A Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, amanheceu em silêncio nesta terça-feira, 27. Diferentemente da primeira manhã em que a falência foi decretada, em fevereiro deste ano, os corredores não estavam ocupados por clientes em busca de promoções ou uma última foto.
Dessa vez, a despedida dos leitores foi impossibilitada pela notícia da ordem de despejo, usada como argumento pelos seguranças que proibiram a entrada do público que quisesse contemplar os milhares de exemplares ainda disponíveis nas prateleiras.
Só poderia passar pelo corredor de livros da Cultura quem fosse consumir algo na cafeteria A Casa de Antonia. A entrada da Alameda Santos permaneceu trancada por cadeados. Só foi possível ver algumas caixas de papelão empilhadas.
Mas, quem se dirigisse para a entrada principal poderia ou não se deparar com o aviso de que o espaço estava fechado, já que o cartaz com o anúncio foi retirado pelos seguranças e, posteriormente, colocado de volta pela proprietária do café.
Os leitores se surpreenderam com a comprovação de que aquele era, realmente, o fim da Livraria Cultura. “É um degrau a menos na cultura brasileira”. Foi o que disparou Vera, indignada, ao ser barrada pelas garçonetes.
A aposentada de 73 anos relatou à reportagem que vê nos livros físicos uma companhia insubstituível e, na livraria, um refúgio cultural. “Que digitalização que nada. Eu gosto de ter meu livro, é um amigo para mim. Aqui era um lugar bonito para gente se encontrar, marcar uma tarde de encontro. Inclusive, quem não pudesse comprar nada, ainda tinha possibilidade de ler ou folear algumas páginas”, disse.
“Eu fiquei realmente muito triste, muito mesmo”, concluiu. O espaço, de fato, funcionava como um passeio turístico para clientes como Charles, de 60 anos. O leitor de São Luís do Maranhão vem para São Paulo esporadicamente para o tratamento de um tumor da filha, que, recentemente, fez retirada da medula.
“Gosto muito dessa livraria, sempre que venho para São Paulo passo aqui para visitar. Às vezes, a gente se apega a um lugar. Você pensa que nunca mais vai encontrar outro igual a esse. Claro que existem outras livrarias com os mesmos produtos, mas eu tinha adotado essa”, lamenta.
Em meio aos muitos clientes que se decepcionaram com a notícia, estava Eduardo Suplicy. O deputado estadual de São Paulo visitava assiduamente o local que descreveu como “um patrimônio do povo paulista”.
“Acho uma tristeza que esteja fechada, frequento aqui há décadas, fiz lançamentos de livros meus aqui e vinha sempre passear. Torço muito para haver um bom entendimento entre todas as partes para que ela continue proporcionando tantas alegrias”, disse Suplicy.
Acontece que, desta vez, a livraria está cumprindo ordem de despejo. Logo depois do decreto de falência no início do ano, a empresa ganhou uma sobrevida quando conseguiu uma liminar para seguir com seu plano de recuperação judicial. Mas era só uma questão de tempo.
Em maio, o recurso da Cultura foi negado e a falência foi mantida. A Livraria Cultura homologou seu pedido de recuperação judicial em abril de 2019. A falência foi decretada por dívidas trabalhistas e débito de R$ 2 milhões com o Banco do Brasil.
Nesta terça-feira, a pediatra Jéssica tinha a expectativa de apresentar o espaço para sua mãe, Rosane, mas se frustrou ao descobriu que perdeu sua última chance.
“Eu sempre tive o hábito de vir para livraria e sebos quando era mais nova. Essa é uma com impacto muito grande na sociedade. Já sabia que tinha chances de fechar, mas, se eu soubesse que seria agora, teria aproveitado mais”, refletiu.
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