O norueguês Jon Fosse, 64, venceu o Prêmio Nobel de Literatura 2023 por “suas peças e prosas inovadoras que dão voz ao indizível”, segundo a Academia Sueca, que fez o anúncio nesta quinta-feira, 5. Fosse é dramaturgo, poeta e romancista.
Após se consagrar com a obra Septologia, o norueguês lançou Brancura, um breve romance em que um homem começa a dirigir sem rumo e, desconhecendo as próprias motivações, conduz seu carro até uma floresta. Na escuridão e sob neve pesada, ele decide não procurar ajuda, mas entrar pela mata escura – onde encontra um ser de brancura reluzente.
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O livro, considerado uma ótima porta de entrada para a literatura de Fosse, já está em pré-venda e será publicado pela Editora Fósforo no dia 26 de outubro. A versão em e-book já estará disponível a partir deste sábado, 7.
Leia um trecho de Brancura:
“Eu dirigia sem parar. Era bom. Era boa a sensação de estar em movimento. Sem saber para onde estava indo. Apenas dirigia. O tédio havia se apoderado de mim, logo de mim, que nunca me deixei afetar por ele. Nada que me passasse pela cabeça me animava. Por isso decidi fazer alguma coisa. Entrei no carro e fui para onde ele me levasse, se no caminho houvesse uma curva à esquerda ou à direita, eu virava à direita, e se, no cruzamento seguinte, pudesse virar à direita ou à esquerda, eu virava à esquerda. E continuei dirigindo assim. Acabei enveredando por uma estrada no meio da floresta, e os sulcos no chão foram se aprofundando até que senti o carro patinar. Segui em frente, até o carro finalmente empacar. Ensaiei dar uma ré mas não consegui, então estanquei de vez. Desliguei o motor. Fiquei sentado no carro. Pois bem, cá estou eu agora, cá estou eu agora sentado, pensei, e me senti vazio, como se o tédio tivesse se transformado num vazio. Ou, melhor dizendo, numa espécie de agonia, porque senti um medo em mim enquanto estava ali com o olhar fixo adiante, fitando o vazio, como estivesse diante do vácuo. Do nada. Que conversa é essa, pensei. Diante de mim está a floresta, só a floresta, pensei. Então foi até a floresta que esse ímpeto de dirigir me trouxe. Poderia dizer de outra maneira, que alguma coisa, não sei bem o quê, me conduziu a alguma outra coisa, fosse lá o que fosse, a uma coisa distinta. Contemplei a floresta à minha frente. A floresta. Sim, árvores próximas umas das outras, pinheiros, um pinhal. E entre as árvores o solo marrom, ressequido. Eu me senti vazio. E também com essa agonia. Do que eu sentia medo. Por que estava com medo. O medo era tamanho que não consegui nem sair do carro. Não me atrevi. Quer dizer, eu estava aqui, nessa estrada, no meio da mata, para onde dirigi e fiquei preso, quase onde a estrada termina. Vai ver por isso senti essa agonia, porque deixei o carro empacar no fim de uma estrada no meio da floresta, e bem aqui, no fim dessa estrada, não havia espaço para manobrar. Não lembrava, depois que peguei essa estrada, ter passado por algum trecho em que pudesse retornar. É bem possível. Sim, porque se eu tivesse avistado um retorno decerto teria parado o carro e dado meia-volta, pois dirigir por uma estrada tão estreita cortando essa paisagem de colinas onduladas não diminuía minha agonia, pelo contrário, só a aumentava. Mas não passei por nenhum retorno, provavelmente era isso que eu esperava acontecer o tempo todo, sim, avistar um lugar adiante para encostar o carro, engatar ré, avançar um pouco, talvez repetir esse movimento algumas vezes, sim, até conseguir manobrar e voltar para a rodovia, e então prosseguir para algum lugar, mas para qual, para um lugar em que tivesse gente, e lá eu pudesse comprar alguma coisa para comer, quem sabe um cachorro-quente, ou talvez, podia muito bem ser, chegar a uma lanchonete no acostamento da rodovia para fazer uma parada e comer. Era bem possível. De repente me dei conta de que já haviam se passado dias, não lembro quantos, desde a última vez que tinha feito uma refeição decente. Se bem que provavelmente é sempre assim com quem mora sozinho. Cozinhar é um estorvo, sim, é bem mais fácil recorrer ao que está à mão, uma fatia de pão, se houver pão em casa, com o que estiver na geladeira, na maioria das vezes maionese pura e simples e umas fatias de salame. Mas isso lá é coisa para ficar remoendo, como se eu não tivesse coisas mais importantes com que me preocupar. Mas com o que então. Que estupidez me perguntar, até mesmo pensar sobre isso. Estou com o carro preso numa estrada na floresta, não tem ninguém por perto, e não consigo tirá-lo daqui, então suponho que isso já seja o bastante para me ocupar, sim, ocupar a cabeça, como se diz, me ocupar imaginando como tirar o carro daqui. Pois o carro não pode ficar preso aqui como está agora. Óbvio que não. Tão óbvio que chega a ser uma bobagem pensar isso. Cá estou eu olhando para o carro e ele apenas me devolve o olhar, estúpido. Ou será que esse olhar estúpido é o meu. Repare como ele parece estúpido ali, enganchado num montinho, como se diz, no meio da estrada, que se prolonga mais alguns metros até se transformar numa trilha pelo coração da floresta. Que diabos eu vim fazer nesse lugar. Por que vim dirigindo até aqui. Por que eu tinha que inventar isso. Por que motivo agi assim. Nenhum motivo. Nenhum. E por que dirigi até essa estrada no meio da floresta. Por puro acaso, talvez. Sim, não há outro nome para isso. Mas o acaso, o que é mesmo. Não, não vou começar a pensar essas baboseiras. Nunca leva a nada. O que preciso agora é fazer meu carro andar. E depois manobrá-lo. Mas há outra coisa. Sim, porque não passei por nenhum retorno, se tivesse passado já teria feito esse retorno há muito tempo, porque dificilmente haveria lugar mais entediante para dirigir do que essa estrada no meio da floresta. Nada além de colinas suaves e de uma fazenda abandonada, sim, só podia estar abandonada, porque havia tábuas pregadas nas janelas da casa. A pintura, aliás, estava em péssimo estado, em alguns lugares já nem havia tinta. E metade do telhado do celeiro tinha desabado. É triste ver uma casa caindo aos pedaços. Lugares com os quais ninguém se importa. Mas por que alguém haveria de se importar. Antes de estar em ruínas era, sim, uma bela casa. Eu teria gostado de morar numa casa daquelas, gostaria de ter vivido naquela casa pela qual passei, mas mais cedo na vida, quando eu era jovem, não agora. Evidente que eu não moraria numa casa naquelas condições. No estado em que estava, é óbvio que ninguém moraria nela, nem pessoas nem sei lá o quê. Animais, talvez. Sim, talvez algum animal tenha se abrigado ali dentro. A casa deve estar tomada por ratos. Até ratazanas devem ter se mudado para lá”.
*Trecho reproduzido assim como na obra original do autor, sem divisão por parágrafos.
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