A Livraria Morisaki passou pouquíssimo tempo vazia nesta Bienal do Livro de São Paulo - e é pouco provável que isso mude no último fim de semana do evento, que vai até o domingo, 15, no Distrito Anhembi. Quem passava por ali não resistia ao charme do lugar e logo parava para tirar uma foto. O movimento gerou fila até nos dias mais vazios da feira.
Nunca ouviu falar nesse lugar? Calma, ele não é uma livraria de verdade, e sim um dos espaços “instagramáveis” (ou seja, para tirar fotos) do estande da editora Record. Inspirado pelo cenário do best-seller japonês Meus Dias na Livraria Morisaki (de Satoshi Yagisawa, publicado pela Bertrand Brasil), é apenas um dos cantos dedicados a literatura japonesa ou coreana na Bienal do Livro.
Quem passar pela editora Rocco logo vai notar as “janelas” e o letreiro em coreano. Todo o estande foi inspirado pelo sebo onde mora e trabalha Yunjae, o personagem principal de Amêndoas, livro da sul-coreana Won-Pyung Sohn que vendeu mais de 50 mil exemplares no Brasil. O novo livro da autora, O Impulso, está sendo lançado na Bienal pela editora.
Nas paredes externas do estande da Intrínseca, também chamam a atenção as capas enormes de Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong (de Hwang Bo-Reum, da Coreia do Sul) e Vou te Receitar um Gato (de Syou Ishida, do Japão). São apenas alguns dos muitos títulos dos países espalhadas pelos expositores da Bienal do Livro - nas paredes, nas estantes, nas mesas e nas listas de mais livros mais vendidos.
“A literatura asiática recente é marcada pela característica de ‘literatura de cura’. São temas pesados e difíceis tratados de forma delicada, poética, com conselhos sobre a vida. Os livros sempre terminam com um ensinamento, de maneira acolhedora ou inspiradora”, explica Ana Lima, editora-executiva da Rocco.
O fenômeno da “ficção de cura” (ou healing fiction, em inglês, como ganhou popularidade) foi explicado pelo Estadão em março deste ano. São livros que costumam ter elementos parecidos: livrarias, sebos, cafés, gatos e uma história comumente inspiradora, preocupada com a saúde mental do leitor. Leia:
“É natural um crescimento do interesse pelo gênero no Brasil e no mundo após anos de pandemia, incertezas e muitas perdas. Geralmente, são livros que fazem chorar, mas o leitor termina a leitura numa nota alta e esperançosa, entendendo inclusive que chorar faz bem e é parte do processo de cura”, completa Ana Lima.
É nessa onda da ficção de cura que os livros coreanos e japoneses fazem sucesso entre os leitores. No estande da Rocco, Amêndoas, sobre um menino que nasceu com uma condição neurológica que o impede de identificar e expressar sentimentos, é o segundo livro mais vendido. O Impulso ocupa a quarta posição - ele fala sobre um homem que está prestes a desistir da vida, quando se torna obcecado por algo aparentemente irrelevante: corrigir sua postura corporal.
Na onda dos doramas...
A assistente administrativa Patricia Viana, de 30 anos, passeava pelo estande da Intrínseca com um exemplar de Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong na mão na noite de quinta-feira, 12, quando cruzou com a reportagem. “Eu vi que a galera está elogiando bastante, então fiquei com vontade de experimentar esse”, disse.
A vontade de dar uma chance para a literatura coreana veio pelo paixão pelos doramas (termo usada para abarcar dramas produzidos no leste e sudeste da Ásia, apesar da definição já ter gerado polêmica).
“Já tinha visto as pessoas postando nas redes sociais sobre livros deste estilo e aproveitei a Bienal porque acho difícil achar livraria em São Paulo. Então pensei que aqui conseguiria ver todas as opções deste tipo de livro”, diz Patricia. “Fiquei curiosa com esse porque [nos doramas] geralmente são casais, e este não é isso”.
A popularidade de produtos culturais da Coreia do Sul, vide os k-dramas e o k-pop, também ajudou no crescimento dos livros coreanos no Brasil. É o que opina a estudante de Letras Giovanna Labiuc, de 22 anos, que diz ter notado o boom desses títulos no País.
