Livro de Andrew Solomon mostra que viajar pode ser o antídoto contra a intolerância

Autor do premiado 'O Demônio do Meio-dia', Solomon defende, em 'Lugares Distantes', que traz retratos sobre países em transição, que viajar é a melhor forma de conhecer o outro, ter empatia e resolver conflitos mundiais

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues

A esperança é como uma infância feliz, pois nos prepara para lidar com os traumas que inevitavelmente virão, afirma o escritor Andrew Solomon na apresentação de seu novo livro, Lugares Distantes, que acaba de chegar às livrarias pela Companhia das Letras. A obra reúne textos escritos ao longo de mais de 20 anos sobre lugares tão diferentes quanto a União Soviética, Afeganistão, Ruanda ou Brasil. Em comum, o fato de que esses lugares estavam vivendo momentos de transição durante sua passagem por lá. Momentos de esperança.

“A mudança muitas vezes dá horrivelmente errado; a mudança muitas vezes eletrifica o ar só para esvanecer, irrealizada”, escreve mais adiante. 

Andrew Solomon conheceu 83 países e escreveu sobre boa parte deles em 'Lugares Distantes' Foto: Annie Leibovitz

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Escritor, ativista, conferencista e autor do premiado O Demônio do Meio-dia, uma espécie de tratado sobre a depressão, Andrew Solomon incluiu em seu livro o artigo que escreveu sobre o Rio de Janeiro em 2011, para a revista Travel + Leisure. Um ano antes, quando o americano esteve no País, a cidade tinha o “olhar voltado para o futuro”, vivia uma “florescente economia” e se preparava para sediar a final da Copa do Mundo, em 2014, e os Jogos Olímpicos de 2016. “Quando fui ao Rio, havia esperança. Ver que aquilo tudo se quebrou é de cortar o coração”, disse, em entrevista ao Estado, referindo-se ao aumento da violência e à intervenção federal.

“Todos os países sobre os quais eu escrevi tiveram seus momentos de esperança e de perda dessa esperança. Mas não devemos desistir – mesmo com relação ao Rio. No entanto, é importante reconhecer a importância do problema”, disse. Solomon cita Antonio Gramsci. “Em uma revolução, é preciso ter o pessimismo da razão e o otimismo da vontade”. E explica: “Racionalmente, sabemos que o que ocorre é um desastre real, mas é um grande desastre com uma solução. Temos que continuar tendo esperança e pensar que conseguiremos encontrar uma solução”, completa.

Seus textos são fragmentos de um tempo, são histórias contadas por seus personagens. Nesses mais de 20 anos, ele conheceu 83 países e escreveu sobre uma boa parte deles para publicações diversas. 

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Seu interesse por lugares diferentes remonta a uma conversa que teve com o pai na infância, dentro de um carro. Surgia em sua vida a palavra “holocausto” e ele queria saber por que os judeus, como ele, não haviam fugido. Como resposta, ouviu que eles não tinham para onde ir. Ficou com isso na cabeça, queria ter para onde ir. Foi aí que aprendeu a função vital de viajar. Com a mãe, aprendeu sobre a responsabilidade de aprender sobre o país que ia conhecer. E, sozinho, aprendeu a ouvir. Descobriu que o melhor jeito de conhecer um país é pelo olhar do outro – e que a melhor forma de conhecer o outro é viajando. 

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“Gosto de arte, de literatura, de política, mas penso que encontrar pessoas que estão refletindo sobre sua sociedade é a melhor forma de pensar essa sociedade”, explica.

Polícia pacificadora é recebida por uma população esperançosa na Rocinha, em 2011 Foto: Wilton Junior/Estadão

Para Solomon, viajar tem ainda uma importância política e uma responsabilidade moral. E é como um remédio a ser tomado em tempos assim, difíceis. “Vivemos um momento em que muitas nações estão construindo muros, reais ou metafóricos, que estão prejudicando a relação entre os países. Acredito que viajar para outros países é a melhor forma de entender determinado lugar, mas, sobretudo, para entender o outro.” Ele completa dizendo que devemos conhecer outros modos de vida e desenvolver nossa habilidade de sentir empatia e compaixão por pessoas que estão vivendo vidas muito diferentes das nossas, como no caso dos refugiados.

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O autor conta, ainda, que suas andanças o transformaram numa pessoa mais aberta. E, com elas, aprendeu que a maioria quer ser compreendida e é capaz de entender o outro. “Muitas pessoas vistas como o inimigo são, na verdade, seres humanos. Se conversarmos individualmente com elas, é isso o que vamos encontrar: seres humanos querendo se conectar”, diz.

Enquanto alguns estão dispostos ao diálogo, outros se fecham. Para o autor, especialmente nos Estados Unidos, caminha-se para trás no que diz respeito à diplomacia, empatia e compreensão do outro. “Vivenciar isso é apavorante. Estamos num momento de preconceito gratuito contra alguns grupos estigmatizados. Aumenta o número de incidentes racistas e homofóbicos. Muitas coisas terríveis estão acontecendo. Vivemos num mundo global, quer a gente queira ou não, e os problemas do mundo são nossos também, esteja a gente pronta ou não.” 

Seja na extinta União Soviética, no Afeganistão depois da queda do Taleban ou no Rio quando a Unidade de Polícia Pacificadora surgia como uma esperança, Andrew Solomon foi um espectador sensível das mudanças em curso. Algumas das questões políticas apresentadas no livro não são mais relevantes. Muitos dos países vivem situações muito diferentes hoje. Fica a tentativa de mostrar que “é no contato com o outro que encontraremos a solução para as nossas diferenças”.

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Trechos “Não há como adaptar-se às pessoas fingindo ser igual a elas; a adaptação requer envolver-se em um diálogo sobre as diferenças e deixar de lado a presunção de que o seu modo de vida é de alguma forma preferível ao do outro. (...) Viajar reduz uma pessoa a sua essência descontextualizada. Você nunca se vê com tanta clareza como quando está imerso num lugar completamente estranho. (...) Conhecer um lugar é como conhecer uma pessoa: um exercício de psicologia profunda. (...) Momentos de transição podem ser válidos ainda que suas promessas não se cumpram jamais. Meu eterno fascínio pela resiliência frequentemente me leva a lugares em que se luta pela transformação. O tempo tornou-me mais cínico. Nos momentos cruciais da história, mudanças que pareciam para melhor saem pela culatra, enquanto grandes progressos às vezes andam de mãos dadas com a tragédia. (...) Alexander von Humboldt, o grande naturalista do século 19, disse: ‘Não há visão de mundo tão perigosa quando a daqueles que não viram o mundo’.”

LUGARES DISTANTES Autor: Andrew Solomon Trad.: Renata Guerra e Donaldson M. Garschagen Editora: Companhia das Letras (560 págs.; R$ 79,90; R$ 39,90 o e-book) 

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