Mais atual agora do que nunca, 1984, uma das obras mais importantes e distópicas do escritor britânico George Orwell (25 de junho de 1903 - 21 de janeiro de 1950) e publicada originalmente em junho de 1949, foi transformada em história em quadrinhos pelo cartunista brasileiro Fido Nesti.
Em entrevista à Agência Efe em Madri por ocasião do lançamento da HQ na Espanha pela editora De Bolsillo, o paulista disse que seu objetivo com esta adaptação é para trazer de volta a "poderosa mensagem" de Orwell.
"Ela continua sendo muito urgente, porque agora estamos diante do retorno de vários regimes totalitários", disse.
"Orwell e sua distopia são tão relevantes hoje que eu não pude deixar de ter isso em mente o tempo todo. A realidade cotidiana bateu na minha porta, lembrando que eu estava realmente vivendo uma distopia tripla: 1984 de Orwell, o novo governo brasileiro (do presidente Jair Bolsonaro) e depois a pandemia (de Covid-19)", acrescentou.
Relação entre nesti e Orwell
Nesti contou que, coincidentemente, foi no ano de 1984, quando ele tinha 13 anos, que conheceu Orwell ao ler, pela primeira vez, os livros A Revolução dos Bichos (1945) e 1984.
"Fiquei muito impressionado com a visão de Orwell do futuro como um pesadelo. Eu ainda vivia o final da ditadura militar no Brasil (1964-1985), então o cenário do romance não me pareceu estranho", revelou.
Por isso, o fato de reler 1984 para fazer a adaptação foi "um grande prazer" para ele, e também um "segundo baque" devido a mensagens do autor que "ainda ressoam com muita força".
"Alguns dos temas do romance, como a perda da individualidade, me impressionaram ainda mais agora. Quando o li pela primeira vez, não havia internet e agora as telas que tudo veem estão em nossas mãos, o tempo todo, no formato de telefones celulares", afirmou Nesti.
Processo de adaptação da obra
O paulista demorou dois anos para concluir o livro ilustrado de 224 páginas, lançado neste ano no Brasil pela Companhia das Letras, e, nesse sentido, afirmou que o processo de trabalho foi "desafiador", pois exigiu que realizasse várias leituras e anotações, além do desenvolvimento de personagens, pesquisas, roteiros e desenhos.
"Foi particularmente difícil escolher quais trechos poderiam ser encurtados, já que o texto é tão rico e relevante. A ideia era criar um bom equilíbrio entre texto e imagens para fazê-lo funcionar como uma história em quadrinhos sem perder a alma do romance", explicou o brasileiro, que usou para a capa as cores cinza e vermelho, que parecem ter sido escolhidas pelo proprio Orwell.
"Acho que o concreto (em referência ao cinza) é uma boa cor para representar a opressão, o desespero, a tortura, a perda da humanidade. Morar em Londres por um ano me ajudou na criação da paleta da Oceania (superestado fictício onde se passa a história do livro), inspirada no clima e na arquitetura brutalista", ressaltou o artista, que conta com publicações em revistas internacionais como The New Yorker, Rolling Stone e Americas Quarterly.
No entanto, as cores utilizadas também funcionam como um "estado de espírito", que reflete o que se passa na cabeça do protagonista da trama, o melancólico Winston Smith.
"Ficaria muito feliz se pudesse despertar algum interesse em novos leitores, e também se essa história em quadrinhos ajudasse a espalhar suas palavras (de Orwell) e a chamar a atenção para a descoberta do romance original", afirmou.
História original
1984 é um romance distópico escrito por Geogre Orwell, em grande parte, quando ele morava na ilha de Jura, na Escócia.
A história, narrada pelo protagonista Winston Smith, se passa na Pista de Pouso Número 1, uma província do superestado da Oceania, que fica localizado em um mundo fictício que vive permanentemente em guerra e onde a vigilância governamental é onipresente e onde há uma forte manipulação pública e histórica.
Os habitantes do local se encontram submetidos a um regime político totalitário chamado de Socialismo Inglês e falam uma língua inventada pelo governo, que está sob o controle da elite privilegiada.
Dentro desse contexto, Smith, um homem comum, recebe a tarefa de perpetuar a propaganda do regime através da falsificação de documentos públicos e da literatura, para criar provas de que o governo sempre está certo, o que dá início a uma rebelião, que tem origem com a frustração de Smith com o sistema.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.