – de 1949 – é estudado até hoje), o autor reforça o aspecto metamórfico da mente do gênio.
“Ele teve simpatia pelo socialismo, mais claramente nos últimos anos dele. Mais cedo, teve simpatia pela socialdemocracia na Alemanha, mas não era membro do partido. Como em outros temas, Einstein mudava as opiniões dele. Não era consistente todo o tempo. Era complexo”, explica.
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