“No campo sozinha/ Havia uma flor/ Uma flor delicada/ No campo havia./ Naquele silêncio/ Juntinho da flor,/ Eu estava sozinha/ Com muito ardor. / Andei, passeei/ Por aqueles terrenos/ Onde lembro a saudade/ Onde lembro o amor. / A noite chegou/ Abracei-me com a flor/ Não estou mais sozinha,/ A tristeza findou.”
Ana Cristina Cesar (1952-1983) só tinha 9 anos, mas já era uma poeta experiente quando publicou este poema na revista da Igreja Metodista, em 1961. Fazia versos desde antes de saber ler ou escrever. A garota que estampou a capa da Bem-Te-Vi passou seus primeiros anos ditando versos para a mãe, e explicou isso antes de apresentar os textos que selecionou de seu caderno para a edição. “Quando eu dizia um pedacinho do verso, a mamãe ia téc-téc-téc na máquina e escrevia o que eu ditava.”
A foto da capa e a reprodução das páginas estão em Inconfissões – Fotobiografia de Ana Cristina Cesar, que o Instituto Moreira Salles lança no dia 30, na Festa Literária Internacional de Paraty. Ana C. é a autora homenageada desta edição do festival, que será realizado de quarta, 29, a domingo, 3. Longe das livrarias por muito tempo, a obra da poeta se reaproximou do grande público em 2013, com o lançamento de Ana Cristina Cesar – Poética (Companhia das Letras), e agora chega com força total. Além da fotobiografia, estão sendo lançados suas críticas e ensaios, estudos sobre sua obra, uma biografia, seleção de cartas e antologias em que ela é um dos destaques (veja ao lado).
Ana C. viveu pouco – deprimida, morreu aos 31 – e publicou poucos livros, mas marcou uma geração de poetas. Parte de sua trajetória é contada no livro que o IMS lança agora com base no acervo que, herdado pelo poeta Armando Freitas Filho quando a amiga morreu, pertence agora à instituição.
“Começamos o livro pela última foto dela e vamos retrocedendo até encontrá-la no colo dos pais. E temos a impressão de que ela nunca deixou de ser poeta. Vai mudando a letra, o poema, o rostinho, o tamanho, mas em nenhum momento existe uma ruptura, ou um momento que diga: aqui ela começou a escrever. Ela escreveu sempre”, diz o também poeta Eucanaã Ferraz, organizador do volume ricamente ilustrado com fotos, manuscritos, datiloscritos e desenhos. A Ana C. que o leitor descobrirá na obra é a Ana Cristina que ele construiu com base nas fotos que foram tiradas, guardadas e que estão no vasto acervo, alerta. “Essa Ana Cristina é uma pessoa muito interessante, camaleônica, muito bonita, charmosa, que dialoga com a câmera e que faz sempre pose. Ela tem a noção de que uma fotografia é um relato, uma microbiografia”, diz. Ao mesmo tempo em que aparece muito exposta, parece que ela está usando uma máscara, comenta Ferraz. “As imagens célebres dela com os óculos escuros são muito emblemáticas – como se eles recusassem uma visão total dela.”
Na obra, amigos de Ana, como Armando Freitas Filho e Heloisa Buarque de Hollanda, descrevem algumas das fotos enquanto poetas da nova geração imaginam os momentos.
Caio Fernando Abreu é uma das ausências sentidas – embora os dois tenham se correspondido mais do que se encontrado. “A minha Ana Cristina não conheceu o Caio. Não tinha nenhuma imagem deles, nenhuma carta”, explica. Mas Eucanaã conseguiu chegar a um namorado inglês pouco lembrado quando se fala nela. Christopher Rudd contou a história por trás de uma das fotos incluídas no livro: os dois na rua em que Emily Brontë morou – àquela época, Ana, estudante de tradução literária na Inglaterra, lia O Morro dos Ventos Uivantes.
PROGRAMAÇÃO
Quarta-Feira, 29 de junho
Sessão de abertura 'Em Tecnicolor', 19h Armando Freitas Filho e Walter Carvalho
Sessão de Cinema, 19h45 “Manter a linha da cordilheira sem o desmaio da planície”
Quinta-Feira, 30 de junho
Mesa 1 - A teus pés, 10h Annita Costa Malufe Laura Liuzzi Marília Garcia
Mesa 2 - Cidades refletidas, 12h Francesco Careri Lúcia Leitão
Mesa 3 - Os olhos da rua, 15h Caco Barcellos Misha Glenny
Mesa 4 - Histórias naturais, 17h15 Álvaro Enrigue Marcílio França Castro
Mesa 5 - Matéria cinzenta, 19h30 Henry Marsh Suzana Herculano-Houzel
Mesa 6 - Na pior em Nova York e Edimburgo, 21h30 Bill Clegg Irvine Welsh
Sexta-feira, 1 de julho
Mesa 7 - Breviário do Brasil, 10h Benjamin Moser Kenneth Maxwell
Mesa 8 - A história da minha morte, 12h J.P. Cuenca Valeria Luiselli
Mesa 9 - O show do eu, 15h Christian Dunker Paula Sibilia
Mesa 10 - Encontro com Karl Ove Knausgård, 17h15
Mesa 11 - Mixórdia de temáticas, 19h30 Ricardo Araújo Pereira Tati Bernardi
Mesa 12 - Sexografias, 21h30 Gabriela Wiener Juliana Frank
Sábado, 2 de julho
Mesa 13 - Encontro com Leonardo Froés, 10h
Mesa 14 - De Clarice a Ana C, 12h Benjamin Moser Heloisa Buarque de Hollanda
Mesa 15 - Encontro da arte com a ciência, 15h Arthur Japin Guto Lacaz
Mesa 16 - Encontro com Svetlana Aleksiévitch, 17h15
Mesa 17 - O falcão e a fênix, 19h30 Helen Macdonald Maria Esther Maciel
Mesa 18 - O palco é a página, 21h30 Kate Tempest Ramon Nunes Mello
Domingo, 3 de julho
Mesa 19 - Síria mon amour, 10h Abud Said Patrícia Campos Mello
Mesa 20 - Encerramento: Luvas de pelica, 14h Sérgio Alcides Vilma Arêas
Mesa 21 - Livro de cabeceira, 14h15 Arthur Japin, Helen Macdonald, Heloisa Buarque de Hollanda, J. P. Cuenca, Karl Ove Knausgård, Kate Tempest, Laura Liuzzi, Marcílio França Castro, Misha Glenny e Ricardo Araújo Pereira
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