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Fatia de salsicha, cabelo e carta de amor: os marca-páginas bizarros encontrados por bibliotecários

Exposição austríaca mostra alguns dos marcadores improvisados encontrados dentro de livros devolvidos à Biblioteca Central de Viena nos últimos 20 anos

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Por Kate Brady (The Washington Post)

Mais de 1,5 milhão de livros são emprestados e devolvidos a cada ano na Biblioteca Central de Viena, a Hauptbuecherei, na capital austríaca. Todo livro emprestado volta com evidências de onde esteve, sejam impressões digitais invisíveis ou misteriosas manchas de comida. Mas um número surpreendente retorna com lembranças curiosas: marcadores de livros improvisados.

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Claudia Bitter e seus colegas da biblioteca passaram mais de vinte anos coletando mais de 8 mil itens que foram usados como marcadores de página e depois esquecidos pelos leitores, como multas de estacionamento, fotos de casamento, embalagens de preservativos e cartas de amor.

“Querido Michi”, escreveu uma certa Elena num bilhete encontrado entre as páginas de um livro. “Eu lhe peço para continuar o casamento comigo!”

Até meados de novembro, o bilhete de Elena é uma das centenas de marcadores de páginas na exposição “Socorro, estamos presos - O mundo dos objetos deixados para trás nos livros”. O título vem de um bilhete da coleção.

Bitter – autora, artista e bibliotecária – começou a coletar os itens esquecidos quando conseguiu um emprego na biblioteca central de Viena, em 2001. “Quando as pessoas devolvem os livros, às vezes os objetos simplesmente caem”, disse ela. “Comecei a colecionar os objetos porque as coisas que encontrei – fotos, bilhetes, receitas médicas, um recibo de 1965 – eram fascinantes demais para jogar fora. São muitas coisas interessantes e tocantes que nos dão uma visão privilegiada da vida dos leitores”.

Bibliotecários passaram mais de 20 anos coletando itens que foram usados como marcadores de página e depois esquecidos pelos leitores, como multas de estacionamento, fotos de casamento, embalagens de preservativos e cartas de amor Foto: Standrett - adobe.com

Mais de duas décadas depois de começar a coleção, Bitter contou com a ajuda do artista e co-curador Sebastian Kraner para conceber a exposição. Uma foto em preto e branco de uma estudante de mochila é o primeiro artefato que os visitantes veem.

“Ainda não sabemos quem ela é”, disse Kraner. “Para mim, a foto transmite algo antigo, mas também atemporal. Ela carrega uma espécie de nostalgia dos livros, dos tempos de escola e do aprendizado, além da curiosidade das crianças, que também associo fortemente aos livros”.

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Bitter e seus colegas não registraram os títulos que abrigaram cada objeto, mas alguns dos marcadores são exibidos em livros que a biblioteca deve descartar.

“Acho que isso é o mais interessante”, disse Kraner. “Não sabemos exatamente em qual livro os objetos foram encontrados. Então, é você que tem de imaginar as histórias por trás dos objetos”.

Os bilhetes encontrados entre as páginas fornecem percepções particularmente pessoais sobre a vida dos usuários da biblioteca. “Toda vez que venho aqui, tudo o que faço é limpar!”, diz um bilhete. “Você limpou alguma coisa em algum momento do fim de semana? Seus chinelos estão no banheiro, tive que lavá-los porque estavam muito sujos. O apartamento inteiro está sempre sujo!”

Uma lista de ingredientes sem título pede “7 xícaras de morangos, 3 xícaras de mascarpone, 1 xícara de açúcar de confeiteiro, 40 bolachas”. Um tiramissu de morango, talvez?

Em um panfleto do Museu de História da Arte de Viena, outro leitor mapeou seu dia em letra cursiva: “Café da manhã = iogurte grego com frutas, aveia e mel. Trabalho = Parque da Fonte. Devolver livro. Passeio na hora do almoço. Ligar para Andrea. Jantar - Pãozinho de salmão. Meditar no metrô e nos intervalos”.

Outro pedaço de papel dobrado tem a mesma frase escrita repetidas vezes com caneta marca-texto laranja, presumivelmente como punição: “Não direi palavrões ao meu irmão”.

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Entre os muitos itens pessoais de amor – e, às vezes, de aversão – há também muitos objetos bizarros e inesperados. “Para mim, uma das coisas mais curiosas que encontrei foi a embalagem de uma pílula anticoncepcional – com uma pílula ainda dentro”, disse Bitter. Ao longo dos anos foram encontrados um cinto, pinças, cabelos e até mesmo uma fatia de salsicha. Este último leitor foi localizado e prontamente multado.

Bibliotecários posam para retrato da exposição de marcadores de livros inusitados na Áustria Foto: Claudia Bitter/Divulgação

“É claro que também tentamos contatar o leitor se encontrarmos algo valioso – como quando encontramos uma nota de 100 euros ou uma caderneta de banco”, disse Bitter.

Preservar as memórias de um mundo mais analógico também é importante para os curadores. “À medida que continuei colecionando, ficou cada vez mais claro para mim que há muitas coisas que em breve deixarão de existir”, disse Bitter.

“Temos lindas receitas, listas de compras e cartões postais, tudo escrito à mão. Agora você recebe um código QR para entrar no museu, mas antigamente era um ingresso bem bonito”.

Bitter não planeja parar de colecionar antes de se aposentar, em cerca de dois anos. “O que ainda acho muito bom é que você pode ver a diversidade das pessoas que usam a biblioteca”, disse ela. “É uma comunidade que só é uma comunidade quando vai à biblioteca. Fora isso, essas pessoas provavelmente não têm contato umas com as outras”.

Muitos visitantes da exposição vêm para ver se algum de seus pertences perdidos faz parte da coleção. Mas, até o momento, não houve nenhuma reivindicação. Elena e Michi continuaram o casamento? A receita de tiramissu de morango saiu como planejado? Cada item é uma história em si. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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