Julia Quinn, a rainha dos finais felizes de ‘Bridgerton’, assume voz política e escolhe sua causa

De passagem pelo Brasil, a autora dos romances de época que viraram série de sucesso, fala sobre literatura, censura a livros e doação de cachê a organizações de defesa dos direitos LGBTQIA+

PUBLICIDADE

Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:
Correção:
Foto: Ricardo Borges/Editora Arqueiro
Entrevista comJulia QuinnEscritora e autora de 'Os Bridgertons'

RIO - Depois de uma passagem arrebatadora pela Bienal do Livro do Rio de Janeiro, Julia Quinn chega a São Paulo nesta segunda, 4, para um encontro mais modesto com seus leitores e fãs. Nada de baile, vestido longo ou trono que lembrem os volumes e temporadas de Bridgerton - e que marcaram o primeiro fim de semana da feira carioca. Na Livraria da Vila Center Norte (veja o serviço do evento abaixo), Julia Quinn volta a ser apenas uma escritora um pouco tímida autografando livros que começaram a ser escritos há 20 anos, que venderam bem dentro da nova onda de romances de época, mas que estouraram de verdade quando Shonda Rhimes transformou-os em uma bem-sucedida série para a Netflix.

Esta é a segunda vez de Julia Quinn no Brasil - ela veio em 2017. Mas é sua terceira participação na Bienal do Rio - em 2021, quando o evento fez uma edição mais compacta durante uma trégua da pandemia de covid-19, ela participou de forma remota.

Aconteça o que acontecer em sua carreira, ela sempre vai se lembrar daquela sua primeira vez aqui - que foi, ela conta agora, a primeira vez na vida que se sentiu uma escritora popular. Julia Quinn conversou com a reportagem no início da tarde de sábado, 2, e já imaginava o que estava por vir, já que a histeria escalou com a série. Ou talvez não.

Julia Quinn durante sua terceira passagem pelo Brasil. Ela participou da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, no primeiro fim de semana do evento Foto: Ricardo Borges/Editora Arqueiro

O baile de Julia Quinn na Bienal

Passava das 19h de sábado quando as portas do espaço Palavra Chave foram abertas e os fãs que tinham ficado na fila por cerca de 12 horas (as senhas para os eventos são distribuídas apenas uma hora antes de eles começarem) puderam entrar no Baile da Realeza. Havia gente de vestido longo. Máscaras foram distribuídas.

Publicidade

Julia estava no centro do palco, num trono, de vestido. Chegou até ali ovacionada, e levada por Marcos da Veiga Pereira, dono da Editora Arqueiro, que publica a obra da escritora americana desde o início. Ele estava vestido como um duque saído das páginas da história que ela criou, e que se passa na Regência Britânica, entre 1811 e 1820.

A escritora respondeu brevemente algumas breves perguntas e parecia desconfortável na posição. Acenava contidamente, e os fãs vibravam. Os 100 primeiros da fila subiram ao palco para tirar foto com ela. Os outros 200 ganharam apenas brindes.

Julia Quinn reuniu cerca de 300 fãs no Baile da Realeza, durante a Bienal do Livro do Rio neste sábado, 2 Foto: Marcio Mercante/Filmart Media

Frini Georgakopoulos, diretora de aquisições da Arqueiro, vestida a caráter, comandou o evento e animou o público. “Vocês gostam das histórias pelo final feliz ou pela sapequice?”, perguntou. Pelos gritos, a segunda alternativa ganhou. Do lado de fora uma pequena multidão assistia a tudo: a valsa dos bailarinos contratados, a histeria dos outros fãs, o desconforto de Julia e a distribuição de marca página e de bottons.

No domingo, 3, a escritora voltou para uma conversa mais formal e um pouco mais à vontade com seus leitores.

Publicidade

Do Rio para São Paulo

Julia Quinn estará na Livraria da Vila Center Norte (Travessa Casalbueno, 120 - Vila Guilherme), a partir das 19h, para o lançamento de Rainha Charlotte. As 300 senhas para os autógrafos começaram a ser distribuídas pela manhã.

Confira a entrevista de Julia Quinn

Você já era conhecida quando veio ao Brasil nas outras duas vezes, mas imagino que as coisas estejam muito maiores agora.

