PARATY - Celebridade em Portugal, Ricardo Araújo Pereira anda tranquilamente pelas ruas de Paraty, sem ser incomodado. O humorista, fundador do grupo Gato Fedorento e autor de livros como Boca do Inferno, afirma não “fazer o drama” da pessoa que é “atormentada pela fama”. “As pessoas me dizem coisas simpáticas e pedem para tirar foto na rua, é isso.” O escritor de 42 anos é convidado da Flip e participou da mesa Mixórdia de Temáticas, na noite de sexta-feira, 1º.
Leitor de Millôr Fernandes, Luis Fernando Verissimo e Gregório Duvivier, afirma que sua profissão, apesar de atuar em suas esquetes de humor, é roteirista. “Meu trabalho é estar em casa a sofrer diante de uma folha branca. O que faço da vida é escrever piadas”, garante.
Para o português, autor de A Doença, o Sofrimento e a Morte Entram num Bar – Uma Espécie de Manual de Escrita Humorística (Editora Tina da China Brasil), a discussão contemporânea sobre o humor é muito pertinente, por ser, acima de tudo, contraditória: “o humorista tem pouco poder e o que tem, não sabe controlar”, diz. “O humor pode ser tanto aquilo que alivia uma tensão e acalma, como pode ser o que faz deflagrar uma faísca para uma briga. Tragédias começam de piadas mal-entendidas”, afirma.
Indagado sobre a sátira política, o escritor acredita que é necessário manter a debate centrado no humor e não nas convicções políticas. “Se repararmos na expressão ‘sátira política’, política é o adjetivo e sátira, o substantivo, portanto, o essencial para mim é se tem graça ou não. Busco o que me faça rir”, observa. “Além disso”, continuou, “historicamente a sátira política, em muitos momentos, se encarregou de supostamente destruir um político que acaba saindo fortalecido. Veja nos EUA, os dois candidatos (Hillary Clinton e Donald Trump) foram os mais satirizados de ambos os lados durante as primárias e estão aí”, comentou.
Sobre como balizar as piadas, Pereira acredita na total liberdade de expressão. “Quando nos perguntamos sobre quais são os limites do humor, na verdade nos perguntamos quais são os limites do escárnio. Se é possível nos escarnecemos de uma vítima, por exemplo. E minha resposta é que, sim, é possível, mas não acho interessante. Eticamente é duvidoso, mas não deveria ser proibido”, completa. Ainda sobre essa discussão, o português falou sobre o impacto das redes sociais nesse contexto: “Hoje, as pessoas têm uma tendência para se ofender muito facilmente com as redes sociais. Leem tudo de forma muito literal, não existe sensibilidade para a ironia, por exemplo”.
Mesmo com a vida conturbada pelo sucesso grande e repentino em Portugal, Araújo não deixa de fazer o que considera ser o fundamental para seu trabalho: observar. “É essencial para o humorista observar tudo de diferentes pontos de vista”, afirma. “É preciso ter um olhar experimental sobre as coisas”, completa.
Mesa. Ao lado de Tati Bernardi, na conversa conduzida por Gregório Duvivier, o português conquistou o riso da plateia na sexta-feira. Estudioso do humor, usou diversas referências literárias, psicanalíticas e sobretudo bíblicas para explicar as raízes do riso e do “não riso”. Em um dos paralelos, citou que, ao estudar a Bíblia, notou que não há uma só passagem na qual Jesus ri. “Ele chora em duas ocasiões, mas não ri”, disse, lembrando que nos humanos o riso possui a função de acabar o medo. “Temer a Deus significa respeitá-Lo e ter medo Dele”.
Sobre o medo, Tati Bernardi, revelou usar suas fobias como material para sua escrita: “cada vez que passo por uma turbulência forte no avião, penso ‘que bom, já tenho mais um capítulo para o meu livro’”.
Ricardo lembrou ainda que Jesus disse aos profetas para espalhar a palavra de Deus, afirmando que o evangelho seria o “sal da terra”, ou seja, que secaria o mal, a corrupção. “Acho que o humor, então, é o orégano da terra, pois, já que não podemos acabar com a corrupção, pelo menos colocamos um sabor para ajudar a engolir”, disse, seguido de aplausos.
Ainda sobre a corrupção, o escritor finalizou, arrancando um suspiro de lamento da plateia, quando disse não entender como o Brasil poderia ser o país do carnaval. “Afinal, o carnaval seria um momento de intervalo de loucura. Um fazer de conta que o mundo está de cabeça para baixo. Observando o momento político brasileiro, acho que o Brasil deveria ser considerado o país da quaresma. Durante uma semana, faria tudo direitinho. E depois voltaria ao normal”
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