PARATY - No quarto livro de sua série autobiográfica Minha Luta, Karl Ove Knausgård tem 18 anos e, entre as inquietações comuns da idade, um sonho: ser um grande escritor. Nesta sexta-feira, 1º, Karl Ove Knausgård tem 47 anos, se tornou o grande escritor que desejava ser, e agora é a atração principal da 14.ª Festa Literária Internacional de Paraty, ao lado da prêmio Nobel de Literatura Svetlana Alexiévich. O norueguês participa nesta sexta-feira, 1, às 17h15.
Uma Temporada no Escuro, que a Companhia das Letras publica agora no Brasil, é o quarto volume da série que transformou Knausgård na estrela literária do momento: ele vendeu mais de 700 mil cópias só na Noruega (5 milhões de habitantes), ganhou resenhas apaixonadas de escritores consagrados em todos os grandes jornais do mundo, virou colaborador da The New Yorker e do The New York Times e ganhou enfim o status dos rock stars que admira.
Os livros foram publicados entre 2009 e 2011 na Noruega, e falam basicamente sobre o próprio escritor e sua família. O segredo passa pela linguagem direta e aparentemente simples, que transforma eventos absolutamente banais (tomar banho e abrir uma cerveja) em investigações estéticas de ambição variada. As traduções – que chegam a 22 línguas – começaram a pipocar em 2013 (inclusive no Brasil) e a repercussão foi global.
Ele finalmente vem ao Brasil (depois de cancelar sua participação na Flip em 2013), para lançar o quarto volume – que aborda sua estadia de um ano em um povoado no norte da Noruega para uma temporada como professor. Ele tinha 18 anos, era metade dos anos 1980 e o vilarejo de Håfjord tinha 250 habitantes.
“Quando se tem 18 anos, há muitas coisas que uma pessoa não entende, não aprecia, porque não conhece. É uma experiência muito forte. Eu me lembro de tudo vividamente”, disse o autor ao Estado, por telefone, um dia antes do início da Flip. “Eu queria estar sozinho, tinha esse sonho romântico sobre ser um escritor. O problema era que lá eles são muito sociáveis”, ri.
No livro, Knausgård conta sua trajetória como professor temporário, mas fala principalmente sobre sua descontrolada pulsão hedonista: o sexo (ainda que escasso) e a bebida (em quantidades astronômicas) dominam o texto sem ironia com que o autor burilou as 3,5 mil páginas que compõem os seis volumes.
“Sou um escritor não irônico. Sempre tento saber onde estou. Mas quando estou escrevendo sobre o meu passado, a ironia é inevitável, porque ela existe em saber e não saber”, compara. “Quando estou escrevendo sobre ter 20 anos, agora que tenho 47, sei muito mais. Eu vejo essa pessoa do lado de fora. Finjo que a diferença não existe, e aí é que está a ironia. Quando ele está fazendo algo estúpido, eu sei que é estúpido, o leitor sabe, mas ele não sabe. Existe uma catástrofe que está vindo, e esse é um jeito muito clássico de escrever. Esse caminho para a tragédia… ele está indo em direção a esse desastre. É o mesmo nesse livro, tirando que o desastre dele não é grande, é um desastre normal, cotidiano.”
Entre as ações que o jovem Knausgård toma no livro estão pequenos furtos, uma paixão por uma aluna de 13 anos e vários blecautes causados por porres homéricos. “É estranho ser jovem”, reconhece. “Ele está muito consciente de si e, ao mesmo tempo, não tem experiência, não entende sobre o que está consciente. E então olho para coisas que fiz que foram cruéis, más e é interessante escrever sobre esse estado de espírito, quando muitas coisas acontecem pela primeira vez, não há explicações.” A verdade é que ele seguiu à risca, com sucesso, o conselho de Nelson Rodrigues para ser um bom escritor: envelheceu.
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