Está uma loucura em todos os lugares depois da série. A primeira vez que vim ao Brasil foi incrivelmente emocionante porque acredito que tenha sido uma das primeiras vezes em que fui convidada para fazer uma turnê em um país estrangeiro, e foi a primeira vez que fui a algum lugar onde os fãs estavam tão empolgados. Eu nunca tinha tido uma sessão de autógrafos daquele jeito. Quando cheguei aqui havia filas e todos estavam tão animados. Foi a experiência mais incrível. Então, aquela foi a primeira vez que tive aquele tipo de excitação. Eu nunca tinha me sentido tão popular antes daquilo. Foi maravilhoso. Vai ser louco ver o que vai acontecer agora depois da série, porque começo a ver as diferenças em todo o mundo. Mas os fãs no Brasil são os melhores. Absolutamente os melhores.

Ter fãs é diferente de ter leitores. Para o bem e para o mal.

Os leitores no Brasil são mais empolgados em relação aos autores do que em outros países, eu diria. Há muitos leitores que gostam dos livros, dizem que amam os autores, e não se importam exatamente em encontrá-los. No Brasil, parece que as pessoas realmente querem conhecer o autor e interagir com ele, o que é realmente adorável.

E você gosta dessa parte do trabalho?

Gosto sim. Se fosse todos os dias, seria difícil, mas é realmente agradável. E a verdade é que escrevo livros porque quero que as pessoas os leiam. Tem gente que diz que escreve para si, que não se importa se alguém vai ler. Se ninguém fosse ler o que eu escrevo, eu não escreveria. Quero que as pessoas leiam, quero saber como elas se sentem em relação aos livros. Gosto de me conectar com os leitores e saber que os livros estão fazendo com que eles se sintam felizes.

Publicidade

Hoje parece que não é mais suficiente apenas escrever uma boa história. Você precisa se vestir como os personagens, tem que ir ao baile É a primeira vez que você faz algo como o que vai acontecer na Bienal?

PUBLICIDADE

Sim, provavelmente. Há o Baile da Rainha, nos Estados Unidos. Visitei o cenário uma vez, mas ainda tinha a covid e eu estava um pouco nervosa com isso. Eu não vou me vestir como na época da Regência, só vou usar um vestido bonito. Mas amo que as pessoas se vistam desse jeito.

De que forma você acha que seus personagens refletem o seu ideal de pessoa, de família e de relacionamentos?

A coisa mais importante é que eles não são perfeitos. Em romances ou nas jornadas de heróis, você tem esse personagem principal que é quase perfeito. Os meus têm falhas, cometem erros. Mas se eles cometerem erros, geralmente é por um bom motivo. Afinal, quero que sejam boas pessoas. Já tentei escrever bad boys e eles sempre acabam fazendo algo bom. Então, acho que quero que esses personagens sejam alguém de quem meus leitores gostariam de ser amigos. Porque você precisa gostar deles se quiser passar um livro inteiro com eles e torcer para que tenham um final feliz. No caso de um thriller, eu não preciso gostar. Basta que ele seja interessante. Mas se estou lendo um romance como os meus, onde o objetivo principal é que eles se apaixonem e tenham um final feliz, tenho que gostar deles. E eles também precisam ter senso de humor. Tenho essa personagem secundária em alguns dos meus livros chamada Daisy, e às vezes alguém diz que gostaria de um livro sobre a Daisy. Mas Daisy não tem senso de humor, não sabe rir de si mesma. Então, não haverá um livro sobre Daisy.

Cena da segunda temporada de Os Bridgertons, série baseada em livros de Julia Quinn Foto: Netflix

Eu ia comentar mesmo sobre humor, que é uma característica de seus livros. Você acha que precisamos de mais humor na vida?

Acho que sim. O que realmente aprecio em um livro é que me faça rir e me deixe sem fôlego, sabe? Se você pode fazer as duas coisas, acho maravilhoso. Acredito que muitas pessoas que não leem romances pensam que todos eles são muito dramáticos, como E o Vento Levou. Mas na verdade eles podem ser muito engraçados porque a vida é engraçada, e eles são feitos para refletir a vida.

E como leitora, o que você busca? O que gosta de ler?

Leio muitas coisas diferentes, gosto muito de memórias, leio romances e um pouco de ficção científica. Leio biografias. De tudo um pouco, na verdade.

Publicidade

Você escreve há muito tempo e seus livros da série Bridgerton não são exatamente novos. Alguma vez você imaginou que sua vida chegaria nesse ponto?

Não. Até pouco tempo, ninguém estava adaptando livros como esses. Quando assinei o contrato, alguns de meus amigos perguntaram: ‘Seu agente foi a Hollywood, ele estava vendendo seu trabalho lá?’. E eu disse que teria sido ridículo porque ninguém estava adaptando esses livros. Tudo isso aconteceu do nada.

E como foi?

