A obra de Hilda Hilst está prestes a passar por uma nova revisão: na segunda-feira, 24, chega às livrarias Da Poesia, livro com toda sua obra poética, inclusive textos inéditos, editado pela Companhia das Letras. Vários desenhos de Hilda, um posfácio inédito de Victor Heringer, textos de Lygia Fagundes Telles, Caio Fernando Abreu e uma entrevista que Hilst deu a Vilma Arêas e Berta Waldman, publicada no Jornal do Brasil, em 1989, completam a edição.
Hilda Hilst (1930-2004) sempre gostou de arranjar confusão com editores - em várias entrevistas, ela os culpava pelo fato de sua obra ser mal distribuída. “Não consigo me acostumar com isso (a ideia de só ser lida depois da morte)”, lamentou, em entrevista ao Estado em junho de 1992. E seguiu: “Amigos dizem que eu devo aparecer na televisão, que devo frequentar a vida literária, brilhar. Mas o que deve aparecer é o meu texto”.
O presidente do Grupo Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, reconhece que a nova edição é uma reparação de um erro no passado - Hilda chegou a enviar os livros para ele no início dos anos 1990, buscando uma publicação pela editora, mas acabou rejeitada. “É a reparação de um erro cometido no passado”, diz o editor, agora - são 6 mil exemplares, número alto para os padrões brasileiros. “Na ocasião, a linha editorial da Companhia das Letras em poesia era bem mais restrita. Fico feliz em reparar esse erro e é uma pena que não tenha acontecido com a Hilda ainda em vida.”
Essa não é a primeira retomada editorial da obra de Hilst: em 2000, quando a escritora tinha 70 anos, a Globo começou a publicar suas obras completas com organização do crítico literário Alcir Pécora, processo que terminou em dezembro de 2014 com Pornô Chic. Da Poesia é, porém, a primeira vez que seus 25 livros de poemas (entre Presságio, de 1950, e Cantares do Sem Nome e de Partidas, de 1995) estão no mesmo volume.
“A Globo teve uma função importante”, avalia o presidente do Instituto Hilda Hilst, Daniel Fuentes. “Hoje, a Hilda tem um público muito jovem também, somos ativos nas redes sociais. Ainda há um público enorme a ser apresentado para sua obra. Agora, a Companhia está alinhada com isso também.”
O trabalho de estabelecimento do texto - importante numa obra tão densa - foi feito pela pesquisadora Leusa Araujo. “Hilda trabalhava intensamente sobre seus livros, revisava, escrevia ao editor, era exigente. Além disso, ela sonhava com uma edição de sua poesia integral, num único volume - o que só está ocorrendo agora”, diz Araujo.
Uma avaliação que Hilda fazia da própria obra, especialmente nos anos 1990: “Maravilhosa. Fico besta de ver como as pessoas não entendem o que escrevi”. Daniel Fuentes, é claro, concorda. “Ela sempre esteve muito à frente do seu tempo, me parece que as vanguardas são absorvidas mais tarde mesmo. É uma obra fundamental da literatura brasileira.”
Instituto Hilda Hilst. Chegar à Casa do Sol - a mítica morada de Hilda Hilst em Campinas, hoje sede do instituto que leva seu nome - em 2017 é uma experiência esquisita. Após passar por uma guarita de entrada de condomínio, anda-se uns 700 metros de carro numa rua asfaltada, com casas grandes e muros fechados de lado a lado, até um portão que destoa do resto. Ali, a simpática artista plástica Olga Bilenky, moradora da casa há 40 anos e amiga de Hilda durante toda sua vida, recebe visitantes, artistas residentes e, de vez em quando, eventos culturais.
O instituto foi criado em 2005 por José Luís Mora Fuentes, amigo de Hilda e pai, junto com Olga, de Daniel. No ano passado, o IHH lançou o Clube Obscena Lucidez. Sob o pagamento de mensalidades, membros recebem reproduções de materiais muitas vezes inéditos encontrados na casa e objetos relacionados à memória de Hilst. No primeiro mês, a estrela foi uma reprodução numerada de um desenho original da cartunista Laerte, feito no início dos anos 1990, dedicado a Hilda - a próxima edição enviará aos associados um Da Poesia e conteúdos relacionados à obra. As modalidades de assinatura são variadas, mas ficam entre R$ 49 e R$ 119. A ideia é criar uma ferramenta para diversificar as fontes de recursos do IHH, e assim preservar a casa e o acervo que ela guarda.
Embora a maior parte da produção intelectual de Hilst esteja na Unicamp, a Casa do Sol guarda sua biblioteca de cerca de 3 mil livros - muitos deles com anotações, divagações, desenhos e grifos da autora, um material muito rico para pesquisadores. “Ali se pode ver parte do processo criativo e a vida intelectual da Hilda, nas páginas dos livros”, diz Daniel. “Estamos trabalhando a ideia de montar exposição só com essas anotações e desenhos.” Além dos livros, segue na casa muito do que ela produziu nos últimos oito anos de vida e o que ela não quis mandar para a Unicamp, como algumas cartas, fotos, escritos originais esparsos, filmes em Super 8 produzidos por ela nos anos 1970, toda a célebre pesquisa de áudio, e objetos pessoais.
O instituto, que teve o apoio do Itaú Cultural em 2015 para a primeira parte dos trabalhos de catalogação e preservação, está com um projeto de captação autorizado no ProAC, programa de incentivo do Estado de São Paulo. Segundo Olga, a necessidade de um investidor é “urgente”.
DA POESIAAutora: Hilda HilstEditora: Companhia das Letras (616 págs.,R$ 64,90,R$ 39,90 o e-book)
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