Análise | Legado de Ziraldo vai além do Menino Maluquinho

Ele brilhou tanto nos quadrinhos quanto na literatura infantil, com alguns de seus personagens transitando de um meio para o outro

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Foto do author Pedro Cirne

É comum associarmos Ziraldo (1932-2024) ao Menino Maluquinho, sua mais famosa criação. Mas o legado do mineiro de Caratinga vai além disso: suas digitais estão além de um único personagem e estão espalhadas pela literatura infantil, pelas histórias em quadrinhos (HQs), pelo uso do humor como manifestação política e pela imprensa.

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Ziraldo valorizou muito a cultura e a história brasileiras. Bebeu diretamente no folclore para criar, em 1959, seu primeiro sucesso: a Turma do Pererê, uma turma formada por um saci, um menino indígena e uma onça, entre outros. Eram histórias engraçadas, leves e facilmente reconhecíveis pelo traço autoral do Ziraldo.

Nos anos 60, manteve a revista mensal da Turma do Pererê, a primeira HQ totalmente colorida do Brasil, e lançou mais dois personagens de quadrinhos: Jeremias, o Bom, e The Supermãe. Além disso, publicou seu primeiro livro infantil: “Flicts”, de 1969. Uma história linda, com um protagonista inusitado: uma cor que ninguém conhece.

Assim como a Turma do Pererê já trazia características da obra futura do Ziraldo nos quadrinhos, “Flicts” também traz uma constante de sua literatura infantil: a narração simples e direta, direcionada às crianças, traz um roteiro com significado profundo, que chega também aos corações adultos. Há profundidade na história narrada por meio daqueles desenhos tão lindos e coloridos. A cor-personagem Flicts sofre bullying e tem de lutar contra a rejeição, procurando apenas ser aceita como é, sem precisar mudar.

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O criador de ‘O Menino Maluquinho’ morreu na tarde de sábado, 6. Foto: Fabio Motta/Estadão

Também é de 1969 outro marco na carreira de Ziraldo: ele foi um dos fundadores do semanário humorístico carioca O Pasquim, em que uma verdadeira “seleção brasileira” do humor usava charges, entrevistas e artigos para confrontar a ditadura vigente: Jaguar, Fortuna, Tarso de Castro, Henfil, Millôr Fernandes e, claro, o Ziraldo. Dois bons documentários recentes retratam o enorme impacto no humor – e na imprensa - brasileiros: “O Pasquim – A Subversão do Humor” e “Tá Rindo de quê?”.

No ano seguinte, 1970, Ziraldo ilustrou um livro infantil de Chico Buarque: “Chapeuzinho Amarelo”, em que mais uma vez aqueles lindos e chamativos desenhos ilustram algo maior. Nesta pequena fábula, a Chapeuzinho é amarela de tanto medo que tem do Lobo Mau. E só quando ela aprende a reconhecer o medo, a nomear aquilo que tanto a incomoda, ela se torna capaz de enfrentá-lo. Algo como: não adianta fugir dos problemas, é preciso reconhecer que existem.

Foi em 1980 que Ziraldo alcançou seu maior sucesso, com o lançamento de “O Menino Maluquinho”. Com um humor por vezes lírico e desenhos inspirados, a história de um menino feliz se tornou um dos maiores fenômenos editorais brasileiros de todos os tempos. Vieram outros livros, como “O Bichinho da Maçã” e “O Menino Marrom”, entre outros.

Ziraldo brilhou tanto nos quadrinhos quanto na literatura infantil, com alguns de seus personagens transitando de um meio para o outro, caso do próprio Menino Maluquinho – que surgiu em um livro e depois virou HQ mensal, filme etc.

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Uma de suas obras mais interessantes, aliás, consegue ser uma história em quadrinhos sem palavras no início, vai ganhando cada vez mais diálogos e narrações no meio e se torna um livro em prosa no final, acompanhando o amadurecimento do protagonista: “O Menino Quadradinho”, de 1989. Este lindo livro pode exemplificar como Ziraldo soube transitar tão bem seu talento entre os quadrinhos e a prosa, o jornalismo e as revistas mensais de HQs. O Menino Maluquinho, claro, é sua maior criação, mas olhar através dele permite encontrar um legado pra lá de interessante.

Análise por Pedro Cirne
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