Karnal: Fim da Livraria Cultura ou fim da Cultura? Veja repercussão sobre fechamento da livraria

Editores e livreiros também comentam o destino da empresa da família Herz, cuja falência foi decretada nesta quinta, 9

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

A Livraria Cultura começou sua história como uma pequena biblioteca circulante, que virou depois uma pequena loja, depois mais uma, e então veio a primeira megastore, a segunda. O momento econômico era favorável, o crédito era fácil, e a empresa cresceu e se espalhou pelo Brasil. Ocupou grandes espaços em shopping centers, trouxe o primeiro e-reader ao País. Começou a vender outros produtos.

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Se num primeiro momento ela serviu de inspiração para uma nova geração de livreiros, depois ela passou a ser vista como um exemplo do que não se deve fazer. O anúncio de que sua falência tinha sido decretada, feito na noite desta quinta-feira, 9, causou comoção entre os brasileiros, que se manifestaram nas redes sociais e se deslocaram até a Avenida Paulista, para conferir se era verdade, buscar alguma promoção, tirar uma última foto e se despedir da Livraria Cultura.

A família Herz vai recorrer da decisão da Justiça, conforme informou em nota, mas o fim da empresa já é dado como certo pelo mercado editorial, credor de uma boa parte da dívida de R$ 285 milhões. Por ora, as lojas do Conjunto Nacional e de Porto Alegre, bem como o e-commerce, ainda estão funcionando.

Editoras que operavam espaços próprios na Cultura começaram a retirar seus livros da loja do Conjunto Nacional nesta sexta-feira, 10  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Os colunistas do Estadão, Leandro Karnal, Ignácio de Loyola Brandão e Marcelo Rubens Paiva lamentaram a notícia da falência da Cultura.

“Foi decretada a falência da Livraria Cultura. Comprei centenas de livros lá, passei horas naquele café, vi muitas peças de teatro e lancei vários títulos no espaço do Conjunto Nacional. Aqui o concorrido lançamento do Hamlet com Valderez Carneiro da Silva e Thiago Lacerda. Fim de uma era. Fim da Livraria Cultura ou fim da Cultura?”, se pronunciou em rede social o escritor sobre o fato em questão”, escreveu Karnal nas redes sociais.

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Leia a coluna de Marcelo Rubens Paiva sobre o assunto: Livraria Cultura viveu o sonho do livro para as massas. Imortal da Academia Brasileira de Letras, Loyola Brandão também escreveu sobre o fim da Livraria Cultura: Poucos podem imaginar o que representa a perda da Livraria Cultura para todos nós.

Esvaziada, Livraria Cultura pode ser fechada a qualquer momento  Foto: Taba Benedicto/Estadão

O Estadão também ouviu editores e livreiros. Veja abaixo outras repercussões.

Livreiros e editores comentam a falência da Livraria Cultura

Gerson Ramos

Diretor comercial da Planeta

“Por mais que pudéssemos prever esse final, a sua materialização nos enche de tristeza. Carlo Carrenho, fundador do PublishNews, dizia que quando se abre uma livraria todos os profissionais do mercado deveriam abrir uma champagne – e eu acrescento que cada livraria fechada deveria nos obrigar a alguns minutos de silencio, de reflexão. O sentimento é de perda e de encerramento do luto, porque já estávamos enlutados desde o início da recuperação judicial em 2018. Muito embora as maiores causas deste capítulo final devam-se mais a questões internas da própria Cultura do que ao mercado como um todo, é fundamental que cada profissional olhe para suas práticas e decisões e aja em favor do fortalecimento da cadeia produtiva para cuidar das livrarias que estão aí agora, ativas e zelosas de suas obrigações e funções, sem artifícios e tratando o livro como coração do negócio.”

Alexandre Martins Fontes

Proprietário da Livraria Martins Fontes e WMF Martins Fontes

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Durante décadas, a Livraria Cultura foi a maior referência no mercado de livros do Brasil, e o excelente trabalho do Pedro Herz, uma fonte de inspiração para todos nós. Quando eu assumi a Livraria Martins Fontes da avenida Paulista, no início dos anos 2000, me perguntaram o que eu pretendia com aquele projeto. Minha resposta foi: ‘se eu conseguir fazer um pouco do que a Livraria Cultura faz, já serei um homem feliz’. No entanto, com o passar do tempo, nós assistimos a uma sequência enorme de decisões equivocadas: empréstimos e investimentos maiores do que o livro permite fazer, a abertura de lojas de tamanhos e em locais questionáveis, a comercialização exagerada de espaços para a exposição de produtos, permitindo que o fornecedor – e não o cliente – ditasse que livros mereciam destaque. Enfim, a Livraria Cultura se tornou tudo aquilo que ela nunca foi: uma loja genérica, sem vida e sem alma. E nenhuma empresa resiste muito tempo a um comportamento assim.”

