RIO - Vinte e dois anos após ser indicada ao Oscar de melhor atriz, Fernanda Montenegro, de 92 anos, foi eleita na tarde desta quinta-feira, 4, integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL). Ela será a sétima ocupante da cadeira 17, vaga desde a morte do escritor e diplomata Affonso Arinos de Mello Franco, em 15 de março de 2020. Fernanda era a única candidata a essa vaga. Mesmo assim, em teoria, seria possível que não fosse eleita, porque é preciso que o candidato tenha mais que a metade dos votos - quando isso não acontece, é marcada uma nova eleição. Fernanda obteve 32 votos, e houve dois votos em branco e uma abstenção.
Fundada em 1897, a ABL tem 40 cadeiras, mas cinco estavam vagas - portanto, 35 acadêmicos poderiam votar. A eleição ocorreu em sessão secreta, realizada na sede da ABL, no centro do Rio de Janeiro, de forma híbrida: alguns acadêmicos compareceram e outros participaram virtualmente. Ainda não foi definida a data da sessão em que Fernanda tomará posse.
“Fernanda ocupa um lugar primordial na cultura brasileira. Eu dizia hoje que teremos que aumentar o número de cadeiras para 80, porque, se ela trouxer aqueles 20, 30 personagens que marcaram a história do nosso país, ela entra com todos eles. Fernanda Montenegro é ligada ao imaginário brasileiro, mas também é uma intelectual engajada e sensível leitora do real, um dos grandes ícones da cultura brasileira”, afirmou o presidente da ABL, Marco Lucchesi. “Sua presença enriquece os laços da Academia com as artes cênicas. Com ela adentram, luminosos, tantos personagens que marcaram gerações, passado, presente e futuro”, concluiu.
A cadeira 17 tem como patrono o jornalista Hipólito da Costa (1774-1823), e seu primeiro ocupante foi o crítico e professor Silvio Romero (1851-1914). Ele foi sucedido pelo também crítico e professor Osório Duque-Estrada (1870-1927), autor da letra do Hino Nacional. O terceiro ocupante da cadeira 17 foi o médico legista, professor e ensaísta Edgar Roquette-Pinto (1884-1954). Seguiram-se o professor e crítico literário Álvaro Lins (1912-1970), o professor, diplomata e filólogo Antonio Houaiss (1915-1999) e Affonso Arinos de Mello Franco (1930-2020).
Ainda neste mês devem ocorrer mais três eleições na ABL, sempre às quintas-feiras. No dia 11 será escolhido o novo ocupante da cadeira 20, no dia 18 o ocupante da cadeira 12 e no dia 24 o ocupante da cadeira 39. Em dezembro deve ser escolhido o novo ocupante da cadeira 2. Entre os concorrentes à cadeira 20 estão o cantor e compositor Gilberto Gil e o poeta Salgado Maranhão.
Para integrar a ABL não é necessário ter uma carreira literária de sucesso. O estatuto exige que, para se tornar um “imortal”, como são conhecidos os integrantes da Academia, as pessoas “"tenham, em qualquer dos gêneros de literatura, publicado obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livro de valor literário".
A Carreira de Fernanda Montenegro
Fernanda Montenegro é o nome artístico de Arlette Pinheiro Monteiro Torres, que nasceu no Rio de Janeiro em 16 de outubro de 1929. Aos 15 anos começou a trabalhar como locutora e radioatriz na rádio Ministério da Educação e Saúde, atual rádio MEC, onde permaneceu por dez anos. Foi nesse período que adotou o pseudônimo Fernanda Montenegro.
A emissora de rádio ficava ao lado da Faculdade Nacional de Direito (atual Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro), onde havia um grupo de teatro amador. Integrou-se à turma e passou a atuar nos palcos. Iniciou a carreira profissional como atriz em 1950, na peça Alegre Canção nas Montanhas, em que contracenou com Fernando Torres, com quem se casaria em abril de 1953.
Em 1951, foi a primeira atriz contratada pela recém-criada TV Tupi, onde trabalhou até 1953. Em 1954 transferiu-se para a TV Record, onde foi a protagonista de A Muralha, primeira novela da emissora. Na década de 1960 Fernanda trabalhou na TV Rio, na Record, na Globo (criada em 1965) e na Excelsior. Em 1970 deixou a Excelsior e passou a década dedicando-se quase que exclusivamente ao teatro. Estreou em novelas na Globo em 1981, interpretando Silvia Toledo Fernandes na novela Baila Comigo.
Depois atuou em Brilhante (também em 1981), Guerra dos Sexos (1983), Cambalacho (1986) e outras, além de minisséries como Riacho Doce (1990).
O auge de Fernanda no cinema foi em 1998, com Central do Brasil, em que interpretou Dora e foi indicada ao Oscar de melhor atriz. Tornou-se a primeira latino-americana e a única brasileira indicada ao Oscar de melhor atriz, além de ser a única pessoa indicada a esse prêmio por uma atuação em língua portuguesa. A vencedora do Oscar naquela ocasião foi Gwyneth Paltrow, por sua atuação em Shakespare Apaixonado.
Em setembro de 2019 Fernanda lançou sua autobiografia, Prólogo, ato, epílogo, pela editora Companhia das Letras, em parceria com Marta Góes.
A atriz tem dois filhos de seu casamento com Fernando Torres (1927-2008): o cineasta Cláudio Torres, de 58 anos, e a atriz Fernanda Torres, de 56 anos.
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