Pelo que entendi, Shonda estava de férias ou trabalhando, acho que em Londres. Ela sempre leva livros para ler porque é uma grande leitora, e ela ficou sem livros e de alguma forma um dos meus estava lá e ela pegou. Olha como sou sortuda! Então, eu nunca nem imaginei. E me lembro de conversar com meu pai uma vez, porque ele era roteirista, e estávamos falando sobre como seria adaptar esses livros, e ele disse que não via como alguém poderia fazer isso por causa da estrutura. Ele não sabia, eu não sabia. Mas eles obviamente descobriram e eu adorei. Eles estão seguindo a estrutura básica do livro. Cada temporada é basicamente um romance. Tem essa continuação.

E aconteceu agora de você escrever Rainha Charlotte, um romance sobre histórias e personagens que surgiram primeiro na série. Como foi a experiência?

Isso foi algo totalmente novo e eu realmente gostei porque usei uma parte diferente do cérebro na escrita. Foi como montar um quebra-cabeça. Tive que pegar seis roteiros e desmontá-los, colocá-los de volta juntos e adicionar minhas próprias partes, deixar algumas partes de fora. Foi muito, muito diferente e divertido. E foi bom - uma maneira realmente boa de sacudir as coisas e encontrar alguma alegria na escrita novamente após um ano muito difícil. Meu pai e minha irmã foram mortos num acidente, e eu realmente não estava querendo escrever. Rainha Charlotte me deu um recomeço.

Publicidade

Cena de Rainha Charlotte Foto: Liam Daniel/Netflix

Acredito que seja porque se você retroceder um pouco no passado, pode dar a ele algumas qualidades de contos de fadas e aceitar certas coisas na história que não aceitamos hoje, como o comportamento das pessoas. Isso não quer dizer que vamos fazer com que os personagens sejam horríveis, mas podemos usar a imaginação de diferentes maneiras. E como as regras eram tão diferentes naquela época é possível ter enredos que não teríamos hoje. Hoje eu não preciso me preocupar em ser forçada a casar com alguém porque estava com ele no jardim. E aquela era uma época em que a conversa era uma parte muito grande da vida cotidiana. Eram conversas muito inteligentes, que não vejo agora. Mas é apenas o conto de fadas. Quero dizer, existe uma razão pela qual, dentro dos romances históricos, apenas recentemente começamos a nos mover para o século 20. Não vemos romances de época sobre a Segunda Guerra Mundial. Existem muitos romances históricos ambientados na Segunda Guerra Mundial, mas como é tudo muito recente, e há sobreviventes e filhos de sobreviventes por aí, e como os horrores são muito frescos, eu não seria capaz de fazer isso. A época sobre a qual escrevo não era perfeita em nenhum sentido, mas ela já está suficientemente no passado e podemos romantizar um pouco.

E qual é o objetivo como escritora? O que você deseja proporcionar aos seus leitores?

Entretenimento. Um entretenimento muito bem escrito. Há pessoas que acham que todo livro precisa ler algo que as faça melhorar de alguma forma ou que ensine alguma coisa. Livros podem ser ótimos sem fazer isso. Acredito nos livros que nos entretém, nos fazem sorrir e nos garantam bons dias. É engraçado que isso não é um problema na relação das pessoas com filmes e séries. Elas aceitam que eles podem ser entretenimento, mas dizem: ‘ah, não, se eu vou ler esse livro ele tem que ter algum significado’. Bem, ser feliz significa alguma coisa. Quero, então, que meus leitores tenham uma boa experiência de leitura.

Quando as pessoas criticam a presença de atores negros, elas estão criticando um erro histórico, falta de fidelidade à realidade, ou algo além disso?

Eu não sei. Não quero falar pelas pessoas. Provavelmente é uma combinação das duas coisas. Alguns provavelmente são racistas, com certeza, e outros podem argumentar que precisamos seguir a história. O que posso dizer é que isso não é uma aula de história. Essa nunca foi a intenção. Se você olhar para os romances de época vai encontrar outras imprecisões. Não existiam tantos duques por ali, e eles certamente não eram tão bonitos e com dentes alinhados, e provavelmente a maioria tinha sífilis. Então, já estamos mudando a história. Se você puder acreditar que tínhamos todos esses duques bonitos e ricos, então pode acreditar que um deles tinha pele escura.

Poderia comentar a importância da inclusão e da diversidade nos romances de época?