Rui Campos

Proprietário da Livraria da Travessa

“A Livraria Cultura, modelo e inspiração para o mercado durante anos e anos, perdeu o chão quando passou a desconsiderar o livro como foco da empresa. A venda de livros de papel cresce no mundo inteiro. Eles apostaram em quinquilharias e no fim das lojas físicas.”

Mônica Carvalho

Proprietária da Livraria da Tarde

Sou mineira, vim para São Paulo em 2006, como muitos, abrir um negócio e trabalhar. Lembro que “meu lugar” em São Paulo era a Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Lá eu marcava cafés, ia a peças de teatro, palestras, escolhia as próximas leituras, participava de lançamentos de livros e levava todos os amigos e familiares que vinham me visitar em São Paulo. Achava a Cultura lindíssima! Confesso que tinha alguma dificuldade em escolher e encontrar livros, mais pela minha retaguarda provinciana, do que por qualquer outro motivo (como diria Caetano, Narciso acha feio o que não é espelho), a grandeza do lugar, a oferta volumosa de livros me assustava um pouco, mas também me encantava. Saber da falência da Cultura dá uma nostalgia, mas infelizmente não me surpreende. Desde 2017 eu vinha acompanhando a crise, sentindo na pele como leitora a decadência da livraria e espaço cultural. Quando entrou em recuperação judicial e as lojas começaram a fechar me deu um estalo e pensei que ali poderia haver uma oportunidade para minha transição de carreira. Lembro que li tudo que saiu na mídia, e fui capturando os contatos das pessoas que participavam das matérias para depois conversar e entender se aquela crise tinha a ver com a falta de leitores ou problemas de gestão. Ao conversar com as pessoas fui percebendo que ali havia mesmo um problema de gestão, não só de fornecedores, mas de pessoas, financeira e tudo mais, parecia que o mercado já esperava o seu fim mesmo. No início de 2019 decidi abrir a Livraria da Tarde, certa de que o modelo das megastores estava esgotado e que o modelo da livraria de bairro, pequena, com um acervo selecionado, atendimento acolhedor, era o melhor caminho a seguir. Desde então a gente vem traçando nossa história, cheia de obstáculos (pandemia, crise econômica, falta políticas de apoio a livrarias, concorrência desleal com grandes magazines), mas também com muitas alegrias e realizações.”

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Diego Drummond

Sócio da Livraria Drummond

“Uma livraria ameaçada de fechar deixa os livros, a leitura e a literatura menores. Espero que os autores, editoras, livrarias e leitores possam criar muitos outros espaços para os livros - mesmo sabendo que todos são insubstituíveis. Sugiro a todos operadores do mercado editorial que, tendo condições, num esforço de ampliar os pontos de venda, exposição e experimentação de livros, adotem ou, ao menos, estimulem a abertura de uma livraria mais. Só com isso já teríamos o dobro de pontos de venda disponíveis aos leitores atualmente.”

Marcelo Levy

Diretor comercial da Todavia

“A Todavia lamenta muito o ocorrido com a Livraria Cultura. Deixar de existir é um estrago brutal na paisagem da cidade e no cenário cultural do País inteiro. Estantes de bibliotecas leitores de todo tipo estão repletas de livros comprados na Cultura. Esperamos que nossa indústria encontre nesse revés motivação para criar e manter caminhos sustentáveis para chegar ao leitor.”

Paulo Verano

Editor e sócio da Edições Barbatana, no Facebook

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“A morte da Livraria Cultura é triste para quem a frequentou em seu período áureo, mas já era óbvia no nosso papo de 2017. Também é óbvio que muitas livrarias pequenas, como nós editores pequenos, vêm surgindo nas ruas com força, garra e beleza. E com dificuldades imensas, é claro. O que me parece claro, também, é que esse caminho triste da LC pode voltar a ser percorrido por outras empresas editoriais e livreiras maiores no futuro, caso prefiram continuar a não enxergar essas novas forças do sistema do livro que são revolucionárias apenas porque insistem em pôr o fazer editorial e a circulação dos livros em primeiro lugar. Porque não desistimos disso.”

Bruno Zolotar

Diretor comercial e de marketing da Rocco, no Facebook

“Desavisados apavorados com a notícia da falência da Livraria Cultura. A coisa já vinha muito mal e descendo ladeira desde 2018, quando aconteceu a recuperação judicial da rede, fruto de várias questões. Surpresa zero. Acredito que a gente tenha que mudar o foco. Falar de quem está crescendo e abrindo loja como a Leitura, a Travessa e a Vila. E de outras redes firmes e fortes como a Vanguarda e a Livrarias Curitiba e das várias novas e independentes que estão surgindo. As livrarias físicas cresceram em 2022, ao contrário dos e-commerces. É preciso focar no positivo. Em lojas lindas e novas como a da foto que é da Travessa do Iguatemi em São Paulo que tem evento hoje e está lotada.’

Fundação Saramago

“É de todos também sabida a impressão que a Livraria Cultura deixou para o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago, que a descreveu como uma linda livraria, uma catedral de livros, moderna, eficaz e bela.”

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