Ela comprou o livro Kim Jiyoung, nascida em 1982, de Cho Nam-Joo. “Me interessou porque fala sobre as diferenças de gênero na Coreia. Gosto de ver essas diferenças culturais”, explica. Ela conta que Amêndoas, citado anteriormente, também está em sua lista de próximas leituras. “Acho que as narrativas são um pouco diferentes do que estamos acostumados”.
A gerente de marketing da Intrínseca, Vanessa Oliveira, concorda com a hipótese de Giovanna. “O crescimento da literatura sul-coreana acompanha um movimento cultural ainda mais abrangente. As pessoas estão ouvindo k-pop, vendo k-dramas, é natural que o interesse do público se estenda também aos livros. Já em 2021 quando lançamos a coleção It’s okay to not be okay, que vinha de uma série coreana, sentimos como este era um público voraz. Hoje em dia isso só se intensificou: mais títulos (de diversos gêneros), mais conteúdo, mais público espalhando o amor pela cultura coreana”, diz.
Já sobre a literatura japonesa, ela acredita que os livros permeiam o mercado editorial nacional há até mais tempo, mas agora chegam com livros mais pop, e na onda da ficção de cura. “Nosso Vou te receitar um gato, que conquistou o público no momento do anúncio e o mais recente Os gatos do café da Lua Cheia, são bons exemplos disso”, cita.
Sucesso de vendas e apostas para o futuro
Segundo a Intrínseca, Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong, sobre uma mulher que começa a administrar uma livraria e descobrir mais sobre si mesmo, vendeu 1,2 mil exemplares na Bienal. Vou Te Receitar Um Gato, sobre uma clínica que receita gatos ao invés remédios para seus pacientes, vendeu 900.
“Costumo dizer que, nesse tipo de livro, de ficção de cura, a gente termina a leitura com um ‘quentinho no coração’. São livros que falam da vida cotidiana com leveza, às vezes com pitadas de fantasia para desacelerar e provocar uma reflexão de vida no leitor“, diz Vanessa.
A Inconveniente Loja de Conveniência, do coreano Kim Ho-yeon, é, até o o momento, o sétimo livro mais vendido da Record na Bienal. A editora também já publicou, pela Bertrand Brasil, Regras de Amor na Cidade Grande, de Sang Young Park, além dos japoneses A Lanterna das Memórias Perdidas (de Sanaka Hiiragi), Se os Gatos Desaparecessem do Mundo (de Genki Kawamura) e Meus Dias na Livraria Morisaki, citado no começado da reportagem.
“Falando da linha de ficção de cura, a gente vê que os livros estão vendendo muito bem. Dos que foram lançados esse ano pela Record, vários já estão sendo reeditados e alguns já estão na sua terceira edição. Na Bienal, a gente verifica que eles estão entre os mais vendidos do estande”, aponta Renata Pettengill, editora-executiva da Bertrand Brasil.
“Outra coisa que observei é que, sempre que postamos alguma coisa falando sobre os livros de ficção de cura, muitas pessoas comentam dizendo que estão amando a linha de livros e que não veem a hora de ler mais obras. Então é popular e essa popularidade pode ser identificada através de números de vendas e dos comentários dos leitores nas redes sociais pedindo mais”, completa ela.
Ela diz, até o final do ano, a Bertrand ainda vai publicar mais um livro coreano na linha da ficção de cura e que, para o ano que vem, já estão programados ao menos mais três títulos. Ana Lima, da Rocco, diz que a editora tem mais dois lançamentos de autores coreanos programados até julho.
Livros coreanos ou japoneses nas listas de mais vendidos da Bienal do Livro
- Amêndoas, de Won-Pyung Sohn (Rocco)
- O Impulso, de Won-Pyung Sohn (Rocco)
- Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong, de Hwang Bo-Reum (Intrínseca)
- A Biblioteca dos Sonhos Secretos, de Michiko Aoyama (Arqueiro)
- A Inconveniente Loja de Conveniência, de Kim Ho-yeon (Record)
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