Opinião | Jogos Vorazes: ‘Amanhecer na Colheita’ cai em clichês, mas é belo acréscimo à saga brutal

Novo livro da série que tem lançamento mundial nesta terça, 18, se passa 24 anos antes do primeiro volume e conta a jornada de Haymitch Abernathy, o arrogante e alcóolatra mentor de Katniss Everdeen, quando venceu os Jogos aos 16 anos

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Foto do author Julia Queiroz
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Revelar o passado de um personagem menos explorado é um dos caminhos óbvios, mas arriscados, para qualquer franquia que quer se expandir para além de sua história original. É também a rota que a escritora americana Suzanne Collins resolveu seguir com dois novos livros de sua série best-seller Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes e, agora, Amanhecer na Colheita, que chega às livrarias pela Rocco neste 18 de março depois de meses de ansiedade de fãs ao redor do mundo.

Negar a relevância de Jogos Vorazes na literatura jovem e na cultura pop de forma geral seria difícil: a saga já vendeu mais de 100 milhões de exemplares ao redor do mundo, deu origem a cinco filmes que arrecadaram mais de US$ 3 bilhões e se infiltrou em falas, referências e nas mentes de muitos adolescentes no início dos anos 2010, conquistando um público que segue fiel 17 anos após o lançamento do primeiro livro.

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Mesmo com tamanho sucesso, Collins permaneceu distante da trilogia original após o lançamento de sua última adaptação cinematográfica, na qual ela esteve envolvida de perto. Foi uma surpresa para todos quando, em 2020, ela anunciou que lançaria um livro sobre a origem de Coriolanus Snow, o cruel presidente de Panem que, todos os anos, mandava dois jovens de cada distrito do país para lutarem por suas vidas em uma arena.

A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes dividiu opiniões - para muitos, era longo demais e seus protagonistas não tinham o carisma de Katniss Everdeen, a heroína complexa que levou os distritos a uma rebelião contra a Capital. O anúncio de Amanhecer na Colheita no ano passado, portanto, foi recebido como um presente de Collins para seus leitores: desta vez, ela contaria a história de Haymitch Abernathy, o mentor arrogante de Katniss que se tornou um queridinho dos fãs.

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Haymitch Abernathy, protagonista de 'Amanhecer na Colheita', foi interpretado por Woody Harrelson nos filmes de 'Jogos Vorazes'. O novo livro se passa 24 anos antes da trilogia original. Foto: Murray Close/Lionsgate/Divulgação

A obra se passa 24 anos antes dos acontecimentos do primeiro volume e começa na manhã da colheita, dia em que os tributos são selecionados para os Jogos Vorazes - e também o aniversário de Haymitch. Como já se sabe, é o segundo Massacre Quartenário: os Jogos completam 50 anos e, por isso, o dobro de tributos serão enviados à arena, 48 em vez de 24.

Aos 16 anos, Haymitch já perdeu o pai em uma explosão nas minas de carvão e trabalha com uma contrabandista para ajudar no sustento da mãe e do irmão, de 10 anos. As semelhanças com a história de Katniss já começam aí, mas se estendem por todo o livro. Talvez uma tentativa de Collins de acentuar a similaridade entre os personagens, algo pontuado por Peeta anos depois, mas que por vezes cai na falta de originalidade. Nós já vimos esse filme antes, literalmente.

As primeiras páginas são dedicadas a apresentar a vida de Haymitch: sua família, amigos e sua namorada, Lenore Dove, uma adolescente obstinada por quem ele faria tudo - é no impulso de protegê-la que o jovem acaba em uma confusão durante a colheita que leva seu nome diretamente para a lista de tributos, mesmo sem ter sido sorteado.

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Já nestes primeiros capítulos, Collins cai no clichê de apresentar tantas referências a outros personagens da saga que os leitores ficarão atordoados. Isso se segue com a aparição de diversos nomes conhecidos conforme Haymitch é levado para a Capital ao lado de outros três tributos: sua vizinha de 12 anos, Louella, o filho de um apostador, Wyatt, e uma menina da elite do distrito, Maysilee, a quem Haymitch despreza.

É claro que tantas aparições conhecidas serão apreciadas por fãs. Não deixa de ser divertido descobrir como as alianças que deram origem à rebelião liderada por Katniss surgiram, mas também parece que estamos diante de centenas de easter eggs feitos para fãs se surpreenderem. “Olha! Esse personagem por aqui!”

Há de se dizer que demoramos bastante para ver Haymitch na arena; são mais de 200 páginas até que a luta realmente comece, o que pode deixar a história arrastada para muitos. Mas o triunfo de Amanhecer na Colheita também começa aí, quando os acontecimentos pré-Jogos começam a plantar ideias rebeldes na mente do adolescente. Ele sabe que suas chances de sobrevivências são mínimas, então quer causar o máximo de destruição que pode quando estiver na arena - não sem formar alianças e receber orientação externa.

O livro é, principalmente, um estudo de como aquele jovem brincalhão e até otimista se torna o homem - arrogante, cínico e quase sempre bêbado - que Katniss e Peeta conhecem 24 anos depois. Haymitch percebe que, para alcançar o que quer, precisa criar uma personalidade que conquiste os cidadãos na Capital e que convença os Idealizadores dos Jogos de que é apenas um garoto esperto que pode sobreviver ao massacre, e não um rebelde.

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Capa de 'Amanhecer na Colheita', novo livro da série 'Jogos Vorazes'. Foto: Rocco/Divulgação

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Ele é só um malandro, afirma a si mesmo, e precisa se policiar para garantir que sua narrativa está sendo mantida. Mas algumas dúvidas pairam ao longo do romance: ele beneficia seus planos com isso? Por que não se rebelar antes mesmo de estar na arena? Ele está apenas seguindo o jogo da Capital e do presidente Snow? E há como escapar desse jogo?

Collins afirmou que, para escrever o livro, se inspirou na teoria do filósofo escocês David Hume sobre submissão implícita - “a facilidade com que muitos são governados por poucos” - e pelo uso da propaganda na manutenção do poder. Esses são temas que circulam todo a obra e, como em seu trabalho original, é mérito de Collins fazer com que eles sejam lidos e debatidos por jovens ao redor do mundo.

Quando Haymitch já está nos Jogos, a autora faz um bom trabalho de construir em torno daquilo que já havia sido revelado sobre sua vitória nos primeiros livros. Apesar de ainda se apoiar em muitas semelhanças com Katniss, ela não poupa o leitor da brutalidade da arena, com cenas chocantes e emocionais que não amenizam o que realmente significa colocar 48 adolescentes para morrer.

O mais assustador de Jogos Vorazes, e de qualquer distopia bem feita, é o quanto uma história tão cruel pode parecer distante e, ao mesmo tempo, tão próxima da realidade. Prisão, tortura, tirania, manipulação de informações e violência de Estado são marcas da história do nosso próprio País, então como não se amedrontar com o que a ficção mostra?

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Era de se questionar se um livro como Amanhecer na Colheita, que desde o início parecia feito para agradar leitores, realmente acrescentaria algo à franquia, mas compreender o passado e como a faísca da revolução existia muito e muito antes de Katniss torna a jornada dela um pouco mais grandiosa. Com uma adaptação para o cinema já confirmada para 2026, é certo que a história permanecerá na mente dos fãs por muito tempo.

Amanhecer na Colheita

  • Autora: Suzanne Collins
  • Tradução: Regiane Winarski
  • Editora: Rocco (448 págs.; R$ 78,90 | E-book: R$ 39,90)
Opinião por Julia Queiroz

Repórter de Cultura do Estadão

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