A caixa com as edições fac-similares das seis principais revistas do modernismo brasileiro da década de 1920, que será lançada nesta quarta, 5, às 19 h, na Casa Mário de Andrade, permite concluir que a Semana de Arte de 1922 não foi um divisor de águas entre arautos futuristas e burocratas passadistas. Em alguns modernistas, os dois espíritos estavam tão amalgamados que nem o tempo conseguiu separar um do outro - e, para ficar em três nomes, basta citar os de Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Plínio Salgado. A lista poderia continuar, mas não foram apenas os escritores ligados à vertente nacionalista do modernismo que abjuraram as ousadias de juventude. Até mesmo modernos de primeira hora, como o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, deram provas de miopia provinciana - acusou Proust de escrever mal e construir frases intermináveis, embora tenha traduzido mais tarde o romancista francês, a despeito de sua reconhecida homofobia. Enfim, talvez ignorasse que até mesmo Pedro Nava, seu colega de A Revista, gostava de rapazes. A publicação modernista mineira teve curta duração: três números, entre 1925 e 1926.
Drummond, anos depois, diria numa entrevista que não suportava a ideia de estar num mesmo recinto com homossexuais, esquecendo que foi tradutor de um ensaio de Marcel Coulon sobre dois deles, Rimbaud e Verlaine, publicado na mesma A Revista. Definitivamente, Drummond tinha problemas com gays, preferindo ignorar, talvez em proveito próprio, que Mário de Andrade, um de seus primeiros incentivadores, fosse homossexual. A crítica ao provincianismo dos modernos aparece de maneira mais explícita em outra revista modernista nascida no ano em que a publicação mineira morreu, 1926. A paulistana Terra Roxa e Outras Terras, defende o ensaísta Antonio Arnoni Prado em sua avaliação sobre a revista, reunia um bando de reacionários que, segundo o professor, iriam “chafurdar na ópera bufa do nacionalismo verde-amarelo”, dando como exemplos os três escritores citados no primeiro parágrafo. Numa análise comparativa entre as seis revistas modernistas publicadas depois da Semana de 22, Klaxon, a pioneira, ainda é a mais ousada. De curta duração, como as outras revistas de vanguarda (com apenas 9 números, ela circulou entre maio de 1922 e janeiro de 1923), Klaxon foi a mais revolucionária em termos visuais, desde a capa, assinada pelo poeta Guilherme de Almeida - letras dispostas numa composição ortogonal, como nas peças gráficas de Léger - até os encartes com desenhos de Di Cavalcanti, Brecheret, John Graz e até Alberto Cavalcanti, antes de virar cineasta. Mário de Andrade, como sempre, segurava o rojão, escrevendo, editando e divulgando a revista. Foi graças ao espírito renascentista de Mário, missivista compulsivo, que Klaxon abriu caminho para as demais revistas modernistas, inclusive a segunda delas, Estética, publicada entre 1924 e 1925 (três números apenas), em que Drummond, com 22 anos, apareceu para São Paulo e Rio de Janeiro, a capital cultural do País. Estética, apesar do nome, não tinha ousadias gráficas como a Klaxon. Ensaística, teórica, seu modelo era a inglesa Criterion, editada pelo poeta T.S. Eliot. As outras duas revistas da caixa são a Verde, publicada por intelectuais de Cataguazes (MG), entre 1927 e 1928, e Revista de Antropofagia (1928 a 1929), em que Oswald de Andrade publicou seu Manifesto Antropófago, ilustrado por Tarsila.
REVISTAS DO MODERNISMO Casa Mário de Andrade. R. Lopes Chaves, 546; 3666-5803. Lançamento com debate. Caixa: R$ 250. Quarta, 5, 19h. Grátis.
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