Especialmente numa história como Bridgerton, com todos aqueles finais felizes, é importante mostrar que todo mundo pode ter um final feliz. Sou muito grata à Shonda por ter descoberto como pegar as histórias e fazer isso. Acho que a criação da rainha foi o que tornou possível adicionar o universo inteiro. Ouvi tantas pessoas dizerem o quanto significou para elas ver alguém que se parecia com elas com um vestido chique. E elas vencem no final, e conseguem um cara bonito. Eu acho isso maravilhoso: todo mundo tem um final feliz.

Publicidade

Por falar em tempos passados… Seus livros não estão na mira dos censores que empreendem uma caça a livros nos EUA, mas como vê essa onda de banimento?

Isso me deixa tão brava, tão chateada. Tenho conversado com pessoas e pretendo fazer muito mais no futuro para me manifestar contra isso e trabalhar com algumas organizações para lutar contra a proibição de livros de forma mais oficial. Meus livros não foram realmente proibidos, mas isso provavelmente se deve ao fato de que meus livros não estão nas bibliotecas infantis - elas são os principais alvos. Isso é absolutamente terrível e eu condeno com veemência.

Entenda como o banimento de livros ameaça a democracia

Quais são seus planos futuros?

Eu não sei o que vou lançar em seguida, mas estou realmente inclinada a me envolver mais na luta contra a proibição de livros em breve. Então, se eu não lançar outro livro super rápido é porque estou trabalhando contra as proibições de livros. De verdade, eu simplesmente não consigo acreditar que ainda não tenhamos aprendido com isso. Essas pessoas realmente me irritam.

Considerando as dúvidas e curiosidades de seus fãs, o que diria a eles?

Uma coisa é que eu não posso ajudar ninguém a entrar no elenco da série porque eu não tenho nada a ver com isso. A outra é que eu realmente não sei quando vai estrear a terceira temporada, e se eu soubesse eu não poderia revelar. E, sim, eu amei o resultado da adaptação e todas as escolhas que fizeram. Tem sido maravilhoso não apenas para mim, mas para todos, ter essa série que celebra a felicidade, os finais felizes, o amor e a família.

Publicidade

Você se sentira confortável em escrever algo diferente, outro gênero ou estilo...

Já pensei um pouco nisso. É assustador porque, a esta altura, sei como escrever um romance de época. Toda vez que faço isso, penso: ‘meu Deus, ainda tenho 300 páginas pela frente’. Mas você chega lá. Às vezes penso que meu computador pode morrer. E o que isso realmente significaria? Que nada seria perdido. Eu sei escrever isso. Então é assustador pensar em fazer algo diferente, mas nunca se sabe. Ando pensando nisso.

Há algum outro período da história que você gostaria de revisitar em seus livros?

Eu realmente gosto da época da Regência. Meu livros passam nesse período, ou um pouco depois. Tenho uma série que se passa uma geração antes e um livro que se passa na Guerra Revolucionária dos Estados Unidos. É um período que funciona para mim - é sofisticado e elegante, as pessoas conversam muito. Não quero escrever sobre a era vitoriana. Não gosto dos vestidos. Não quero escrever sobre aqueles vestidos enormes com armação. Amo os livros sobre a Segunda Guerra Mundial, mas, como eu disse, é tudo muito recente. E eu amo livros distópicos. Talvez eu crie meu próprio mundo. Mas já não foi isso que fiz com a Regência?

Como está sendo este momento para você?

Eu viajei bastante e tirei todo o verão de folga, o que foi muito bom. Eu moro em Seattle, onde os verões são perfeitos. Quero dizer, fomos o único lugar nos Estados Unidos onde não estava insuportavelmente quente. Mas estou aqui e depois vou para a Flórida, onde estou fazendo algumas palestras e doando todo o dinheiro que vou receber para a Equality Florida, que é o maior grupo de direitos dos gays dos Estados Unidos, porque estou muito chateada com o que está acontecendo no estado. Vou doar os US$ 25 mil das duas palestras. Vou daqui direto para lá, e espero fazer mais palestras onde eu possa doar o dinheiro para causas importantes. É bom poder fazer isso e também ajudar a aumentar a conscientização. Subir no palco e dizer: todo o dinheiro deste evento está indo para esta causa. Se você não gosta, pode ir embora. É totalmente novo para mim estar na posição onde eu posso fazer alguma diferença, e não apenas assinar um cheque. É isso que espero fazer também com relação à luta contra o banimento de livros. Obrigada por ter perguntado isso.

Veja o trailer das duas temporadas de Os Bridgertons

Correções

Julia Quinn não veio ao Brasil pela terceira vez agora, como informado anteriormente, mas, sim, pela segunda. No entanto, ela participou de três edições da Bienal do Rio - em 2017, de forma presencial; em 2021, de forma online; e agora de novo de forma presencial

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.